Domingo foi um Carnaval bastante festivo, mas até que relativamente mais alegre do que se esperaria nesse ano sombrio de 2018.
Fora os arrastões, assaltos e outros incidentes registrados, pelo menos, no Rio de Janeiro e Niterói - pelo menos é o que eu consultei na mídia, deve haver atos assim em outras cidades - , o Carnaval esteve bastante alegre.
No Carnaval carioca, nota-se a repercussão que se deu no Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Tuiuti, escola de samba sediada no bairro carioca de São Cristóvão.
O enredo se chama "Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?", de autoria de Cláudio Russo, Anibal, Jurandir, Moacyr Luz e Zezé.
As alegorias e fantasias foram feitas pelo carnavalesco Jack Vasconcelos.
Seu enredo aparentemente, falava apenas de escravidão, descrevendo seu histórico transformado em letras de música, alegorias e encenações.
Havia desde representação de escravos amarrados e açoitados até pessoas "vestindo" a fantasia da Carteira de Trabalho.
É aí que entra o clima do protesto, que marcou o desfile.
É quando a narrativa do enredo chega à reforma trabalhista do governo Temer.
A comparação da perda dos direitos trabalhistas trazida por essa medida com a escravidão repercutiu na plateia, que sentiu a força da mensagem.
Num carro alegórico, havia o "presidente-vampiro" interpretado por um rapaz que caprichava na cara de "peixe morto" do sinistro governante.
A crítica feita pela escola de samba também repercutiu nas mídias sociais, e na mídia esquerdista o enredo da Tuiuti foi o principal tema de suas principais páginas.
Não somente a crítica política, mas a forma como foi feito o desfile da Tuiuti, muito bem feita e bastante "didática", empolgou o público na Marquês do Sapucaí.
A crítica ao governo Michel Temer repercutiu no mundo inteiro, mas a mídia hegemônica, embora tenha noticiado a empolgante performance, subestimou o episódio.
A repercussão foi tanta que há uma foto com foliões parodiando os "coxinhas" que participaram das manifestações do "Fora Dilma" em 2016.
Aliás, havia também uma ala de coxinhas no desfile, chamada de "manifestoches", mistura de manifestantes com fantoches. Foi uma gozação imensa contra aqueles que gritaram "Fora, Dilma".
"Primeiro a gente tira a Dilma... Depois, viramos piada no Carnaval", gozava um folião, fantasiado com a camiseta da CBF, usada pelos reacionários manifestantes de dois anos atrás.
Foi uma grande alegria, consagrando a decadência do governo temeroso, que não consegue empossar uma ministra do Trabalho com "nome sujo na praça" nem aprovar a reforma da Previdência.
Mas é claro que isso é Carnaval. Podem ter sido uns grandes momentos de alegria e livre manifestação.
Só que, depois da quarta-feira de Cinzas, a realidade volta a ser sombria, com a Operação Lava Jato agora insistindo na falsidade atribuída aos recibos de Lula no caso do prédio do Instituto Lula em São Bernardo do Campo.
Ainda existe pressão para banir Lula da corrida presidencial deste ano.
E não vai dar para reagir a isso apenas com folia.
A Rocinha até deu seu recado, numa faixa colocada em uma das ruas deste bairro carioca: "STF: Se prender Lula, o morro desce".
Mas será preciso muita e muita manifestação, maior do que a dos "coxinhas" de 2016.
A folia foi ótima, mas fora dela a coisa é muito mais sombria e preocupante.
Depois do réquiem do governo Temer, a ideia agora é lutar contra o país plutocrático que ora se redesenha.
Segue, abaixo, a letra do samba-enredo da Tuiuti:
MEU DEUS, MEU DEUS, ESTÁ EXTINTA A ESCRAVIDÃO?
Irmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o valor? Pobre artigo de mercado
Senhor eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar escravidão e um prato de feijão com arroz
Eu fui mandinga, cambinda, haussá
Fui um rei egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se planta gente
Ê calunga! Ê ê calunga!
Preto Velho me contou, Preto Velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro, nem feitor
Amparo do rosário ao negro Benedito
Um grito feito pele de tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor
E assim, quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel
Meu Deus! Meu Deus!
Se eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação
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