Pular para o conteúdo principal

ATÉ QUE PONTO OS CARIOCAS DEIXARAM A INTERVENÇÃO CHEGAR AO RJ?


A intervenção militar ainda não foi oficialmente implantada no Rio de Janeiro porque a medida depende de aprovação do Legislativo.

Mas tudo indica que a medida será para valer, até o fim deste ano.

Polêmicas à parte, pergunta-se até que ponto o Rio de Janeiro deixou que isso acontecesse.

Violência sem limites? Falta de verbas públicas para o Estado e sua capital? Descaso das autoridades? Corrupção?

Seria lugar comum considerar esses motivos, porque a coisa é ainda mais complexa.

O Rio de Janeiro paga por excesso de pragmatismo, em vários aspectos acomodado na satisfação com o básico ou mesmo com o precário.

Ao mesmo tempo narcisista, conservador, conformista, consumista e submisso às autoridades.

É um coquetel social que envolve funqueiros, bolsomitos, cyberbullies, fanáticos por futebol e pessoas que, para ouvir música, recorrem à zona de conforto do hit-parade.

Desde os anos 90, o Rio de Janeiro jogou no lixo a sua antiga imponência, a sua vocação de resistência, de modernidade, de querer o melhor.

Até para a vida amorosa a situação decaiu. Ninguém mais se paquera por gosto, por amor, e as mulheres não são amorosas, reclamam do assédio masculino mas também não decidem paquerar quem elas realmente gostam.

O amor virou um subproduto movido por cervejas e noitadas. Virou mercadoria para enriquecer os empresários de boates.

No que se diz à sociedade em geral, os valentões de Internet são os maiores culpados da intervenção militar que ocorrerá no Rio de Janeiro.

Golpistas mirins de mídias sociais, valentões de blogues ofensivos, animadores de campanhas de humilhação digital contra quem pensa diferente.

Esses valentões da Internet, exemplos de intolerância social no Rio de Janeiro, impuseram o pensamento único sob diversos aspectos: cultura, comunicação, comportamento e até mobilidade urbana.

Ficavam com raivinha só porque defendiam uma causa retrógrada que outro internauta discordava abertamente. E, tomados de intolerância cega, usavam a Internet para humilhar o discordante da pior forma possível.

E aí reagiam criando blogues de difamação, campanhas de ofensas em série, piadinhas grosseiras etc, porque não suportam que os outros pensem diferente dos valentões digitais.

Resultado. Esses valentões que achavam que podem tudo agora têm que esconder seus celulares toda vez que um soldado do Exército estiver na rua, porque a pinta de valentão traz alta chance do gozador impulsivo perder seu "instrumento de trabalho".

Mas, independente de haver ou não esses tipos, os cariocas acabaram pedindo para isso ocorrer.

Primeiro. Votaram mal nos políticos, por causa de causas imediatistas diversas.

Votaram com gosto num inexpressivo Eduardo Cunha que, presidindo a Câmara dos Deputados, expulsou Dilma e trouxe esse cenário político assustador que hoje temos.

Votaram no espetáculo, nas causas imediatistas, nas necessidades pragmáticas e até naquele refrão enjoado que o carioca passou a dizer repetidamente: "Não é aquela maravilha, mas até que é bom demais".

Isso era a senha para o carioca aceitar a queda de qualidade em tudo: cultura, sociedade, mídia, imprensa, educação, mercadorias, tudo.

Os cariocas perderam até o olfato, tamanha a indiferença dada a caminhões de lixo fedorentos. Em Salvador há técnicas para evitar que caminhões de lixo circulem pelas ruas sem soltar fedor.

As cidades do Grande Rio estão sujas, os mercados sem variedade de produtos, a mesmice parece que se tornou uma moradora ilustre dessa região.

Até os pães perderam a variedade de antes. Fora os pães franceses, há a onda de pães fatiados demais.

Em Salvador, pão de milho é brioche com sabor de milho, macio, custa mais barato e sem se preocupar em botar erva doce por cima.

Aqui pão de milho é quase sempre um pão fatiado, o que não deveria haver. Deixem os fregueses cortar, em casa, as fatias da forma que quiserem.

Até nos esportes, os cariocas passaram a gostar só de futebol. A ponto de, no alto da noite, bares e boates explodirem em gritarias de torcedores a cada gol de um dos quatro maiores times.

Não há outra opção esportiva, e o futebol ainda é moeda de convivência social, quem não curte futebol acaba sendo discriminado e abandonado.

O Rio de Janeiro tem outras manias: lojas e estabelecimentos com lâmpadas amarelas e iluminação fraca, lembrando boates. Causa desconforto e insegurança.

Os gerentes só repõem os estoques de duas em duas semanas, deixando que produtos faltem nas prateleiras por até dez dias, no mínimo.

A poluição é tanta que o Grande Rio é cenário constante de tempestades assustadoras e constantes trovoadas durante o Verão.

Há não só muitos fumantes, como eles são arrogantes e exibicionistas, e, por sinal, bitolados.

São bitolados, porque nos últimos anos vários atores, músicos e jornalistas, entre outros famosos, estão morrendo na casa dos 50, 60 anos nos últimos tempos e nem isso faz os fumantes largarem o cigarro.

Os cariocas acabam perdendo os amigos na flor da idade e não sabem por quê. Se seus amigos largassem o cigarro, tantas lágrimas teriam sido poupadas.

Os cariocas ainda ouvem músicas velhas, os mesmos sucessos cansativos de 35 anos atrás, os mesmos ídolos mofados e decadentes que são vistos como "coisa de outro mundo".

Deixaram de olhar para a frente com a Bossa Nova e sonham com o Rio de Janeiro pré-1905 e pré-1888 do "funk", a sub-Senzala estereotipada e caricata a serviço da Casa Grande do entretenimento midiático.

É muita acomodação, muito desleixo, muita teimosia, muita irritação.

E isso cria uma série de desvios de atitudes, posturas, procedimentos.

Resultado. Votando em pessoas erradas, os cariocas abriram caminho para o golpismo político, para a ascensão de Michel Temer e para a insólita medida de transformar o Exército em "porteiro de favela" ou "guarda municipal".

A crise do Rio de Janeiro é generalizada e está somente começando, porque isso é o preço para o excesso de pragmatismo.

Seria preciso mudar o Rio de Janeiro como um todo, abrir mão das zonas de conforto criadas desde 1990.

E vamos ver como se comportarão os valentões digitais, com o nome sujo na praça e, quando estão nas ruas, reduzidos a alvos potenciais de balas perdidas, como todo carioca.

Será que terão coragem de dizer, diante do caos dos tiroteios, que isso "não é uma maravilha, mas até que é bom demais"?

Mudar será necessário. A intervenção que deveria haver no Rio de Janeiro é no modo de pensar, viver e sentir dos cariocas, recuperando as virtudes há muito tempo desaparecidas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

DENÚNCIA GRAVE: "MÉDIUM" TIDO COMO "SÍMBOLO DE AMOR E FRATERNIDADE" COLABOROU COM A DITADURA

O famoso "médium" que é conhecido como "símbolo maior de amor e fraternidade", que "viveu apenas pela dedicação ao próximo" e era tido como "lápis de Deus" foi um colaborador perigoso da ditadura militar. Não vou dizer o nome desse sujeito, para não trazer más energias. Mas ele era de Minas Gerais e foi conhecido por usar perucas e ternos cafonas, óculos escuros e por defender ideias ultraconservadoras calcadas no princípio de que "devemos aceitar os infortúnios e agradecer a Deus pela desgraça obtida". O pretexto era que, aceitando o sofrimento "sem queixumes", se obterá as prometidas "bênçãos divinas". Sádico, o "bondoso homem" - que muitos chegaram a enfiar a palavra "Amor" como um suposto sobrenome - dizia que as "bênçãos futuras" eram mais dificuldades, principalmente servidão, disciplina e adversidades cruéis. Fui espírita - isto é, nos padrões em que essa opção religi...

CRISE DA MPB ATINGE NÍVEIS CATASTRÓFICOS

INFELIZMENTE, O MESTRE MILTON NASCIMENTO, ALÉM DE SOFRER DE MAL DE PARKINSON, FOI DIAGNOSTICADO COM DEMÊNCIA. A MPB ainda respira, mas ela já carece de uma renovação real e com visibilidade. Novos artistas continuam surgindo, mas poucos conseguem ser artisticamente relevantes e a grande maioria ainda traduz clichês pós-tropicalistas para o contexto brega-identitário dos últimos tempos. Recentemente, o cantor Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores da música brasileira e respeitadíssimo no exterior por conta de sua carreira íntegra, com influências que vão da Bossa Nova ao rock progressivo, foi diagnosticado com um tipo de demência, a demência de corpos de Lewy. Eu uma entrevista, o filho Augusto lamentou a rotina que passou a viver nos últimos anos , quando também foi diagnosticado o Mal de Parkinson, outra doença que atinge o cantor. Numa triste e lamentável curiosidade, Milton sofre tanto a doença do ator canadense Michael J. Fox, da franquia De Volta para o Futuro ...

NITERÓI: CONDOMÍNIO SEM COMÉRCIO DIGNO NO ANTIGO RIO DECOR É UMA RAJADA DE METRALHADORA NO PÉ

TERRENO VAZIO APÓS DEMOLIÇÃO DO PRÉDIO DO ANTIGO RIO DECOR, NA AVENIDA FELICIANO SODRÉ, EM NITERÓI. Um dos antigos prédios de Niterói não existe mais. Por um gigantesco erro estratégico, o Rio Decor, durante a pandemia, abandonou o grande prédio da Av. Feliciano Sodré, que no passado foi das Lojas Maveroy e que era um grande espaço para um shopping center . O Rio Decor se mudou para a Av. Jansen de Mello e perdeu boa parte da demanda, sobretudo São Gonçalo, ficando "escondido" na esquina da Rua São Lourenço. Com isso, o prédio, antes imponente, virou uma espécie de Cracolândia niteroiense. Nos últimos tempos houve incêndio e homicídio, além do grande perigo que representava principalmente para quem ficava num ponto de ônibus em frente ao local. Depois de tais incidentes, a estrutura do prédio foi danificada e a Prefeitura de Niterói preferiu demolir. Hoje é um terreno vazio, do qual há intenções de construção de um condomínio, o que não é má ideia, porque dará movimento ao lo...

A MIRAGEM DO PROTAGONISMO MUNDIAL BRASILEIRO

A BURGUESIA ILUSTRADA BRASILEIRA ACHA QUE JÁ CONQUISTOU O MUNDO. Podem anotar. Isso parece bastante impossível de ocorrer, mas toda a chance do Brasil virar protagonista mundial, e hoje o país tenta essa façanha testando a coadjuvância no antagonismo político a Donald Trump, será uma grande miragem. Sei que muita gente achará este aviso um “terrível absurdo”, me acusando de fazer fake news ou “ter falta de amor a Deus”, mas eu penso nos fatos. Não faço jornalismo Cinderela, não estou aqui para escrever coisas agradáveis. Jornalismo não é a arte de noticiar o desejado, mas o que está acontecendo. O Brasil não tem condições de virar um país desenvolvido. Conforme foi lembrado aqui, o nosso país passou por retrocessos socioculturais extremos durante seis décadas. Não serão os milagres dos investimentos, a prosperidade e a sustentabilidade na Economia que irão trazer uma cultura melhor e, num estalo, fazer nosso país ter padrões mais elevados do que os países escandinavos, por exemplo....

NEGACIONISTA FACTUAL E SUAS RAÍZES SOCIAIS

O NEGACIONISTA FACTUAL REPRESENTA O FILHO DA SOCIALITE DESCOLADA COM O CENSOR AUSTERO, NOS ANOS DE CHUMBO. O negacionista factual é o filho do casamento do desbunde com a censura e o protótipo ilustrativo desse “isentão” dos tempos atuais pode explicar as posturas desse cidadão ao mesmo tempo amante do hedonismo desenfreado e hostil ao pensamento crítico. O sujeito que simboliza o negacionista factual é um homem de cerca de 50 anos, nascido de uma mãe que havia sido, na época, uma ex-modelo e socialite que eventualmente se divertia, durante as viagens profissionais, nas festas descoladas do desbunde. Já o seu pai, uns dez anos mais velho que sua mãe, havia sido, na época da infância do garoto, um funcionário da Censura Federal, um homem sisudo com manias de ser cumpridor de deveres, com personalidade conservadora e moralista. O casal se divorciou com o menino tendo apenas oito anos de idade. Mas isso não impediu a coexistência da formação dúbia do negacionista factual, que assimilou as...

A IMPORTÂNCIA DE SABERMOS A LINHA DO TEMPO DO GOLPE DE 2016

Hoje o golpismo político que escandalizou o Brasil em 2016 anda muito subestimado. O legado do golpe está erroneamente atribuído exclusivamente a Jair Bolsonaro, quando sabemos que este, por mais nefasto e nocivo que seja, foi apenas um operador desse período, hoje ofuscado pelos episódios da reunião do plano de golpe em 2022 e a revolta de Oito de Janeiro em 2023. Mas há quem espalhe na Internet que Jair Bolsonaro, entre nove e trinta anos de idade no período ditatorial, criou o golpe de 1964 (!). De repente os lulistas trocaram a narrativa. Falam do golpe de 2016 como um fato nefasto, já que atingiu uma presidenta do PT. Mas falam de forma secundária e superficial. As negociações da direita moderada com Lula são a senha dessa postura bastante estranha que as esquerdas médias passaram a ter nos últimos quatro anos. A memória curta é um fenômeno muito comum no Brasil, pois ela corresponde ao esquecimento tendencioso dos erros passados, quando parte dos algozes ou pilantras do passado r...