O chamado "pragmatismo carioca" chega mesmo a irritar de tão restritivo.
Aquela coisa de achar que "como está, está bom", "não é 100%, mas é melhor que nada" ou "não é aquela maravilha, mas está bom demais" está arruinando o Grande Rio de Janeiro.
São essas manias de se contentar com pouco, de aceitar o que é decidido "lá de cima" (leia-se mídia, políticos, tecnocratas, empresários etc) que estão fazendo a má fama do carioca.
Lá fora, o carioca passou a ser visto como "aquele que se contenta com pouco".
O carioca passou a desprezar a antiga diversidade do Grande Rio, e o niteroiense passou a gostar da situação subordinada de cidade que perdeu a posição de capital de Estado para ser capacho da cidade vizinha mais famosa.
Mas o Rio de Janeiro, depois que tentou se paulistanizar nos anos 1990, passou a ser a região metropolitana do "pragmatismo".
É aquela desculpa: se contentar com o que atende às "necessidades básicas e imediatas".
Virou até anedota: o carioca quer tanto o básico que, de básico em básico, acaba querendo menos que o básico até chegar a coisa nenhuma.
Na vida amorosa, a coisa segue este sentido.
No caso dos homens, o "pragmatismo" combina um prazer sexual simplório, voltado à hipersexualização, e o valor moralista da reprodutividade biológica dos casais.
O loser não pode dizer sequer que tem dificuldade para arrumar alguém, que precisa de mulher de caráter, que se afine com ele etc.
Os demais homens ridicularizam. Para estes, vale apenas o combo libertino-moralista da curtição sexual e, depois, da formação de família.
Dane-se a afinidade, num meio social sem caráter o que é afinidade de interesses, gostos etc?
Nos tempos do Orkut, eu já percebia esse "equilíbrio" do sexo selvagem e da família tradicional defendidos pelos jovens reaças que, em maioria, viviam no Rio de Janeiro, mas não só neste Estado.
Aí não há uma visão humana do que é paquera, mas um processo "animal" de "liberdade sexual" e, depois, "tradição familiar".
Acham que casais podem "se afinar" forçadamente como numa espécie de programa trainée de adaptação social.
Pensam a realidade como um reality show e isso faz do Grande Rio um local insensível à vida amorosa.
As mulheres não são amorosas, e para paquerar elas parece que dão um limite de cinco segundos para um rapaz responder a uma paquera.
Passados os cinco segundos, ela se torna indiferente ao pretendente, mesmo quando ele começa a entender que foi paquerado.
As mulheres também não se chegam aos homens, o machismo as impede de puxar conversa, não há um prazer humano das pessoas quererem se conhecer de forma espontânea e afetiva.
No Rio de Janeiro onde o consumismo prevalece sobre as relações humanas, ou seja, os seres humanos se tornam coisas e as coisas se "humanizam", isso é típico.
Para piorar, não há locais de paquera senão os feudos capitalistas das boates e casas noturnas.
O monopólio da vida noturna para a formação da vida amorosa simplesmente privatizou as paqueras e as subordinaram aos interesses de mercado dos donos de casas noturnas.
Pouco importa se esse método de paquera, movido a álcool e drogas, pode gerar, no futuro, casais que se rompem tragicamente pelo feminicídio.
A ideia é sempre transformar a paquera num consumismo de emoções baratas, num processo que só serve mais para alimentar os lucros dos donos desses estabelecimentos noturnos.
Para ir para esses lugares de ônibus, é um drama relativo. Mas, para voltar para casa, o perigo é praticamente certo.
Não há interesse em outros ambientes, no período diurno, em situações sóbrias etc.
Aliás, como falar em sensibilidade e afeição para um Rio de Janeiro brutalizado e coisificado, Estado que se torna o paraíso astral do cyberbullying e dos "bolsomitos" e "midiotas"?
Salvador tem melhor situação para a vida amorosa, podendo haver opções de paquera em lugares públicos e com uma preocupação maior com a afeição.
Explicar isso para niteroienses, gonçalenses, cariocas etc é fácil, mas se os cariocas agem é com uma formalidade quase autômata, como se fizessem algo forçado.
É uma pena. O Rio de Janeiro não era assim, talvez não fosse o primor de capital humanista, mas, ao menos, antes de 1990 parecia um pouco mais humano, diversificado e menos conformista.
Hoje o Rio de Janeiro tornou-se uma grande província com aparência de metrópole.
Creio que esse Rio de Janeiro decadente e com mania de pragmatismo seria ótimo para Mário Kertèsz e seus consortes viverem, pois a Salvador de hoje não cabe para ele e sua patota.
O astro-rei da Rádio Metrópole e seu "radiojornalismo de botequim" poderiam entreter os radiófilos cariocas que, para "variar", estão cada vez mais pragmáticos.
O Rio de Janeiro já teve no dial FM a brilhante Fluminense FM e até seus órfãos cometeram a gafe de se contentar com a canastrice da Rádio Cidade, com seu repertório hit-parade.
Em Salvador, que nunca teve uma rádio autenticamente de rock - só existiu a vergonhosa 96 FM - , o pessoal roqueiro tem mais fôlego de garimpar coisas, não é público para ser fã de banda ouvindo apenas uma música.
Esses apenas são alguns aspectos que fazem de Salvador hoje uma cidade que começa a superar o antigo provincianismo que antes dominou na capital baiana e que, atualmente, está arruinando com o Rio de Janeiro.
Perdido no seu pragmatismo, o carioca passou a perder a noção de si mesmo, achando que vive a melhor fase enquanto o Grande Rio naufraga na violência, no descaso político, no consumismo cego e na degradação cultural.
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