Na semana passada, o bolsonarismo produziu alguns escândalos. A queda do presidente da Caixa, Pedro Guimarães, acusado de violentos assédios sexuais contra suas funcionárias, a ponto de várias delas evitarem se aproximar dele foi um dos que marcaram a semana. Mas tivemos também o ex-corredor de Fórmula 1, Nelson Piquet, hoje um bolsonarista decadente, chamando o corredor britânico Lewis Hamilton de "neguinho" em clara ofensa racista.
Sim, o bolsonarismo faz parte do viralatismo cultural brasileiro. E com toda a certeza estes e centenas de outros episódios, nesses quatro anos de desgoverno, comprovam que Jair Bolsonaro é uma figura deplorável, abominável e que não deveria ter sido presidente do Brasil. Mas vamos combinar que o bolsonarismo é um "filho indesejado" do pragmatismo carioca, fruto de uma tendência infeliz do Rio de Janeiro viver na ilusão de "piorar hoje para melhorar amanhã", que fez o Estado fluminense sucumbir a uma degradação cultural sem precedentes.
No entanto, isso é apenas o "lado A" do viralatismo cultural, pois tivemos, entre outras coisas, a infeliz celebração dos vinte anos de falecimento de um deplorável farsante, charlatão religioso, um "médium de peruca" que foi pioneiro da literatura fake (as tais "psicografias"), era um reacionário colaborador (sim, isso mesmo!) da ditadura militar, e sua tão glorificada "caridade", que ninguém viu mas acredita piamente, nunca foi além de níveis medíocres do padrão de um Luciano Huck.
Apesar disso, a passagem de pano sobre a peruca ou o boné do "médium" (que, em seu tempo, foi uma espécie de "Jair Bolsonaro" da Doutrina Espírita) foi tanta que haja tecido para tanta flanela. A indústria têxtil do planeta teria que intensificar a produção de flanelas porque, só para o "médium de peruca", a encomenda de tecidos para passar pano deve corresponder a, pelo menos, 100 mil flanelas por pessoa.
Ninguém investiga o lado sombrio desse cara, que contém coisas horripilantes, como a morte suspeita de um sobrinho, fraudes mediúnicas gravíssimas, apoio a fraudes de materialização, condecoração pela Escola Superior de Guerra e o fato de Uberaba nunca ter melhorado sua qualidade de vida, muito pelo contrário. A cidade mineira é até rota do fenômeno do "novo cangaço" e um dos redutos de feminicídio em Minas Gerais.
Apesar de tantas coisas arrepiantes - que, até 1971, davam coragem para jornalistas sérios investigarem sem a chapa-brancura da fascinação religiosa - , hoje a mídia venal e até mesmo o portal BBC Brasil foi passar pano no "médium", bem mais do que em móveis empoeirados. A filial brasileira do portal britânico veio com essa: "Filho de analfabetos, o médium vendeu 50 milhões de livros". Vergonha! Dizem que, com isso, a BBC botou a vogal "A" depois de cada consoante.
Isso é viralatismo, sim. Dessa elite do atraso, essa burguesia mal disfarçada de uma classe média com manias de isenção e triunfalismo, acreditando que sua visão de caverna platônica é verdadeira, universal e definitiva.
Deslumbramento por um farsante religioso, assim como o "bom" viralatismo para outras coisas, como o fanatismo pelo futebol sob a desculpa de ser "a única alegria dos brasileiros", a bregalização cultural, pobres induzidos a fazer dança ridícula, e o falso vintage musical que agora vende a falsa reputação de "gênios" para ídolos bregas de talento medíocre como Michael Sullivan e Benito di Paula, que nunca foram além de pastiches baratos de soul music com direito a pieguice em doses diabéticas e pretensões de coitadismo.
O viralatismo cultural não pode ser visto de maneira seletiva, apenas pelo que há de abertamente desagradável. Muita coisa "boa" e "legal" é de um viralatismo constrangedor, mas como a nossa classe média, salvo exceções aqui e ali, é vira-lata por excelência, recusa-se a incluir na galeria vira-lata tantas coisas medíocres porém "agradáveis", defendidas às custas de muito coitadismo, por sinal vira-lata.
Na volta do trabalho, num ônibus da SPTrans, o som estava tocando uma coletânea da dupla Chitãozinho & Xororó, um suplício que não encarava há 32 anos, quando um vizinho no bairro do Resgate, em Salvador, tocava discos da breguíssima dupla "sertaneja". Na boa, o repertório é tão pavoroso que não dá para entender por que os dois canastrões musicais são vistos como "sofisticados" pela crítica especializada (em passagens de pano, claro).
Hoje o Brasil está culturalmente tão degradado que o viralatismo cultural enrustido aposta na ilusão de que basta só investir muito dinheiro para transformar um cantor medíocre num gênio visionário. Só mesmo uma classe média vira-lata e obsessivamente religiosa para crer no "milagre" de que uma injeção de dinheiro transformará um cantor de talento medíocre num potente criador musical.
O Brasil precisa rever seus valores, deixar de lado esse provincianismo blazé e exercer o senso crítico, em vez de ficar aceitando a mediocridade musical, lúdica, comportamental, religiosa etc. A classe média vira-lata não pode se impor ao mundo, com sua ignorância e sua falta de modernidade e de senso crítico. Seria necessário um pouco de humildade, em vez de fazer a Terra girar em torno dos umbigos dessa elite do atraso, dessa classe média vira-lata e cheia de si.
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