Temos que ter muita calma nessa hora. Não é tempo para sonhar nem para voltar a sorrir. Nosso Brasil está distópico, frágil desde o fim de 2015, e, principalmente, depois do golpe político de 2016. Tivemos retrocessos, tragédias, desastres, incêndios que devastaram da Amazônia ao Museu Nacional no Rio de Janeiro e, recentemente, parte do comércio da região do Brás, em São Paulo.
Temos que ser objetivos e não emocionais. A polarização é emocional, subjetivista, um Fla-Flu político. Mas, em que pese os defeitos da campanha de Lula e a habilidade estratégica de Jair Bolsonaro obter visibilidade e manipular até mesmo incidentes negativos a seu favor, temos que esclarecer algumas coisas.
Primeiro, o assassinato do dirigente petista por um bolsonarista, em Foz do Iguaçu, foi crime político, sim. Os bolsonaristas tentam dizer que não foi, que apenas foi uma discussão banal. Mas foi crime político e isso tudo está escancarado quando o criminoso gritava a favor de Bolsonaro e ficou furioso quando, em uma associação da qual dirigia, a vítima fez aniversário usando a campanha de Lula como tema da festa. Chega até a chover no molhado afirmar que foi crime político, de tão óbvio este motivo.
Em contrapartida, Lula, embora seja uma pessoa conciliadora até demais e defender a paz e o diálogo, não é uma figura pacificadora. É claro que ele não foi culpado pelo atentado que matou o dirigente petista, como ventilou um jornalista "espírita" que quase iludiu as esquerdas nas redes sociais. O culpado pelo crime é, evidentemente, Jair Bolsonaro, por causa da campanha de ódio que inspirou o seu seguidor a fazer o que fez na noite de 09 de julho.
Mas se Lula não é nem tem a mínima hipótese em ser "culpado" por crimes bolsonaristas, o petista também não é um pacificador. A vitória eleitoral de Lula não trará paz. Ela deixará os bolsonaristas furiosos, e a fúria bolsonarista é apenas uma fúria bolsonarista, cujo único inspirador é Jair Bolsonaro e seu discurso rancoroso.
Lula é até conciliador demais, o que prejudica seu projeto político, a ser seriamente sacrificado pelas forças divergentes com que se aliou nos últimos meses. E o pior é que Lula é capaz de ceder e aí veremos que seu projeto político se limitará apenas a projetos sociais de grife, como Bolsa Família, Fome Zero e Minha Casa, Minha Vida, enquanto a parte técnica será de Geraldo Alckmin e do lado conservador entre aqueles que apoiam o petista.
Mesmo assim, além de Lula despertar a fúria bolsonarista, que não aceitará derrota, pode também causar divergências internas sérias. Lula mostrou hesitação entre revogar ou rever a reforma trabalhista, revogar ou flexibilizar o teto de gastos públicos. Ele não tem a fibra de Leonel Brizola para reverter a privatização da Eletrobras e se contentará apenas com as ex-subsidiárias da antiga estatal que não foram vendidas.
Haverá desentendimentos dos quais a História do Brasil já demonstrou no caso de João Goulart, por sinal cunhado e colega partidário de Brizola. A atuação de Lula é quase um crossover entre o Jango parlamentarista e o Jango discursando na Central do Brasil, no primeiro caso castrado politicamente por um governante "moderado", no segundo caso prometendo ousadias políticas de esquerda.
Lula mostrou, no caso da reforma trabalhista e do teto de gastos, seu grande conflito em manter a essência do seu projeto político. E é isso que anda manchando sua campanha, que só não fracassou porque seu maior triunfo é a exploração emotiva do mito de Lula entre seus seguidores e parceiros. O petista não têm fôlego, temperamento nem idade e nem contexto favorável para fazer um governo "mais à esquerda" e ele acaba se rendendo ao neoliberalismo, quase como um tucano assistencialista.
E é isso que trará conflitos e divergências graves. Lula não poderá fazer muito, porque Geraldo Alckmin não irá deixar. Tudo indica que o Brasil continuará em situação subalterna, apenas com relativos progressos econômicos, impulsionados mais por medidas de saneamento fiscal, controle de preços e retomada da indústria do que de algum projeto ousado para as classes populares. Estas ficarão com projetos paliativos, que darão alguma coisa aos pobres sem tirar muito dos ricos.
Por isso Lula não pode ser considerado um pacificador. O ódio bolsonarista e as divergências entre esquerdistas e neoliberais serão o tom dos conflitos que haverá em seu governo. Lula pode defender a paz, pessoalmente, mas não trará efeitos pacificadores, diante de um contexto de muita tensão que vive nosso país nos últimos sete anos. Seria mais fácil dizer que a Terceira Via pudesse ser pacificadora, pelo seu caráter "insosso" incomodar pouco esquerda e direita.
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