Infelizmente, poucas pessoas percebem que o cenário cultural brasileiro vai mal. Apesar da visão oficial de que "existem muitas vozes e muitas narrativas", sabemos que o circo da visibilidade dá mais voz e vez para quem é medíocre e gera muito dinheiro.
A derrubada, pelo Congresso Nacional, dos vetos do presidente Jair Bolsonaro às propostas conhecidas como Lei Aldir Blanc e Lei Paulo Gustavo, por 414 votos contra 39 na Câmara dos Deputados e 69 votos contra zero no Senado Federal, é até uma boa notícia para os setores que precisam de investimentos para suas atividades, como teatro, cinema e manifestações folclóricas.
Estes investimentos podem tanto ser públicos como resultantes de benefícios fiscais para a iniciativa privada que patrocinassem atividades culturais. As referidas leis são derivadas da antiga Lei Rouanet, de 1991, cujo homenageado, o ex-ministro Sérgio Paulo Rouanet, faleceu há alguns dias.
Só que isso é insuficiente para melhorarmos o cenário cultural, pois a questão não pode ser apenas a de uma mera enxurrada de dinheiro. Vivemos o império da mediocrização cultural, que não é só a de um "culturalismo" visto pelo senso comum e que se restringe ao noticiário político e a um humorismo hidrófobo.
Viralatismo cultural não é só Sérgio Moro, Jair Bolsonaro e Jornal Nacional. É "funk", é o ídolo brega do passado, é o fanatismo pseudo-patriótico do futebol brasileiro, é idolatria a "médium espírita" que usava peruca, é achar que o humorístico Chaves é "humor de vanguarda" e mulher-objeto poder ser considerada "feminista" mesmo com a sexualização obsessiva do seu corpo.
Criar rios de dinheiro não vai resolver a mediocridade nem vai transformar esse culturalismo vira-lata enrustido - aquele que o chamado senso comum não considera sob esta condição - em ouro. Temos um sistema estrutural de valores que prevalece desde 1974 e que chega a contaminar setores expressivos das esquerdas e da sociedade "imparcial" brasileira.
Lamentavelmente, a cultura é medida apenas pela aparente popularização. Se alguém lota plateia ou atrai audiência, não significa que tenha realmente algum valor. Quanta persuasão midiática é feita para que os fenômenos popularescos sejam popularizados e virem até falsa vanguarda ou falso vintage, dentro de uma narrativa midiática, acadêmica e intelectual que, infelizmente, predomina no nosso país, mesmo sem muito compromisso com a coerência.
A nossa classe média festiva, espécie de "parte boa" da elite do atraso, impõe uma visão cultural complacente com a mediocridade, e sua narrativa, combinando autoritarismo com vitimismo, prevalece sem que tenha um compromisso sequer com relativas verdades. A imagem domesticada do povo pobre, nitidamente observada no "funk", por exemplo, é uma amostra de como o etnocentrismo de uma classe pretensamente esclarecida tenta se impor à realidade.
Temos um gigantesco lobby, envolvendo jornalistas, sociólogos, antropólogos, celebridades, cineastas documentaristas, entre outros, que voltaram a apostar na gourmetização da bregalização, agora num contexto bem menos "esquerdista", pelo menos no que se diz à forma declarada.
É esse lobby, por exemplo, que faz com que certos canais nas redes sociais, brincando de criar um clima como o do filme Alta Fidelidade (High Fidelity), de 2000, tentem recuperar o sucesso de nomes medíocres da música brega do passado, agora vendidos como se fossem "geniais", mas sem deixar de passar pelo discurso do coitadismo, bem ao gosto dos "viralatistas do bem", comprometidos com o "combate ao preconceito" (sobre isso, ver Esses Intelectuais Pertinentes...).
Vivemos um culturalismo viciado, uma espécie de clientelismo intelectual que passa pano na bregalização, no obscurantismo religioso metido a assistencialista - como o Espiritismo brasileiro e setores conservadores do Catolicismo - , no "pobrismo" que exalta o povo pobre, desde que este aceite sua condição social inferiorizada, e por aí vai.
O problema é que seus defensores são uma elite que se acha "dona da verdade", querendo dominar o Brasil, o povo pobre, o mundo inteiro, por se tratar de uma classe média "bem de vida" e burguesa, mas dotada de pretensões de esclarecimento, quando seu nível intelectual é, quando muito, sofrível.
Essa elite "esclarecida" e tão "imparcial" quanto Sérgio Moro é que é o problema cultural de nosso país, pois é uma elite que defende a degradação cultural do Brasil, sempre reduzindo o nosso país, de rico histórico cultural, a um viralatismo provinciano e vitimista, que julga que basta jogar um monte de dinheiro na mediocridade cultural para que, como na varinha da fada-madrinha do conto da Cinderela, se transformar, em um passe de mágica, em algo genial e admirável.
Impossível, porque mediocridade é mediocridade, e o que vemos é a prevalência de uma visão etnocêntrica das elites do atraso, agora em sua "parte boa", no seu "viralatismo do bem" querendo julgar as coisas conforme seu "bom elitismo", o qual acreditam ser a "visão mais objetiva" da realidade brasileira. Os umbigos dessas elites se acham mais cérebros do que seus cérebros que, por sinal, deixaram de funcionar.
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