O atual momento do Brasil é mais frágil e perigoso do que se imagina. Apesar dessa constatação ser facilmente contestada pelos "isentões do bem", que, negociando a realidade com as convicções do pensamento desejoso, acham que o nosso país entrará no Primeiro Mundo sem esforço, com Lula decidindo e o povo brasileiro festejando.
Vivemos um caminho arriscado de pessoas que hoje vivem o momento hedonista-identitário do lulismo em versão 3.0 encararem a situação atual com arrogância e excessiva autoconfiança. Achar que uma democracia, entregue a um único homem que se acha dono dessa forma de governo, que decide unicamente pelo país e, por isso, tudo está seguro e garantido, é, no mínimo, uma grande ingenuidade.
A História mundial já mostrou inúmeros casos de momentos aparentemente seguros que se desfizeram como castelos de areia destruídos pelas ondas do mar. Momentos que pareciam de tranquilidade e prosperidade, mas que mostraram debilidades e conflitos que abriram caminho para golpes.
As pessoas estão loucas, coisificadas na sua obsessão por diversão e consumismo, sob a desculpa da suposta volta do humanismo e do amor. A "boa" sociedade do "amor", mas sem medo e sem amor, exaltando a liberdade do corpo e do consumo pleno, da curtição sem limites, dos gastos excessivos, do egoísmo sorridente que esnoba, cordialmente, o sofrimento alheio, recorrendo aos mais obscurantistas "médiuns" para convencer os aflitos de que viver desgraças sem fim é o máximo. Desde que não seja a própria elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu.
Essa burguesia é que agrava o culturalismo boçal da bregalização e do hedonismo cego que sabotaram o projeto progressista que Lula apresentou nos mandatos anteriores. Hoje Lula mordeu a isca, virou mascote da Faria Lima e o pouco de progressista que tinha hoje não passa de marketing, com Lula mais próximo de um showman do que de um governante sério.
A arrogância dos lulistas, marcada pela blindagem pretensamente racional dos "isentões" atuais, a dar invertidas nas Cassandras troianas que avisam que nossa "democracia" está frágil e em risco, é muito preocupante. O hedonismo desenfreado, os gracejos típicos de valentões de escola dos adeptos de Lula contra Bolsonaro e companhia e a ilusão de que nada irá frear esse momento que o país vive hoje é uma imprudência que pode custar muito caro.
Não se reconstrói o Brasil dessa maneira. Clima de festa obsessivo e compulsivo. Consumismo em excesso, com direito à ganância dos novos alpinistas sociais "fabricados" pela "sorte grande" injustamente direcionada a quem não precisa ter tanto dinheiro assim mas tem mais do que até mesmo desejaria ter. A escravidão da alma a serviço da "liberdade do corpo", coisificando, principalmente, as mulheres.
Há o entretenimento que faz de seus empresários diversos a nova geração de super-ricos, mais "colorida", "festiva" e "bronzeada", vestindo jeans rasgados, camisetas de algodão sob paletós velhos e tênis também velhos, às vezes substituídos por sapatênis. Através desses "financiadores" da diversão do grande público, o Brasil se transformou num grande parque de diversões.
Subcelebridades, ídolos musicais popularescos, as gerações recentes de influenciadores digitais cujo único esforço é tentar dar sentido ao vazio de suas ideias ocas, todos eles se multiplicam como câncer e povoam as páginas de famosos na Internet brasileira. Um horror. A impressão que se tem é que os empresários de entretenimento são uma elite pequena manipulando os gostos, desejos e diversões do público brasileiro médio.
Recentemente, investigações ocorrem revelando os planos de golpe de Jair Bolsonaro, com denúncias consistentes, sim, que aparentemente mostram que as instituições estão funcionando, mas que podem dar a impressão muito perigosa de que a "democracia lulista" - a "democracia do eu sozinho" do ex-sindicalista convertido em showman para animar a juventude identitária brasileira - é definitiva e está consolidada e protegida de qualquer risco.
É muito perigoso achar que não há risco quando se esnoba qualquer ameaça ou debilidade, com as pessoas levantando os queixos dizendo que "tudo está bem", que o Brasil virará país desenvolvido em 2026 mesmo com cultura precarizada e um quadro social bastante confuso e desigual.
Nada lembra o tempo verdadeiramente democrático de Juscelino Kubitschek, ele mesmo um político de direita moderada, mas que personificou muito bem um líder de natural vocação progressista, dialogando com o legado de Getúlio Vargas e permitindo, através de órgãos como o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), debater os rumos da sociedade brasileira.
Sob Lula, esse processo foi sabotado, pois a intelectualidade cultural - como os ideólogos da bregalização que eu citei no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes - , treinada pelo tucanato que, nos anos 1990, controlava a burocracia acadêmica das universidades públicas a partir da USP, foi logo desqualificar os debates culturais, passando pano no culturalismo prevalecente durante a ditadura militar, empurrado goela abaixo para as esquerdas como se fossem "expressões do povo brasileiro".
Daí os "médiuns" e ídolos bregas, antecipando os funqueiros, esses "Funkensteins" produzidos dos restos do culturalismo brega do passado recente. "Irmão" do bolsonarismo, o "funk" só posa de esquerdista para abocanhar verbas do Ministério da Cultura petista, que é mão aberta para estes casos, mas o ritmo do "pancadão" é herdeiro de valores culturais retrógrados transmitidos pela televisão brasileira durante o período do general Ernesto Geisel.
E é justamente essa avalanche de retrocessos culturais dos últimos cinquenta anos, preservados de forma insólita pelo lulismo, já geraram o risco das "jornadas" que abriram caminho para Sérgio Moro, Michel Temer, Jair Bolsonaro etc. Hoje tudo parece superado, mas a nova caixa de Pandora brasileira, depois das outras caixas pandorianas abertas em 2014, 2017 e 2020, será aberta e tende a ser bem pior do que as outras embalagens abertas.
O risco é ver o eterno verão lulista ser abruptamente extinto pelo longo inverno das elites reacionárias que irão aproveitar a festa hedonista e identitária do Brasil de hoje para cooptar aqueles que estão fora desses espetáculos de dinheiro em excesso, corpos em liberdade e mentes alienadas. O perigo é ver aqueles que estão fora dessa festa do "Brasil único" serem usados como trampolim para a volta da extrema-direita ao poder.
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