PRIMEIRO FURAR A FILA PARA CONQUISTAR ESPAÇO, DEPOIS SE PENSA EM SER O CERTINHO.
1932. Num país predominantemente agrário, ainda saído poucos anos antes da farra coronelista da República Velha, e com uma multidão desinformada de muitas coisas na vida, um embuste literário foi lançado, supostamente atribuído a diferentes poetas e escritores falecidos e que tinha "parnaso" no nome. Além da obra apresentar fortes indícios de literatura fake, igualzinha às obras que, na Internet, são falsamente atribuídas a autores famosos, o Parnasianismo era um movimento literário obsoleto, de tal forma que o neoparnasiano Humberto de Campos era, na prática, um modernista subestimando.
Aliás, o autor do livro farsante - que estranhamente foi alterado em cinco edições posteriores, mexendo no que diziam ser "a mensagem dos espíritos" - , mais tarde, usurpou criminosamente o legado de Humberto, depois que este faleceu, e saiu impune nessa infeliz aventura.
Mas o mais grave é que este vigarista, "médium" que depois usou peruca e boné e vestia ternos cafonas, virou depois pretenso símbolo de solidariedade, às custas de pobres miseráveis formando longas filas para receber precários mantimentos e de familiares de mortos recebendo falsas mensagens "espirituais" montadas nos bastidores.
Apesar de aliado dos latifundiários do Triângulo Mineiro, defensor radical da ditadura e tão reacionário que faz o Silas Malafaia parecer hippie guevarista, o conhecido "médium" (as iniciais são as consoantes da palavra "caixa") é adorado por gente que, movida pela Síndrome de Estocolmo, segue caisas reprovadas pelo religioso: comunidade LGBTQIA+, roqueiros, atrizes sensuais, esquerdistas. Todos na perigosa ingenuidade (o "médium" é um perigoso pé-frio) de publicar as horrendas frases dele nas redes sociais para "alegrar o dia", ainda que isso gere um grande azar nos momentos seguintes.
Nunca alguém foi tão longe no arrivismo do que esse farsante da fé obscurantista, cuja blindagem é de fazer inveja aos mais corruptos juízes e empresários, tamanha a impunidade do charlatão religioso que até hoje engana muita gente boa, com sua religião, o Espiritismo brasileiro, servir de lavagem de dinheiro de empresários e latifundiários, embora também de superfaturamento e enriquecimento ilícito para dirigentes e os próprios "médiuns" apesar de seu mentiroso voto de pobreza, tudo gerando um dinheiro exorbitante que compra o silêncio generalizando quanto aos abusos desse Catolicismo medieval de botox. Nunca um farsante religioso chegou tão longe, iludindo e ludibriando multidões. Nem seu quase xará Frank Abagnale, nos EUA, foi tão longe na sua malandragem.
Isso é um exemplo de como o Brasil premia gente que se ascende na vida de maneira desonesta e oportunista. Gente que começa de maneira inconveniente mas depois se "sossega" fingindo "sempre ter tido" uma trajetória limpa, honesta e humanista. Primeiro se comete qualquer barbaridade ou erro, depois se sossega forjando bom mocismo.
Me lembro de como fui honrado recusar dois conselhos para eu procurar emprego na Rádio Metrópole, em Salvador, abrindo mão de uma carreira de jornalista com muito dinheiro, prestígio e visibilidade. Ver o quanto não fui beneficiado por isso é compensado pelo fato de eu não abrir mão de minha dignidade. Teria sido um magnata, se tivesse aceitado, a serviço de um ex-prefeito de Salvador, Mário Kertész, que montou seu patrimônio midiático com um esquema de corrupção e, filhote da ditadura, o hoje astro-rei da Metrópole banca o "dono da esquerda baiana" e eventualmente obtém projeção nacional quando entrevista o Lula.
Não surfar no arrivismo alheio é um ato se coragem. Infelizmente, no Brasil, temos a cultura do arrivismo. Se dar bem na vida com atos desonestos e deploráveis e depois bancar o honestão, defender a dignidade da boca para fora, deixando de errar não porque se arrependeu disso, mas porque se "aposentou" dos erros iniciais.
Há muitos casos assim. Gente malandra que fura a fila e arromba a porta, que depois vira certinha e "tudo de bom". O É O Tchan com seu primeiro sucesso fazendo apologia ao estupro e promovendo erotização infantil, premiado por uma falsa cultura vintage como se o conjunto baiano fosse o símbolo máximo da felicidade humana, dando grande audiência quando apareceu, no começo da madrugada, no programa Altas Horas, dando o tom de quanta porcaria anda deslumbrando muitos incautos.
Temos também o caso de Alexandre Pires, que era um misto de Waldick Soriano com Amado Batista em versão pagode, mas depois foi se vender através da "MPB de mentirinha" sob generosas passagens de pano dos críticos musicais "insentões". Na imprensa, Pedro Alexandre Sanches foi cria do antiesquerda Projeto Folha, mas seu trabalho traiçoeiro de ser o agente dos Frias na mídia progressista foi levado a sério que o "filho da Folha" estava quase botando seus pés sujos da lama midiática nos degraus de acesso ao Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Mas mesmo quando o arrivismo não envolve atos desonestos, mas a adesão a uma causa que é depois renegada, temos exemplos. Como a Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, uma maravilhosa rádio pop, despretensiosa e descontraída, mas que vomitou no prato em que comeu e vestiu a camisa-de-força da jaqueta de couro, virando uma "rádio rock" incompetente e burra, mas blindada pelo reacionarismo irritadiço de ouvintes e produtores fanáticos e sob a passagem de pano da imprensa musical seria, de olho em algum espaço na programação da rádio às 22 horas, já que é geralmente no fim de noite que as ditas "rádios rock" funcionam, com programas específicos comandados por especialistas.
E aí vemos que até o Lula resolveu partir para o arrivismo, agindo como se fosse o Fernando Collor da campanha de 2022, já que o petista adotou procedimentos que não pensaria sequer em fazer em 1989. Sabotou a diversidade eleitoral, obrigação democrática que Lula renegou fazer, faltou a debates eleitorais importantes que iriam até favorecer a "virada de votos" e apostou ser o "candidato único da redemocratização", humilhando o concorrente Ciro Gomes, em vez de enfrentá-lo no combate saudável das ideias.
Lula trapaceou para ser eleito e isso me fez desistir do voto no petista, que cheguei a considerar como certo em 2020. É constrangedor ver Lula querendo ser o dono da democracia, como se fosse um Sistema Solar em que o petista é o centro. Um Sistema Lular, diga-se de passagem.
E aí vemos o quanto o Brasil tem uma ordem social viciada, velha, carcomida e podre, que tenta desesperadamente sobreviver após o naufrágio bolsonarista. É a velha Casa Grande de t-shirt, bermudas, sandálias e chapéu Panamá, que agora se acha predestinada ao protagonismo mundial e não está satisfeita em bancar a "dona do Brasil", querendo agora mandar no mundo, mesmo nascida num país mais jovem que as milenares nações europeias.
Daí a cultura do arrivismo, que faz agora com que os descendentes dos bandeirantes, senhores de engenhos, latifundiários coronelistas e outros oligarcas se repaginem como uma multidão de "moderninhos", limpinhos e perfumados para desfilar nas redes sociais como "lulistas democráticos", sem um pingo de arrependimento pelos pecados de sua classe. Qualquer coisa, é só botar tudo na conta de Bolsonaro.
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