O hit-parade dos EUA, mesmo quando inclui nomes de putros países, é alvo de profundo endeusamento do público médio que consome adoidado as redes sociais. A adoração aos Estados Unidos como a "meca" de um certo fundamentalismo cultural, onde uma meia-dúzia de executivos decidem o que deve ser ouvido pelo grande público, mostra como o nosso país está chafurdado no lodo do provincianismo vira-lata não-assumido.
A supervalorização de nomes medianos e de baixa representatividade lá fora, como Johnny Rivers e Outfield, não exclui essa hipótese, pois apesar da "originalidade" dos fãs brasileiros gostarem de nomes decadentes ou inexpressivos lá fora, eles fazem sucesso aqui porque seus representantes das editoras musicais, submissos ao esquema dos greatest hits, investem nesses nomes porque custa mais barato.
Um copraite para executar nas rádios e nas plataformas digitais um sucesso do Outfield custa mais barato do que investir em bandas seminais como XTC (apesar das canções assobiáveis como "Generals and Majors"). O som shoegazer fervia na Grã-Bretanha de 1990-1991 e o que as gravadoras daqui lançaram? Um indie dance comportado e fraquinho do Jesus Jones. Por sorte dos céus tivemos nas lojas brasileiras o primeiro disco do Real People, banda de Liverpool que descobrimos ser padrinha do Oasis.
Mas o Brasil que endeusa nomes medianos como Michael Jackson - que terminou a vida como uma subcelebridade tentando recuperar a carreira - e Guns N'Roses - banda de poser metal que posa de "rock clássico" - , o USA for Africa torna-se exemplo de como é a vassalagem cultural do nosso país, em que uma elite bem de vida metida a ser gente simples se acha "dona de tudo", mas se joga de joelhos para beijar os sapatos de Tio Sam.
Isso porque o projeto filantrópico é tema do documentário We Are the World - The Greatest Night in Pop, de Bob Nguyen, o que em si é uma ideia benvinda, embora no Brasil é como se fizesse um documentário sobre o Olimpo grego.
O documentário descreve desde a elaboração da ideia, feita pelo cantor e ativista Harry Belafonte, até a transmissão do lançamento da música, via satélite, pela TV estadunidense. A música é de 1985 e foi composta por Lionel Richie e Michael Jackson, e inclui um sem-número de cantores norte-americanos. Composta como um hino, a canção teve a produção de Quincy Jones.
O documentário foi batizado aqui como "A Noite que Mudou o Pop", e mostra o lado humanizado dos ídolos musicais envolvidos. Prato cheio para a burguesia vira-lata que se acha "gente como a gente".
A transmissão do documentário ficou por conta no canal Netflix, o único canal, além do HBO, que o internauta médio das redes sociais admite ter consumido em toda a vida, apesar de ter abertamente consumido Globo, Record, SBT, Rede TV!, Jovem Pan, Folha, Veja e Estadão.
E aí vemos que, no contexto brasileiro, o documentário do projeto USA for Africa se insere nessa vassalagem de um Brasil culturalmente devastado, mas que pensa viver o "melhor de todos os momentos". E mostra também a hipocrisia da elite do bom atraso, a elite invisível a olho nu, que se acha "dona" de todas as coisas - do povo pobre ao futuro da humanidade - , mas quando o assunto é EUA, a subserviência se torna evidente, mesmo entre os lulistas "defensores" da soberania nacional.
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