Pular para o conteúdo principal

O "CPC DO IPES": INTELECTUALIDADE PRÓ-BREGA NADA TEM DE PROGRESSISTA

PAULO CÉSAR ARAÚJO, HERMANO VIANNA E PEDRO ALEXANDRE SANCHES - A "santíssima trindade" da intelectualidade "bacaninha" que quer bregalizar o país.

A geração do IPES-IBAD encontrou, 40 anos após o Golpe de 1964, sua resposta tardia ao Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE) através de uma geração de intelectuais que, adotando um discurso falsamente progressista, queria o fim da MPB e a supremacia absoluta da música brega e do comercialismo popularesco na cultura brasileira.

São antropólogos, historiadores, sociólogos, jornalistas culturais e cineastas, além do apoio de artistas e celebridades - alguns relacionados à MPB autêntica (!) - que, se servindo de argumentações pós-tropicalistas (quando a retórica tropicalista eliminava a força transformadora de 1967-1968 e virava establishment) comprometidos em glamourizar a ignorância e a mediocridade culturais.

Os principais deles são o historiador Paulo César Araújo, o antropólogo Hermano Vianna e o jornalista cultural Pedro Alexandre Sanches. Todos eles haviam desenvolvido seus métodos de argumentação quando simbolizavam, nos bastidores, a intelectualidade orgânica dentro dos círculos político-acadêmicos influenciados pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso.

No entanto, o fato do seu discurso tornar-se mais evidente entre 2003 e 2005 fez com que essa intelectualidade fosse confundida com intelectualidade cultural de esquerda, o que não é verdade. Até porque eles nada têm de progressistas e o que pregam não é a instauração do socialismo na cultura brasileira, mas submeter a cultura popular às leis de "livre mercado".

Independente dos leitores aqui serem petistas ou anti-petistas, esquerdistas ou anti-esquerdistas, deve-se reconhecer que esses intelectuais não simbolizam exatamente a esquerda brasileira. Se a esquerda está problemática, isso não quer dizer que qualquer um possa dar julgamento de valor e atribuir ao esquerdismo todo lixo produzido pela sociedade. Seria apelação e raiva demais.

Esses intelectuais, embora eles mesmos não admitam - e até reclamam quando são assim reconhecidos - , surgiram mesmo dos meios neoliberais e tucanos. Pedro Sanches, por exemplo, é cria do mesmo Projeto Folha que o jornalista de Caros Amigos, José Arbex Jr., havia acusado de ser um projeto "higiênico" para eliminar o pensamento de esquerda na Folha de São Paulo.

Como é que se vai reconhecer em Pedro Alexandre Sanches um intelectual de esquerda se ele surgiu como principal representante de um projeto que buscava justamente eliminar o pensamento de esquerda nas redações da Folha de São Paulo?

Há outros a reboque desses intelectuais: Denise Garcia, Mônica Neves Leme, Milton Moura, Roberto Albergaria, Ronaldo Lemos etc. Albergaria, por exemplo, queria substituir a cultura baiana pelo colonialismo cultural ianque em Salvador. E seu discurso nem sempre tinha a objetividade dignamente intelectual: seus textos têm mais marketing do que etnografia, embora se digam "etnográficos".

Juntando textos e produções de imagens, esses intelectuais queriam glamourizar a pobreza e a ignorância populares, ou mesmo a imoralidade que surge por efeito desses problemas. Viam nas favelas não uma consequência da exclusão social da especulação imobiliária, mas uma "arquitetura pós-moderna" das periferias, pouco importando incêndios e deslizamentos de barracos.

Eles acusavam de "preconceituosos" aqueles que reprovavam os chamados "sucessos do povão", de músicos medíocres a sub-celebridades. Essa intelectualidade, considerada "bacaninha" por ser muito badalada em seu meio, no entanto cria novos preconceitos na medida em que "romper o preconceito", para eles, é aceitar o "estabelecido", mesmo que seja uma aceitação pré-concebida.

Para eles, a "verdadeira cultura popular" passa pela valorização de uma imagem ao mesmo tempo dócil e grosseira das classes populares. Uma visão que, na prática, se demonstra caricata, estereotipada e bastante preconceituosa. Cria-se um discurso falsamente ativista, falsamente progressista, para legitimar essa visão clara, mas não declaradamente, etnocêntrica.

Assim, o povo só "mobiliza" quando rebola até o chão num "baile funk", quando mostra seus dentes banguelas para a câmera da TV ou quando dança na "boquinha da garrafa" e vai ao galpão de espetáculos do subúrbio para ver o "ídolo do momento".

No entanto, é essa mesma intelectualidade "progressista" que se apavora, como nas piores elites antissociais, quando o povo pobre se recusa a fazer esse papel subordinado e passa a fazer passeatas pedindo passarelas novas ou outras melhorias de vida nas periferias.

Para essa intelectualidade, o "ideal de vida" para as classes populares é o subemprego, a prostituição, o alcoolismo, o rebolado, a dor-de-corno. Quanto pior, "melhor". Criam um discurso supostamente "ativista" para mascarar tudo isso, e isso foi típico tanto no discurso do "brega de raiz" de Paulo César Araújo quanto de toda a retórica em favor do "funk carioca".

Por trás de tudo isso, há a intenção de enfraquecer a verdadeira cultura popular, exaltando uma forma de ação popular que nada tem a ver com as históricas lutas e trabalhos do povo brasileiro nem de expressões genuínas populares que geraram o samba, o baião, o maracatu, a modinha e outros ritmos autênticos.

No lugar disso, a intelectualidade queria impor uma "música de mercado", a partir da música brega dos anos 60-70 e passando por caricaturas de ritmos populares como o "sertanejo", o "pagode romântico" e a axé-music, e chegando a ritmos "colonizados" como o "forró eletrônico" (que mistura country e disco music com ritmos caribenhos) e o "funk carioca".

No seu discurso ideológico, cabe até mesmo atribuir falsamente à "autossuficiência das periferias" o controle de empresários da mídia e do entretenimento, gente associada até ao poder latifundiário regional, mas que, lidando com o "popular", é "confundida" retoricamente com a gente pobre das periferias.

Com isso, os "donos de bandas" deixam de ser considerados empresários para serem tidos como "produtores culturais". E o discurso intelectual deixa de creditar o poderio midiático regional - bastante forte e traiçoeiro - para atribuir, quando muito, o controle das mentes populares à ação de "humildes" programadores e coordenadores (gerentes artísticos) de rádio.

A própria transmissão cultural deixa de ser horizontal, pela via comunitária, para ser vertical, do rádio e da TV para as comunidades populares. Músicos medíocres, sub-celebridades, mulheres siliconadas e jornalistas broncos passam a fazer parte do "imaginário popular", bem mais caricato do que as caricaturas que se faziam nas chanchadas brasileiras.

Com tudo isso, o discurso intelectual, embora simule uma retórica "progressista", pretensamente etnográfica e falsamente "objetiva", faz o que o antigo IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) fazia para divulgar os ideais neoliberais em detrimento do nacionalismo de João Goulart.

A intelectualidade pró-brega foi o braço cultural tardio do IPES, pouco importando as máscaras petistas ou psolistas que adotaram nesse carnaval discursivo. Isso porque ideias falam muito mais do que as poses que tentam desmenti-las, e essa patota ("esquerdista" até que sequem as verbas concedidas pelo Ministério da Cultura petista) tem muito mais de tucana e neoliberal, queiram ou não queiram seus adeptos ou mesmo os anti-esquerdistas histéricos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

DENÚNCIA GRAVE: "MÉDIUM" TIDO COMO "SÍMBOLO DE AMOR E FRATERNIDADE" COLABOROU COM A DITADURA

O famoso "médium" que é conhecido como "símbolo maior de amor e fraternidade", que "viveu apenas pela dedicação ao próximo" e era tido como "lápis de Deus" foi um colaborador perigoso da ditadura militar. Não vou dizer o nome desse sujeito, para não trazer más energias. Mas ele era de Minas Gerais e foi conhecido por usar perucas e ternos cafonas, óculos escuros e por defender ideias ultraconservadoras calcadas no princípio de que "devemos aceitar os infortúnios e agradecer a Deus pela desgraça obtida". O pretexto era que, aceitando o sofrimento "sem queixumes", se obterá as prometidas "bênçãos divinas". Sádico, o "bondoso homem" - que muitos chegaram a enfiar a palavra "Amor" como um suposto sobrenome - dizia que as "bênçãos futuras" eram mais dificuldades, principalmente servidão, disciplina e adversidades cruéis. Fui espírita - isto é, nos padrões em que essa opção religi...

CRISE DA MPB ATINGE NÍVEIS CATASTRÓFICOS

INFELIZMENTE, O MESTRE MILTON NASCIMENTO, ALÉM DE SOFRER DE MAL DE PARKINSON, FOI DIAGNOSTICADO COM DEMÊNCIA. A MPB ainda respira, mas ela já carece de uma renovação real e com visibilidade. Novos artistas continuam surgindo, mas poucos conseguem ser artisticamente relevantes e a grande maioria ainda traduz clichês pós-tropicalistas para o contexto brega-identitário dos últimos tempos. Recentemente, o cantor Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores da música brasileira e respeitadíssimo no exterior por conta de sua carreira íntegra, com influências que vão da Bossa Nova ao rock progressivo, foi diagnosticado com um tipo de demência, a demência de corpos de Lewy. Eu uma entrevista, o filho Augusto lamentou a rotina que passou a viver nos últimos anos , quando também foi diagnosticado o Mal de Parkinson, outra doença que atinge o cantor. Numa triste e lamentável curiosidade, Milton sofre tanto a doença do ator canadense Michael J. Fox, da franquia De Volta para o Futuro ...

BURGUESIA ILUSTRADA QUER “SUBSTITUIR” O POVO BRASILEIRO

O protagonismo que uma parcela de brasileiros que estão bem de vida vivenciam, desde que um Lula voltou ao poder entrosado com as classes dominantes, revela uma grande pegadinha para a opinião pública, coisa que poucos conseguem perceber com a necessária lucidez e um pouco de objetividade. A narrativa oficial é que as classes populares no Brasil integram uma revolução sem precedentes na História da Humanidade e que estão perto de conquistar o mundo, com o nosso país transformado em quinta maior economia do planeta e já integrando o banquete das nações desenvolvidas. Mas a gente vê, fora dessa bolha nas redes sociais, que a situação não é bem assim. Há muitas pessoas sofrendo, entre favelados, camponeses e sem-teto, e a "boa" sociedade nem está aí. Até porque uma narrativa dos tempos do Segundo Império retoma seu vigor, num novo contexto. Naquele tempo, "povo" brasileiro eram as pessoas bem de vida, de pele branca, geralmente de origem ibérica, ou seja, portuguesa ou...

A HIPOCRISIA DA ELITE DO BOM ATRASO

Quanta falsidade. Se levarmos em conta sobre o que se diz e o que se faz crer, o Brasil é um dos maiores países socialistas do mundo, mas que faz parte do Primeiro Mundo e tem uma das populações mais pobres do planeta, mas que tem dinheiro de sobra para viajar para Bariloche e Cancún como quem vai para a casa da titia e compra um carro para cada membro da família, além de criar, no mínimo, três cachorros. É uma equação maluca essa, daí não ser difícil notar essa falsidade que existe aos montes nas redes sociais. É tanto pobre cheio da grana que a gente desconfia, e tanto “neoliberal de esquerda” que tudo o que acaba acontecendo são as tretas que acontecem envolvendo o “esquerdismo de resultados” e a extrema-direita. A elite do bom atraso, aliás, se compôs com a volta dos pseudo-esquerdistas, discípulos da Era FHC que fingiram serem “de esquerda” nos tempos do Orkut, a se somar aos esquerdistas domesticados e economicamente remediados. Juntamente com a burguesia ilustrada e a pequena bu...

NEGACIONISTA FACTUAL E SUAS RAÍZES SOCIAIS

O NEGACIONISTA FACTUAL REPRESENTA O FILHO DA SOCIALITE DESCOLADA COM O CENSOR AUSTERO, NOS ANOS DE CHUMBO. O negacionista factual é o filho do casamento do desbunde com a censura e o protótipo ilustrativo desse “isentão” dos tempos atuais pode explicar as posturas desse cidadão ao mesmo tempo amante do hedonismo desenfreado e hostil ao pensamento crítico. O sujeito que simboliza o negacionista factual é um homem de cerca de 50 anos, nascido de uma mãe que havia sido, na época, uma ex-modelo e socialite que eventualmente se divertia, durante as viagens profissionais, nas festas descoladas do desbunde. Já o seu pai, uns dez anos mais velho que sua mãe, havia sido, na época da infância do garoto, um funcionário da Censura Federal, um homem sisudo com manias de ser cumpridor de deveres, com personalidade conservadora e moralista. O casal se divorciou com o menino tendo apenas oito anos de idade. Mas isso não impediu a coexistência da formação dúbia do negacionista factual, que assimilou as...

A IMPORTÂNCIA DE SABERMOS A LINHA DO TEMPO DO GOLPE DE 2016

Hoje o golpismo político que escandalizou o Brasil em 2016 anda muito subestimado. O legado do golpe está erroneamente atribuído exclusivamente a Jair Bolsonaro, quando sabemos que este, por mais nefasto e nocivo que seja, foi apenas um operador desse período, hoje ofuscado pelos episódios da reunião do plano de golpe em 2022 e a revolta de Oito de Janeiro em 2023. Mas há quem espalhe na Internet que Jair Bolsonaro, entre nove e trinta anos de idade no período ditatorial, criou o golpe de 1964 (!). De repente os lulistas trocaram a narrativa. Falam do golpe de 2016 como um fato nefasto, já que atingiu uma presidenta do PT. Mas falam de forma secundária e superficial. As negociações da direita moderada com Lula são a senha dessa postura bastante estranha que as esquerdas médias passaram a ter nos últimos quatro anos. A memória curta é um fenômeno muito comum no Brasil, pois ela corresponde ao esquecimento tendencioso dos erros passados, quando parte dos algozes ou pilantras do passado r...