Perdemos a noção de cultura. No Brasil condescendente com os piores absurdos - para os quais sempre existe alguma desculpa - , cultura virou uma coisa qualquer nota. Vive-se uma crise de valores em todos os aspectos, mas seus defensores sempre argumentam alguma coisa a favor.
"Está ruim, mas podia ser pior", dizem uns. "Isso até que está bom demais", vocifera outro. Há outras desculpas, específicas para o contexto de cada aberração, que deixam o "estabelecido", com seus mil problemas e desastres, permanecer "arrastando", enquanto se procura nele um sentido que não existe nem existirá.
O Brasil virou um país confuso, e por isso foi até bom que ele tenha perdido a Copa do Mundo em casa. Isso porque o país está cheio de problemas para ser campeão num simples entretenimento esportivo.
Temos muitos corruptos, muitos reacionários, muitos facínoras. Reabilitamos corruptos, canastrões, assassinos e ladrões, mas deixamos que nossos verdadeiros mestres percam a vida no auge de sua missão, deixada incompleta.
Deixamos lacunas nos nossos melhores projetos. Mas permitimos que se completem trajetórias inúteis, desmerecidas, que nada têm a nos insinar e cujos "futuros mestres" vão chegar à velhice sem saber o que estão fazendo entre nós.
Perdemos gente fundamental e atuante em nossa cultura. Embora relativamente idosos, nomes como José Wilker e João Ubaldo Ribeiro ainda tinham muito a fazer, eles tinham uns 30 anos de atividade pela frente.
Do contrário de uns ainda vivos (mas velhos e talvez muito doentes) Darly Alves, Doca Street e Pimenta Neves, que já deveriam estar enterrados há um tempo, por simbolizarem visões ultrapassadas desesperadamente acudidas por seus crimes, reduzidos eles a espectadores passivos de um presente cujo futuro eles julgam poder segurar mas lhes escapará das mãos.
As desigualdades no Brasil são tão grandes que nosso patrimônio cultural rico, arduamente trabalhado pela gente do povo, às custas de muitas lutas e sacrifícios, aos poucos é privatizado nas mãos de especialistas e apreciadores de elite.
O povo nordestino já não tem a música nordestina de raiz, trocada por um caricato "forró-brega" que tem mais de pastiche de country e de ritmos caribenhos. As favelas cariocas viraram reféns do "funk" e do sambrega, enquanto o legítimo samba dos morros se torna agora artigo de luxo para as turmas abastadas dos condomínios ricos do Leblon.
Criaram-se posturas esquizofrênicas, entre um progressismo petista de hoje e o antigo reacionarismo udenista de 50 anos atrás, juntos e misturados dentro de uma nada saudável gororoba de valores que tanto deslumbra nossos intelectuais "tão bacanas".
Derrubamos João Goulart e reabilitamos Fernando Collor. Impedimos Juscelino Kubitschek de iniciar mandato como presidente eleito em Brasília, mas não conseguimos tirar José Sarney e Paulo Maluf do Legislativo Federal.
Muitos dançam o roquinho da 89 FM enquanto alternam a defesa da liberdade do "funk" com a defesa da moralidade das TFP da vida. Não sabemos para onde ir, diante dessa dicotomia entre a libertinagem e o reacionarismo, os tempos confusos do general Ernesto Geisel ainda parecem assombrar o nosso território, do Arroio ao Chuí.
Aqui fazemos nossa pequena contribuição para questionar esse mundinho de mediocridade e mostrar que o Brasil não se fará crescer porque reabilitamos facínoras e medíocres como se fossem nossos mestres no futuro.
Até lá, eles continuarão perguntando o que fazem aqui neste país. Mas já adiantamos: esse tipo de país, medíocre, reacionário e sem valores só estará condenado mesmo à estagnação. Cabe questionarmos a validade de tudo isso, antes que façamos falsos heróis ao sabor das conveniências.
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