A coisa foi longe demais. Semanas atrás, uma escola de Londrina, no Paraná, aplicou questões que incluíam maus exemplos, como arremesso de bebê, descaso político - incluindo a menção de uma xingação chula - e até mesmo um suicídio.
A repercussão foi negativa e os professores envolvidos se desculparam, alegando que as questões foram colhidas de "apostilas". O que mostra o quanto está nossa classe acadêmica, que já insere a degradação sócio-cultural em questões escolares, influenciando as pessoas nesses maus exemplos.
Recentemente, houve questões escolares que definiram como "grandes pensadores contemporâneos" a funqueira Valesca Popozuda e o cantor baiano Márcio Victor, da banda de "pagodão baiano" Psirico, respectivamente conhecidos nacionalmente pelos sucessos "Beijinho no Ombro" e "Lepo-Lepo".
Sob o pretexto de aproximar as questões escolares da "realidade dos alunos", os professores tentam fazer essa "provocatividade" como se estivessem defendendo alguma causa nobre. Só que cometem isso de forma estúpida e sem qualquer serventia, porque a "provocação" que os deixa felizes, tranquilos e confiantes não é mais do que um fim em si mesmo.
NA SEMANA DE ARTE MODERNA, PROVOCAÇÃO ERA SÓ GANCHO PARA DIVULGAR PROPOSTAS
O que esses intelectuais "bacaninhas" não sabem é que, nos grandes movimentos culturais, a provocatividade era apenas um gancho para propostas inusitadas e pouco compreendidas. Como se observa em eventos como a Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922.
Nela, a "provocação" era apenas um aperitivo para chamar a atenção das pessoas para propostas culturais então consideradas audaciosas, que quebravam o formalismo do parnasianismo e do academicismo retórico e liberavam a apreciação das manifestações populares autênticas, até então incompreendidas pela "sociedade organizada".
Hoje, embora a discurseira intelectualoide tente dizer que a "provocatividade" de hoje tem alguma proposta, como se o "mau gosto" fosse algo renovador na cultura brasileira - vê-se claramente que não é - , nota-se que o que se vê é apenas a "provocação" como um fim em si mesmo, sem apresentar algo de transformador.
Isso tanto é verdade que, do contrário de eventos como a citada Semana de 22, em que a "provocação" era feita para anunciar o que está por vir e não está estabelecido, a "provocatividade" de hoje, sobretudo envolvendo "funk" e outras baixarias, é feita apenas para justificar o que já é "estabelecido" pela indústria do entretenimento.
PAULO FREIRE FEZ O CONTRÁRIO
O grande educador Paulo Freire fez extremamente o contrário, no seu projeto de alfabetização para adultos - mas que poderia ser adaptado para a educação infanto-juvenil sem prejuízo de seu programa fundamental - , tão elogiado e tão raramente seguido pelos educadores do nosso Brasil.
Em vez de investir em baixarias ou chamar qualquer nulidade de "filósofo", a pretexto de "falar a realidade dos alunos", Freire investia no cotidiano dos educandos sem apelar para o grotesco, procurando edificar valores e não glamourizar a baixaria.
Ele buscava, com seu programa, promover a solidariedade, estabelecer valores positivos, e quando expunha problemas sérios e graves, não era para expô-los gratuitamente, mas para lançá-los para serem resolvidos pela ação popular nas comunidades. E sem partir para exemplos chulos como arremesso de bebês ou xingações por palavrão.
A "provocatividade" banalizou tanto que a intelectualidade "bacana", aquela que se impõe como "a mais legal do país", mantém sua alta visibilidade no seu meio. Mas seu poder de formadores de opinião, embora ainda alto, começa a ser questionado na medida em que eles demonstram não contribuir para o progresso do país, mas apenas para reafirmação do "estabelecido".
Comentários
Postar um comentário