Um artigo do Diário do Centro do Mundo, escrito por Marcos Sacramento, mostra que os ventos intelectuais nas esquerdas estão mudando e que a intelectualidade "bacana" que passeava na imprensa esquerdista com seu proselitismo ideológico para empurrar a "ditabranda do mau gosto" nas pautas progressistas, começa a ser desmascarada.
Marcos questiona o oportunismo da grife de roupas Osklem, que lançou uma série de camisetas com a estampa Favela, feita para o consumo de pessoas da alta sociedade que fingem ter alguma consciência social. Nos últimos parágrafos do texto, ele descreve, com uma coerência antes inimaginável, mesmo em páginas esquerdistas:
Por mais que essas comunidades sejam berço de manifestações culturais fundamentais como o samba e suas várias vertentes, é preciso lembrar que antes de tudo são espaços com predominância de moradias precárias e marcados pela carência de serviços básicos como saneamento, transporte e educação.
Elas foram ocupadas por força da pobreza combinada ao desprezo das elites políticas pelo bem estar dos mais pobres. Ninguém, décadas atrás, olhou para um morro ou um manguezal e decidiu morar nesses locais para curtir a vista bonita ou ficar em contato íntimo com a natureza.
Glamourizar as favelas, reduzindo-as a um elemento decorativo ou ponto de peregrinação para turistas ávidos por “experiências únicas”, e fechar os olhos para as condições de exclusão enfrentadas pelos seus moradores é uma mistura de cinismo com pitadas de crueldade.
É verdade que nessas comunidades não existe apenas sofrimento e amargura. Há beleza, esperança, criatividade e muita gente trabalhadora. Mas como Bezerra da Silva cantou em “Eu Sou Favela”, de Noca da Portela e Sérgio Mosca, “ela só vive lá, porque para o pobre, não tem outro jeito, apenas só tem o direito, a um salário de fome e uma vida normal”.
Resumindo, “a favela é um problema social”.
Isso põe fim a anos de proselitismo em que intelectuais "alienígenas" fizeram para a intelectualidade progressista aceitar suas visões "sem preconceitos", mas bastante preconceituosas, sobre a "cultura popular", baseada na imagem pejorativa de associar o povo pobre a valores grotescos, retrógrados e decadentes, "positivamente" defendidos por jornalistas, antropólogos e até cineastas.
A postura mostra também uma grande diferença entre jornalistas que trabalhavam na mídia direitista que migram para a mídia esquerdista por uma sincera mudança de postura e intelectuais direitistas que se tornam "aventureiros" da causa esquerdista e caem de pára-quedas por puro oportunismo.
O Diário do Centro do Mundo é feito por jornalistas dissidentes do Grupo Abril, que haviam trabalhado até em publicações recentes, mas hoje extintas, como a revista Alfa. Na Record, jornalistas que vieram da Rede Globo revelam sua sincera vocação progressista. A Caros Amigos absorveu dissidentes da Folha de São Paulo. A Carta Capital foi fundada por um ex-editor de Veja.
Isso é muito diferente do que ver gente que "cai de pára-quedas" porque virou moda ser esquerdista e, por razões que variam entre interesses corporativistas ou as verbas da Lei Rouanet, e que disfarçam seu neoliberalismo histérico usurpando o pretexto do "popular", palavrinha mágica que transforma elitistas histéricos em "progressistas generosos".
Pedro Alexandre Sanches é cria do Projeto Folha que varreu as esquerdas das redações da Folha de São Paulo. No fundo, um Rodrigo Constantino pós-tropicalista fantasiado de petista para arrancar verbas do Governo Federal.
Mas há também, nas Minas Gerais, um exemplo como o reacionário professor Eugênio Raggi, que escreve com a mesma fúria retrógrada de um Reinaldo Azevedo, mas fingiu ser esquerdista para agradar tanto sua esposa (que deve ser simpatizante de Dilma Rousseff) e seus colegas professores ligados à CUT. Raggi soava como se a reacionária Veja tivesse produzido uma antítese ao historiador da cultura brasileira, José Ramos Tinhorão.
Durante muito tempo, esses intelectuais "bacanas" traziam seus preconceitos da mídia direitista para a causa progressista, se aproveitando da alta visibilidade que tinham (eram aplaudidos até quando tossiam). Foi uma trabalheira divulgar textos questionando essa intelectualidade pró-brega, e isso quando eu não tinha sequer um décimo da visibilidade e do prestígio deles.
Quando eu fazia o Mingau de Aço, notei esse drama. Eu não fazia palestras, não dava entrevistas à imprensa. Questionava esses intelectuais amigos do "livre mercado", mas fantasiados de "modernistas bolivarianos" e meus textos mal conseguiam ter alguma repercussão.
Enquanto esses intelectuais acumulavam seguidores em palestras concorridas nas faculdades, meu antigo blogue levava duas semanas para ter um seguidor. Às vezes, entrava um seguidor, mas outro seguidor saía, pela incompreensão de certas abordagens que eu fazia. Se tivesse dedicação regular em um blogue, o intelectual "bacana" arrumava, no mínimo, dez seguidores em apenas um dia.
Pedro Alexandre Sanches até tenta criar um blogue político. Sinceramente, um desastre. Ele pega carona em clichês e expressões prontas, ele tenta fazer um banquete com os restos de comida dos outros. Em um texto patético, ele se limitou a elogiar um "abraço" entre Dilma Rousseff e Luís Inácio Lula da Silva, dizendo apenas o óbvio.
Além disso, quando ele descreve a "reforma agrária na MPB", ele mais parecia um antigo udenista quando se dizia "favorável" à reforma agrária, sempre indenizando o grande proprietário de terras, mesmo o mais traiçoeiro grileiro. Sanches é um histérico defensor da "mão invisível do mercado", e a "música popular demais" que ele exaltava era sempre subordinada a esse esquema.
Sanches defendia, na verdade, a grilagem no terreno da Música Popular Brasileira. Intérpretes cafonas, meramente comerciais, grotescos, canastrões e tudo o mais, com carreiras financiadas pelo latifúndio e pela mídia regional controlada pelo coronelismo local, como "libertários" e "provocativos", atribuindo falsamente a eles ideais próprios do pensamento modernista.
Daí que, nos últimos tempos, Sanches se deu a ocupar em defender o "sertanejo universitário", a última palavra em deturpação da música caipira (não nos esquecemos que a deturpação veio a partir de Chitãozinho & Xororó, hoje tidos erroneamente como "música de raiz"), num contexto musical claramente apoiado por latifundiários, grandes empresários do agronegócio e até multinacionais.
Daí que um intelectual badalado que fala em "cultura transbrasileira" - clara alusão ao "transnacional" de Fernando Henrique Cardoso - , que convidou Francis Fukuyama para tocar frigideira na sua batucada (trans) brasileira, teria que simbolizar uma elite de intelectuais badalados e tidos como "os mais legais do país" com seus preconceitos "nada preconceituosos" sobre as classes populares.
É essa intelectualidade que tentava pregar que a pobreza "era linda". Eles glamourizavam a pobreza. O "funk carioca", um empreendimento de ricos empresários-DJs e que nunca foi musicalmente decente, foi o carro-chefe de todo esse engodo pretensamente etnográfico, servido de bandeja até na forma de documentários e monografias, para que a coisa parecesse "séria" e "relevante".
Com isso, vieram teses "sem preconceito" que, no entanto, revelam gritantes preconceitos sociais de fazer um editor de Veja ficar de cabelos em pé: o povo pobre só tinha sentido quando produzia músicas ruins, fazia o papel de débil-mental, tinha pose de coitadinho jeca, se apegava à libertinagem sexual e outros valores grotescos e difundia os mais retrógrados valores sócio-culturais.
Sim, durante muitos anos isso prevaleceu no pensamento intelectual e foi equivocadamente associado ao pensamento de esquerda, por causa da intervenção de "alienígenas" como Sanches, Raggi e Paulo César Araújo, que empurravam outras pessoas a pensar o mesmo.
A ideia era fazer crer que o povo pobre só "era admirável" quando rebolava e mostrava seus dentes banguelas ou cariados para o close das câmeras e falava como um idiota sonhando em subir na vida. Chegavam a vender a falsa ideia de que suburbanos indo que nem gado para um galpão de espetáculos para assistir ao sucesso do momento e rebolar "até o chão" era "ativismo social".
Toda essa pregação, no primeiro momento, era lançada por veículos da mídia direitista como a Rede Globo e a Folha de São Paulo, e as primeiras campanhas do "funk" como um pretenso movimento social foram dadas por esses veículos. Até o Estadão fazia isso e, lá fora, até o argentino Clarin assinava embaixo.
Falam que MC Leonardo é "intelectual de esquerda" mas o funqueiro que presidiu a APAFUNK (Associação de Profissionais e Amigos do Funk) só voltou aos holofotes porque seu antigo sucesso, com o irmão MC Júnior, "Rap das Armas", foi redescoberto pelo cineasta José Padilha no primeiro filme Tropa de Elite. Padilha é ligado ao direitista Instituto Millenium.
Mas o empastelamento intelectual garantido pelo olimpo da visibilidade fácil fez com que essas pregações "sem preconceito" mas muito preconceituosas ficassem mais marcadas nas páginas de Caros Amigos, Fórum, Carta Capital e Brasil de Fato, por conta da pressão dos intelectuais "bacanas".
Daí que passou a ser conhecida a visão de glamourização da pobreza, da ignorância e do grotesco. Os intelectuais "bacanas" empastelaram o debate esquerdista e, como moleques atirando numa vidraça, correram e foram embora.
Hoje a "música popular demais" ficou hegemônica e não consegue esconder que é apoiada pela alta sociedade e pelos mais retrógrados setores da vida econômica, política e sócio-cultural do Brasil. A "reforma agrária na MPB" foi só conversa para gado dormir, o que aconteceu foi uma grilagem nas terras em transe da cultura popular brasileira.
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