Tivemos a recente onda de intelectuais "bacanas" que defendiam a bregalização da cultura brasileira. Embora sua influência hoje esteja minimizada e alguns de seus ideólogos não conseguem esconder o direitismo que está por trás do pretenso esquerdismo - iam para a mídia de esquerda trazer seus "nada preconceituosos" preconceitos da Globo e da Folha - , cabe ainda refletir seu legado.
Noto que a intelectualidade "bacana", que achava que o folclore brasileiro do futuro estava nas mãos das rádios e TVs "populares", fingia não compactuar com a grande mídia, embora, na prática, mais parecesse uma geração de jornalistas, cineastas, ativistas e acadêmicos free lancer que defendiam os interesses dos barões da mídia de forma "independente" e "com categoria".
E o que eles queriam com sua gororoba cultural, com seus textos "provocativos" que misturavam alhos com bugalhos e jogavam no mesmo balaio artistas de rua com conjuntos musicais forjados por empresários, sob o pretexto de se criar uma "cultura transbrasileira"?
Simples. Em plena Era Lula, esses intelectuais queriam empastelar os debates culturais, usando o "funk carioca" e outras tendências "populares demais" para impedir que as classes populares participem de forma ampliada do debate público.
Com isso, esses intelectuais "muito legais" pregavam a tese "sem preconceitos", mas perversamente preconceituosa, de que era melhor o povo pobre permanecer nas suas condições inferiores de miséria, pobreza, ignorância e idiotização cultural do que lutar por melhorias de vida.
Era vergonhoso ver esses intelectuais invadindo a mídia de esquerda - Caros Amigos, Carta Capital, Fórum, Brasil de Fato e vários blogues progressistas - para impor preconceitos da Folha de São Paulo e da Rede Globo, que consistiam em fazer convencer que era melhor um povo pobre rebolando feito idiotas do que manifestando e lutando por qualidade de vida.
E depois esses intelectuais, hipócritas, ficam fazendo falsos ataques a direitistas da moda, como Aécio Neves, Geraldo Alckmin, Rede Globo, Veja, Eliane Cantanhede e outros, imitando feito papagaios os comentários escritos com mais originalidade pelos intelectuais realmente progressistas.
Aí eu analiso esses intelectuais que apostam na mistura de alhos com bugalhos na cultura brasileira, misturando MPB de vanguarda com breguice, como se misturassem guevaristas com macartistas, e noto o verdadeiro propósito deles: retroceder o cenário da música brasileira aos parâmetros do "milagre brasileiro" da Era Médici. E, para piorar: um retrocesso pior do que antes.
Afinal, em 1970, pelo menos, havia a predominância de uma música de qualidade. A bregalização era mais limitada às áreas interioranas, dominadas pelo coronelismo latifundiário, e começava a atingir os subúrbios, já sob o controle do coronelismo suburbano dos banqueiros de bicho. As universidades estavam todas voltadas ao rock ou à MPB autêntica.
Hoje, a situação é pior. Os sambas dos morros cariocas de 50 anos atrás, que ainda em 1970 eram de grande sucesso nas favelas do Rio de Janeiro, se "bossificou", se tornando praticamente um ritmo privativo das mesmas elites que, na virada dos anos 1950 para os 1960, criaram e curtiram a Bossa Nova.
Os morros e subúrbios cariocas de hoje se limitam a consumir formas caricaturais de samba, como o "pagode romântico" que alterna pastiches de soul music e falsa MPB de intérpretes canastrões ou imitações grotescas do som de Zeca Pagodinho e de Jorge Aragão.
Enquanto isso, Paulinho da Viola, "filho" de Madureira, é tratado como "estrangeiro" em seu próprio berço. Paulinho da Viola tocando no Parque Madureira pareceu um "aristocrata" tão "inglês" quanto Paul McCartney quando se apresentou no estádio do Engenhão, no Méier.
APARTHEID CULTURAL "CONTRA O APARTHEID CULTURAL"
O discurso cínico da intelectualidade "bacana" e "mais legal do país" falava que a classe média e os verdadeiros intelectuais tinham que aceitar a bregalização cultural para "romper o preconceito" e "eliminar o apartheid cultural", criando a "inclusão cultural" dos fenômenos "populares demais".
Toda uma verborragia ideológica tentava dar a impressão de que tudo isso era "progressista", "provocativo", "moderno" e "vanguardista", quando tudo isso não passava de conversa para boi dormir, e escondia teses contrárias das que eram aparentemente apresentadas pela intelligentzia.
A ideia de "combater o apartheid cultural" é na verdade uma forma de reforçar o verdadeiro apartheid cultural oculto no discurso intelectual dominante. Bonito é a bregalização ser despejada nos redutos universitários, nos eventos de vanguarda e coisa parecida. Horrível é o povo pobre voltar a fazer MPB de verdade, o que não é o mesmo que bregalhões pegarem carona na MPB depois de fazerem seu nome com seus horripilantes sucessos radiofônicos.
A coisa é pior do que se imagina. Os intelectuais "bacanas" queriam que a MPB autêntica se isolasse cada vez mais do gosto do público. Se, pelo menos, na Era Médici ou na Era Geisel, a classe média podia apreciar a MPB autêntica, hoje nem isso mais acontece. Hoje MPB autêntica é coisa de saudosista, aristocrata e pesquisador cultural. Um público cada vez mais restrito.
Apenas uma pequena parcela da MPB autêntica - aqueles sucessos que conseguiram vingar nas trilhas sonoras das novelas da Rede Globo desde os anos 1970 - é permitida para o grande público, até para servir de "matéria-prima" para aventuras canastronas dos ídolos brega-popularescos, quando tentam soar como pastiches de emepebistas consagrados aqui e ali.
Isso só é permitido para facilitar aberrações como os canastrões Chitãozinho & Xororó gravando um disco com músicas de Tom Jobim. Bregalhões pegando carona num emepebista os favorecem tanto na falta de produção autoral - o que mostra sua falta de talento e sua incapacidade de criar algo que preste - quanto na autopromoção às custas de um nome realmente talentoso.
O cenário é bem mais radical, mas segue a perspectiva de quem vive na Era Médici e sentia horror em ver a "subversiva" MPB sendo cantada por universitários e sendo ouvida até por taxistas e funcionários públicos.
Com isso, o "bom elitismo" da intelectualidade "bacana" promovia eventos tenebrosos como um tributo pretensamente "udigrudi" ao grupo de sambrega Raça Negra - cuja ruindade musical é clara, com um vocalista de voz fraca e fanha cantando sob pastiches de sambalanço mal arranjados - para empurrar o som desse medíocre conjunto ao gosto dos universitários.
Isso é horrível. A "ditabranda do mau gosto" empurrada para a classe média e para pessoas realmente pensantes para isolar a MPB autêntica e nosso rico patrimônio artístico e cultural para públicos de maior poder aquisitivo ou maior formação acadêmica, um caso cruel de separatismo cultural que é promovido por intelectuais de grande visibilidade que posavam de "progressistas" defendendo, "sem preconceitos", os mesmos preconceitos da grande mídia.
E pensar que Pedro Alexandre Sanches ainda insiste em promover uma falsa imagem de "intelectual de esquerda", ele, que, com seus preconceitos trazidos pela Folha de São Paulo e seu "patrão-colega" Otávio Frias Filho, "bateu" em Chico Buarque antes de dois burguesinhos reacionários. Quem te viu, quem te vê.
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