Na boa, a Rádio Cidade é uma espécie de Eduardo Cunha das rádios rock, no sentido de querer atrapalhar a causa. Uma rádio esquizofrênica, que renega suas origens e força a barra querendo vincular uma marca a uma proposta diferente da original.
Poucos percebem isso e o preço caro que pagam com tal complacência à canastrice radiofõnica com um forte cheiro de emo-poser é a mentalidade escancaradamente pop da emissora. Isso sem falar que, num país desinformado como o Brasil, poucos conseguem reconhecer que a Rádio Cidade, no fundo, é uma rádio "só sucessos", de hit-parade, "paradão", de Top 10, Top 20, Top 40, Top 60, Top 100 e não mais que isso.
E a Rádio Cidade, do contrário das emissoras de rock, não trafega fora do "esquemão". A Cidade é tão "esquemão" quando a FM O Dia, a Mix FM ou a Top Rio FM, o que desmerece todo o burburinho da mídia roqueira, da imprensa cultural e das colunas e sítios sobre rádio que tratam a Rádio Cidade como se ela fosse uma "rádio alternativa" que nem de longe chega a ser.
Não bastassem programas como "Hora dos Perdidos" e "Rock Bola", que são claramente inspirados no Pânico da Pan, vieram programas novos como um tal de "D. R. da Cidade" - curioso, as iniciais coincidem com as do Debate Rock, mas parece ser um programa diferente - que só reforçam a abordagem debiloide que a emissora dos 102,9 mhz faz do jovem roqueiro.
O roqueiro é tratado como um idiota, como se fosse um misto de pestinha, fanfarrão e um tanto submisso ao "sistema" - algo bem anti-rock - , que aceita os modismos da grande mídia e faz o papel um tanto duvidoso do "bom rebelde", com visual transado, com mais tatuagens do que neurônios funcionando e que compensa o baixo senso crítico com um pavio curtíssimo.
A Rádio Cidade é um acinte, uma vergonha para um Rio de Janeiro que já teve rádios de rock bem melhores como a Eldo Pop, Federal e Fluminense FM. Até a Estácio FM dos anos 80 ou a comunitária Progressiva FM davam de um milhão a zero na tal "rádio do rock de verdade".
Mas, também, isso está de acordo com o "espírito do tempo", num Estado em decadência como o Rio de Janeiro. Se uma rádio que se destaca no segmento rock é a Rádio Cidade, que trata o público roqueiro como um débil-mental, isso tem a ver com a situação que está o Rio de Janeiro hoje.
Se tínhamos Bossa Nova, hoje temos o "funk". Se tínhamos Helô Pinheiro, hoje temos Solange Gomes. Se tínhamos Tom Jobim, hoje temos Mr. Catra. Se tínhamos Jorge Benjor, hoje temos Belo. Se tínhamos Ernâni do Amaral Peixoto, hoje temos Eduardo Cunha. Se tínhamos Leila Diniz, temos Mulher Melão. Se tínhamos o Centro Popular de Cultura da UNE, temos hoje os "Revoltados On Line".
Grandes bairros populares do antigo Centro carioca, que foram destruídos para a construção das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, eram bem mais organizados que o perigoso caos suburbano dos complexos da Maré e do Alemão, no caminho entre o Galeão e o Centro. E, na política, um Carlos Lacerda que parecia grotesco em seu tempo parece bem mais sofisticado que um Jair Bolsonaro que hoje empolga a "galera".
CARTAZ DO PROGRAMA CIDADE 80 MOSTRA ROQUEIROS CARICATOS.
Daí que tinha que haver a Rádio Cidade como "rádio de rock" e é assustador que mesmo alguns roqueiros autênticos levem a emissora a sério. "Vamos respeitar seu espaço, a gente faz os nossos", dizem, como se a rádio tivesse uma "proposta diferente" de radialismo rock. O que não é verdade. Fazer mal não é fazer diferente, incompetência não é estilo.
Afinal, o que está ali é uma rádio igualzinha à Mix FM, a Transamérica, a Jovem Pan FM, que apenas tem vitrolão roqueiro e mantém o jogo da aparência. De roqueiro, a Rádio Cidade só tem o aparelho de toca-CD, praticamente. Se tirar o toca-CD, não sobra uma poeira para representar a cultura rock naquela rádio.
Aí, alguém responde: "Mas tem o Zero DB, de José Roberto Mahr". Só que esse programa é uma produção independente, e Mahr, um brilhante radialista, tem o seu mundo próprio de excelentes ideias, curiosidades musicais, transitando entre o rock e o eletrônico, que não necessariamente reflete a linha da emissora onde trabalha, até porque ele teve programa até na Jovem Rio, antiga rádio de pop dançante dos 94,9 mhz feita pelos amigos do Rhoodes Dantas.
Os programas "interativos" e de "humor" são um horror. Parecem revista Capricho, Rádio Disney, Malhação, Caldeirão do Huck, FM O Dia, mas nunca lembram o de uma rádio de rock. O radialismo rock tem seu humor próprio, até Frank Zappa trabalhava com humor, mas ele não tem a ver com esse mundo de guloseimas, rapazes doidões e patricinhas bonitinhas que se vê na Rádio Cidade.
Se essa programação e essa emissora - cujo nome "Rádio Cidade" já é inadequado para uma rádio de rock, por ser um nome banal e sem valor histórico para o segmento - são paradigmas de "rádio de rock de verdade", então não entendemos para que serviu tanto trabalho da cultura rock em se diferenciar da mesmice debiloide do pop convencional.
Tanto trabalho para fazer um projeto de rádio de rock com personalidade, evitando a mentalidade hit-parade, os locutores engraçadinhos, os programas de besteirol, enfrentando problemas financeiros, resistência do mercado, tudo isso parece ter ido por água abaixo se considerar a supremacia da Rádio Cidade.
Se é para o radialismo rock se reduzir ao poderio da Cidade, então não seria preciso fazer rádio de rock e encarar tanta trabalheira recebendo pouco dinheiro. Bastava bater panelinha na sede do Sistema JB em 1982 e pedir para a Cidade tocar só rock. Se bem que bastaria apenas montar um jukebox, porque a Cidade nunca foi mais do que uma rádio pop com vitrola "roqueira".
Fica a impressão de que muito trabalho foi feito em vão e que simplesmente temos que adotar a mentalidade das "pautas-bombas" de Eduardo Cunha para o radialismo rock e achar agora que a cultura rock deve ser terceirizada por um bando de "profissionais do rock" sem envolvimento real com o gênero. Principalmente um fã de "sertanejo" como um tal de Van Damme.
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