As forças progressistas perderam o protagonismo e deixaram entregar o cenário político para a retomada conservadora por causa de uma grande falha educacional.
Pessoas nascidas de 1962 para cá tiveram uma educação cultural falha, transmitida durante o regime militar.
Com isso, gerações mais recentes que, tardiamente, se tornaram intelectuais progressistas caíram, na boa-fé, no papo mole da intelectualidade "bacana" que saltou na mídia esquerdista de pára-quedas.
Diferente de esquerdistas mais velhos, desconfiados das armadilhas bregalizantes, mistificadoras, ufanistas etc, os mais novos aceitaram essas referências sem saber o que havia por trás.
Seus ídolos acabaram sendo ídolos bregas, "médiuns espíritas", craques de futebol e outros que povoaram o imaginário "popular" do período ditatorial.
Não puderam entender, por exemplo, que, quando eles ainda eram bebês, o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes era um grande fórum de debates.
Quando entraram na faculdade, pensavam que o CPC da UNE era uma máquina ideológica, e resolveram não debater a cultura.
Achavam que a cultura era como o vento, que chegava com o oxigênio sob medida para nós respirarmos.
Foi aí que o "funk carioca", que sempre foi um subproduto da mídia venal e foi o "Cabo Anselmo" da Era PT, fez proselitismo nos círculos esquerdistas, que ignoraram seu potencial imbecilizante.
As feministas de esquerda morderam a isca e passaram a acreditar numa ideia sem pé nem cabeça que as mulheres-objetos eram "feministas" porque não tinham namorados nem maridos.
Caíram em muitas dessas falácias ao darem ouvidos a jornalistas culturais festejados, acadêmicos badalados e cineastas documentaristas descolados, todos saindo dos porões da mídia venal para se infiltrarem na mídia esquerdista, "queimando" o filme desses periódicos.
Não devemos esquecer que Caros Amigos acabou e Revista Fórum desfez sua versão impressa porque contratou a intelectualidade "bacana" e seus consortes.
Carta Capital resiste, mas quase veio a patinar quando o "filho da Folha" convertido em "bom esquerdista", Pedro Alexandre Sanches, empurrou até o hoje bolsonarista Zezé di Camargo (que naquela época era caído pelo Caiado) para a agenda esquerdista.
As esquerdas acolheram como heróis famosos que, na verdade, eram reacionários e anti-esquerdistas.
Tinha até "médium espírita", usando paletós brancos, peruca e óculos escuros, defendendo a ditadura militar e pregando ideias medievais como "aguentar o sofrimento extremo em silêncio".
O tal "médium", que depois teve até cinebiografia, foi considerado erroneamente "de esquerda" só porque a propaganda, lançada pela Rede Globo, inventou que ele era "símbolo da paz, da caridade e do amor ao próximo".
Mas o "médium" era reacionário, a ponto de ter dito, num programa de grande audiência, que o AI-5 foi necessário para combater o "radicalismo das esquerdas" na época da ditadura.
Era fácil um direitista posar ao lado de crianças pobres e se passar por "esquerdista", há cerca de dez ou quinze anos.
No futebol, tantos craques que depois se revelaram bolsonaristas ou, se não for o caso, tucanos também vestiram a capa de "progressistas" graças a umas embaixadinhas.
Mesmo a mídia policialesca, que então não era conhecida por sua pauta moralista e vingativa, recebia a condescendência das forças progressistas.
Os tabloides ficavam em pautas mais humorísticas, enfatizando aspectos pitorescos e corpos siliconados das boazudas tidas como "empoderadas" por não terem sequer namorados.
Havia comparações equivocadas com a Última Hora, antigo jornal popular de esquerda, e o Pasquim, jornal humorístico-cultural também de esquerda. Mas nenhum deles investia em vulgaridade gratuita.
Os funqueiros, que as esquerdas pensavam ser aliados, mas, nos bastidores, falavam mal delas como se fossem articulistas de Veja, comandaram esse circo da bregalização.
Não foram os esquerdistas mais velhos que, desconfiados com o "zoológico" de "tigrões" e "cachorras" e com intérpretes que parecem ter saído de algum quadro de A Praça É Nossa (esses intelectuais sérios ainda eram do tempo da Praça da Alegria), que aderiram.
Foram os mais jovens, hoje com até 57, 58 anos, que se iludiram com o circo da bregalização, do misticismo religioso, do pitoresco, do piegas, do grotesco, usando como pretexto alegações tiradas do Tropicalismo e distorcidas diante do vale-tudo lúdico e fenomenológico.
Com isso, os debates culturais foram esvaziados. Pior: houve supostos "amigos das esquerdas" que inventaram, como quem produz fake news, que debater cultura era coisa de "higienista", "elitista", fora aquele papo furado do "preconceito".
E, ao aceitarem como "fim do preconceito" formas preconceituosas de expressão popular, as esquerdas se enfraqueceram.
Foi aí que Olavo de Carvalho surgiu, escondido no matagal de pregações que Milton Moura, na Bahia, Eugênio Raggi, em Minas Gerais, e a "santíssima trindade" de Paulo César Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna fizeram em prol do "popular demais".
Da selva de "sertanejos" com mullets, funqueiros erótico-raivosos, MCs "de raiz" cheios de pretensiosismo "militante", pagodeiros-brega com cabelos tingidos e mulheres siliconadas apelando demais, veio a fúria reacionária que hoje está no poder.
Afinal, as esquerdas não perceberam a armadilha. A intelectualidade "bacana" apostava na exaltação do grotesco, do cafona, do piegas, para desmoralizar as esquerdas que esses intelectuais festivos fingiam prestar "solidariedade sincera e inabalável".
Isso porque os fenômenos exaltados nesse pretenso "combate ao preconceito", ao expor e apoiar aspectos ridículos que a mídia venal associava às classes populares, na verdade promovia o ridículo e abria brecha para reacionários que pareciam sem ter algo a dizer.
Ou seja, a intelectualidade que foi para a mídia de esquerda pregar a bregalização, na verdade, deu voz e pauta para os reacionários que tinham uma visão neuroticamente elitista, que aproveitaram essa pauta para se passarem por "amigos do povo".
Com isso, o povo que era tratado de forma preconceituosa pelo dito "combate ao preconceito" das campanhas da intelectualidade "bacana" acabou caindo na sedução do bolsonarismo.
A bregalização, de uma forma ou de outra, permitiu que se renascesse o "pobre de direita", um subproduto do proselitismo ditatorial feito sob medida para aplaudir o "milagre brasileiro".
Daí o longo caminho que, em 1996, começou com Milton Moura exaltando os glúteos do É O Tchan, e terminou com Damares Alves pregando o criacionismo nas escolas brasileiras.
Pau que nasce torto sempre se "endireita".
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