Apesar de ter tido uma trajetória polêmica como jornalista cultural, Pepe Escobar transformou-se num dos mais conceituados jornalistas políticos da atualidade.
Na entrevista dada ao também jornalista Leonardo Attuch, no Brasil 247, Pepe Escobar deu informações muito importantes sobre sua experiência, e só falou de cultura em ligeiras passagens.
Afinal, ele ultimamente anda sendo mais conhecido pelas análises da geopolítica internacional, como correspondente do Asian Times.
Entre tantas coisas, ele não deixou de comentar o ridículo do discurso de Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça.
Vale a pena tirar uma hora para ouvir essa entrevista, na qual pesco duas declarações rápidas que soam como um puxão de orelha na intelectualidade "bacana" que usou as esquerdas para a defesa de um Brasil mais brega.
Uma é sobre o começo da experiência jornalística de Pepe Escobar, na segunda metade dos anos 1970, na qual, devido à ditadura militar, praticamente não havia vida cultural no Brasil.
E olha que ele fala de São Paulo, uma cidade mais moderna e onde se havia a preocupação de manter as aparências de metrópole democrática do Brasil.
Imagine então os subúrbios, zonas rurais, regiões interioranas, onde a "vigilância" militar representada pelo coronelismo político e midiático!
Eles não podiam respirar culturalmente. O que havia eram manifestações que nem chegavam na grande mídia.
E isso era muito diferente da bregalização cultural, que corria leve e solta nos palcos da mesma mídia hegemônica e popularesca que, 40 anos depois, foi apoiar Jair Bolsonaro.
Essa lorota, trazida pela intelectualidade "bacana", de que os bregas não tinham espaço na mídia, prevaleceu como narrativa hegemônica durante 14 anos.
A retaguarda musical e comportamental dos bregas que apareciam na TV Tupi (decadente), Record, Bandeirantes e SBT, sobretudo entre 1975 e 1984, foi vendida como "vanguarda" com argumentação sofisticada, mas confusa.
E aí vemos também outra declaração de Pepe Escobar sobre a crise das esquerdas.
Ele atribuiu a crise à ênfase exagerada nas chamadas "causas identitárias".
No Brasil, a bregalização cultural pegou carona nessas causas, para ter o verniz de modernidade.
E aí veio todo aquele discurso do "combate ao preconceito" que, na verdade, só mostrou uma sociedade cada vez mais preconceituosa, sobretudo quem se dizia "sem preconceitos".
A bregalização que era empurrada goela abaixo na imprensa esquerdista era, na verdade, apoiada por muitos sociopatas nas profundezas do Orkut e do Facebook, e, hoje, no Facebook e WhatsApp.
A degradação cultural da bregalização, do mito da "pobreza linda", acabou enfraquecendo as esquerdas no Brasil.
Afinal, o papo de que "a favela é meu lugar", "a prostituição é legal", "a ignorância é uma coisa linda", e o povo pobre só "fazia sentido" fazendo papel de ridículo, como pobres idosos banguelas cantando em programas de auditório era o suprassumo do preconceito.
Aceitar tudo isso não era o fim dos preconceitos. E a intelectualidade "bacana", muito "amiga" dos esquerdistas, abriu espaço para o golpismo que temos.
Toda essa espetacularização das classes populares rebaixadas a uma caricatura enfraqueceu e quase pôs a perder os movimentos sociais.
E todo o discurso de bregalização deu no pesadelo do golpe de 2016 para cá. Com a morte de Marielle Franco, o incêndio no Museu Nacional e o fim do Ministério da Cultura.
Excelentes dados de Pepe Escobar, dentro de uma grande amostra de informações importantes nessa longa, instigante e nada entediante entrevista.
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