Pular para o conteúdo principal

BRASIL SE RENDE À POSITIVIDADE TÓXICA


Quando se reconstrói um país, a gente se preocupa em exercer o senso crítico e apontar erros. Quando se reconstrói uma casa, a gente não vai fazer festinha com churrasco, mas fazer uma faxina e retirar aquela sujeira incômoda, não é mesmo?

Infelizmente, as narrativas no entanto não se dirigem à realidade. Vendo que a maioria das redes sociais virou um paraíso da positividade tóxica, tudo o que nos resta fazer é mentir, fingir, achar que tudo está às mil maravilhas, que o mundo está mais cor de rosa do que o filme da Barbie.

Nem nos primeiros anos da ditadura militar era assim. Hoje ninguém suporta senso crítico, a não ser alguns bons samaritanos aqui e ali. Há exceções no Brasil que mostram pessoas lúcidas, simpáticas, alegres, esforçadas, amigas, generosas etc. Mas elas não são a regra e não podemos levar a exceção como regra.

Se as pessoas jogam comida fora, perdem um domingo inteiro se embriagando e falando de futebol, se os solteiros irrecuperáveis são discriminados, se a cultura anda precarizada, temos, sim, que questionar, entre tantas outras coisas.

Se os referenciais culturais continuam sendo os da Era Médici e Era Geisel, apenas deixando de lado aquilo que soa violento, agressivo e raivoso, então temos que criticar, sim. Não dá para fingir que tudo está bem, até porque quem pensa assim acaba se tornando, em vez de positivo, arrogante.

Vendo o governo Lula realizar poucas melhorias - sim, poucas - , ainda que faça o nosso país respirar num contexto democrático-legalista, é algo que, em muitos aspectos, decepciona, sim. Para quem ganha mais de R$ 10 mil e, tecnicamente, é um milionário por conta dos valores polpudos nas contas bancárias, tanto faz Lula ficar o tempo todo viajando para o exterior. O país está todo arrumadinho para essa parcela de brasileiros que sempre "viveu" no Primeiro Mundo.

Sim, é muito bom sorrir, se alegrar, ter esperança. Mas quando isso vai para o nível da toxicidade, pega mal. Quando a aparente liberdade da vida amorosa faz muita gente esculhambar as pessoas solteiras, explorando o mito do "InCel" que mistura, com claro teor discriminatório, homens pacatos e caseiros com sociopatas e terroristas, isso se torna problemático.

Se tornou-se obrigatório, nas regras sociais, gostar de futebol, ter algum namorado ou namorada, ter que sair à noite e beber cerveja, isso já não é liberdade, já sucumbiu a uma imposição tóxica. É pelo fato de muitos homens serem forçados a ter uma namorada que ocorreram uma gigantesca parcela de feminicídios, porque os homens pegam as mulheres que aparecem primeiro, não se sentem à vontade com elas, e quando explode uma grande divergência grave, ocorre o assassinato.

Isso mostra o quanto não se pode sucumbir à positividade tóxica. Hoje é insuportável ler textos com muito senso crítico, o que faz com que mesmo os lulistas mais convictos eventualmente possuem um Monark dentro de si, ou seja, aquele tipo de "isentão" que se acha o "detentor da visão mais objetiva", mas no fundo tem medo de questionamentos mais profundos, preferindo aquela "imparcialidade" do tipo "direitos iguais para a raposa e a galinha".

É como se, ao mesmo tempo em que se defende o direito das galinhas viverem no próprio galinheiro, se defenda também o direito a raposas invadi-lo e devorar as aves. É esse tipo de "isenção" que prevalece no senso comum de hoje, como aquela "liberdade amorosa" obrigatória que acabou custando as vidas de milhares de mulheres, dizimadas em quantidades bélicas por tipos de homens considerados "ideais".

No cenário político que temos no Brasil, além da megalomania de Lula em querer ser líder mundial e, contraditoriamente, sacrificar seu projeto político através de concessões diversas. Um exemplo bastante preocupante é a aceitação de Lula de que uma parceria com os EUA, através da NASA (National Aeronautics and Space Administration, em português Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço), para a produção de satélites de monitoramento da Amazônia, o que indica uma ameaça à soberania brasileira por conta do monitoramento ser feito por um satélite estrangeiro.

Isso é bastante arriscado, pois pode ferir a soberania brasileira. Isso é justamente um dos legados do governo Michel Temer, de permitir que o céu brasileiro seja monitorado por satélite estrangeiro, o que traz risco de espionagem. Mas Lula, em que pese seu zelo pelas populações indígenas, defende a controversa exploração de reservas amazônicas de petróleo, o que pode trazer risco para o ecossistema na região. Lula procurou falar pouco sobre o assunto na Cúpula da Amazônia (COP-28), em Belém.

Não há como bancar o Monark enrustido diante de tantas contradições do governo Lula. Sinto que o Brasil está num clima de infância desesperada, num clima de deslumbramento politico e cultural muito grande, numa perigosa obsessão de conseguir a felicidade na marra, quando o nosso país nem se reconstruiu e o clima está de festa a qualquer preço.

E aí vemos o quanto os antigos batalhadores da cultura morrem. Ontem faleceu Aderbal Freire Filho, marido de Marieta Severo e um dos grandes nomes do teatro, ator e diretor que pertenceu a uma geraçao que viveu a loucura humanista dos anos 1960. Aderbal era contemporâneo de José Celso Martinez Correa, outro grande nome do teatro daquela década fantástica.

Mas, assim como recentemente perdemos Rita Lee e João Donato, na música, e, na dramaturgia da TV, a atriz Aracy Balabanian, essas mortes seriam apenas naturais por conta do envelhecimento do corpo físico se não fosse a precarização cultural que aqui temos.

O que são Rita Lee, João Donato, Dóris Monteiro e Leny Andrade mortos, diante do filme sobre a dupla Chitãozinho & Xororó, um ícone desse "brega vintage" metido a preciosidade? E o que são as mortes de Aderbal, Zé Celso, Aracy, diante de um cenário em que a "atuação" é terceirizada pela canastrice dos reality shows e dos influencers que tem a habilidade de dar sentido à falta de sentido, com um padrão que, combinado com o humorismo modelo Pânico / CQC, provoca a invasão de comediantes no mercado de analistas de redes sociais, que deveria ser refúgio para jornalistas diante da crise deste setor.

O cenário brasileiro precisa ser debatido, discutido e questionado, sim. Quem não gosta de ler textos críticos pode até evitar lê-los, mas a realidade sempre dá um jeito para apresentar os mesmos problemas descritos pelos textos não lidos. Não se reconstrói um país fazendo festa ou entrando num clima de felicidade obsessiva. Quem pensa assim, na verdade, está querendo esconder a sujeira debaixo o tapete. E aí não adianta a "boa" sociedade tirar o Monark que existe dentro de seus bicicletários mentais.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESQUISISMO E RELATORISMO

As mais recentes queixas a respeito do governo Lula ficam por conta do “pesquisismo”, a mania de fazer avaliações precipitadas do atual mandato do presidente brasileiro, toda quinzena, por vários institutos amigos do petista. O pesquisismo são avaliações constantes, frequentes e que servem mais de propaganda do governo do que de diagnóstico. Pesquisas de avaliação a todo momento, em muitos casos antecipando prematuramente a reeleição de Lula, com projeções de concorrentes aqui e ali, indo de Michelle Bolsonaro a Ciro Gomes. Somente de um mês para cá, as supostas pesquisas de opinião apontavam queda de popularidade de Lula, e isso se deu porque os próprios institutos foram criticados por serem “chapa branca” e deles se foi cobrada alguma objetividade na abordagem, mesmo diante de métodos e processos de pesquisa bastante duvidosos. Mas temos também outro vício do governo Lula, que ninguém fala: o “relatorismo”. Chama-se de relatorismo essa mania de divulgar relatórios fantásticos sobre s...

BRASIL PASSOU POR SEIS DÉCADAS DE RETROCESSOS SOCIOCULTURAIS

ANTES RECONHECIDA COMO SÉRIO PROBLEMA HABITACIONAL, A FAVELA (NA FOTO, A ROCINHA NO RIO DE JANEIRO) TORNOU-SE OBJETO DA GLAMOURIZAÇÃO DA POBREZA FEITA PELAS ELITES INTELECTUAIS BRASILEIRAS. A ideia, desagradável para muitos, de que o Brasil não tem condições para se tornar um país desenvolvido está na deterioração sociocultural que atingiu o Brasil a partir de 1964. O próprio fato de muitos brasileiros se sentirem mal acostumados com essa deterioração de valores não significa que possamos entrar no clube de países prósperos diante dessa resignação compartilhada por milhares de pessoas. Não existe essa tese de o Brasil primeiro chegar ao Primeiro Mundo e depois “arrumar a casa”, como também se tornou inútil gourmetizar a decadência cultural sob a desculpa de “combater o preconceito”. Botar a sujeira debaixo do tapete não limpa o ambiente. Nosso país discrimina o senso crítico, abrindo caminho para os “novos normais” que acumulamos, precarizando nosso cotidiano na medida em que nos resig...

“ROCK PADRÃO 89 FM” PERMITE CULTUAR BANDAS FICTÍCIAS COMO O VELVET SUNDOWN

Antes de irmos a este texto, um aviso. Esqueçamos os Archies e os Monkees, bandas de proveta que, no fundo, eram muito boas. Principalmente os Monkees, dos quais resta vivo o baterista e cantor Micky Dolenz, também dublador de desenhos animados da Hanna-Barbera (também função original de Mark Hamill, antes da saga Guerra nas Estrelas).  Essa parcela do suposto “rock de mentira” até que é admirável, despretensiosa e suas músicas são muito legais e bem feitas. E esqueçamos também o eclético grupo Gorillaz, influenciado por hip hop, dub e funk autêntico, porque na prática é um projeto solo de Damon Albarn, do Blur, com vários convidados. Aqui falaremos de bandas farsantes mesmo, sejam bandas de empresários da Faria Lima, como havíamos descrito antes, seja o recente fenômeno do Velvet Sundown, grupo de hard rock gerado totalmente pela Inteligência Artificial.  O Velvet Sundown é um quarteto imaginário que foi gerado pela combinação de algoritmos que produziram todos os elementos d...

“GALERA”: OUTRA GÍRIA BEM AO GOSTO DA FARIA LIMA

Além da gíria “balada” - uma gíria que é uma droga, tanto no sentido literal como no sentido figurado - , outra gíria estúpida com pretensões de ser “acima dos tempos e das tribos” é “galera”, uma expressão que chega a complicar até a nossa língua coloquial. A origem da palavra “galera” está no pavimento principal de um navio. Em seguida, tornou-se um termo ligado à tripulação de um navio, geralmente gente que, entre outras atividades, faz a faxina no convés. Em seguida, o termo passou a ser adotado pelo jornalismo esportivo porque o formato dos estádios se assemelhava ao de navios. A expressão passou a ser usada, também no jornalismo esportivo, para definir o conjunto de torcedores de futebol, sendo praticamente sinônimo de “torcida”. Depois o termo passou a ser usado pelo vocabulário bicho-grilo brasileiro, numa época em que havia, também, as sessões de cinema mostrando notícias do futebol pelo Canal 100 e também a espetacularização dos campeonatos regionais de futebol que preparavam...

LULA DEVERIA SE APOSENTAR E DESISTIR DA REELEIÇÃO

Com o anúncio recente do ator estadunidense Michael Douglas de que iria se aposentar, com quase 81 anos de idade, eu fico imaginando se não seria a hora do presidente Lula também parar. O marido de Catherine Zeta-Jones ainda está na sua boa saúde física e mental, melhor do que Lula, mas o astro do filme Dia de Fúria (Falling Down) , de 1993, decidiu que só vai voltar a atuar se o roteiro do filme valer realmente a pena  Lula, que apresenta sérios problemas de saúde, com suspeitas de estar enfrentando um câncer, enlouqueceu de vez. Sério. Persegue a consagração pessoal e pensa que o mundo é uma pequena esfera a seus pés. Seu governo parece brincadeira de criança e Lula dá sinais de senilidade quando, ao opinar, comete gafes grotescas. No fim da vida, o empresário e animador Sílvio Santos também cometeu gafes similares. Lula ao menos deveria saber a hora de parar. O atual mandato de Lula foi uma decepção sem fim. Lula apenas vive à sombra dos mandatos anteriores e transforma o seu at...

A FALSA RECUPERAÇÃO DA POPULARIDADE DE LULA

LULA EMPOLGA A BURGUESIA FANTASIADA DE POVO QUE DITA AS NARRATIVAS NAS REDES SOCIAIS. O título faz ficar revoltado o negacionista factual, voando em nuvens de sonhos do lulismo nas redes sociais. Mas a verdade é que a aparente recuperação da popularidade de Lula foi somente uma jogada de marketing , sem reflexão na realidade concreta do povo brasileiro. A suposta pesquisa Atlas-Bloomberg apontou um crescimento para 49,7%, considerado a "melhor" aprovação do presidente desde outubro de 2024. Vamos questionar as coisas, saindo da euforia do pesquisismo. Em primeiro lugar, devemos pensar nas supostas pesquisas de opinião, levantamentos que parecem objetivos e técnicos e que juram trazer um recorte preciso da sociedade, com pequenas margens de erros. Alguém de fato foi entrevistado por alguma dessas pesquisas? Em segundo lugar, a motivação soa superficial, mais voltada ao espetáculo do que ao realismo. A recuperação da popularidade soa uma farsa por apenas envolver a bolha lulist...

ATÉ PARECE BRIGUINHA DE ESCOLA

A guerra do tarifaço, o conflito fiscal movido pelo presidente dos EUA, Donald Trump, leva ao paroxismo a polarização política que aflige principalmente o Brasil e que acaba envolvendo algumas autoridades estrangeiras, diante desse cenário marcado por profundo sensacionalismo ideológico. Com o "ativismo de resultados" pop das esquerdas woke  sequestrando a agenda esquerdista, refém do vício procrastinador das esquerdas médias, que deixam as verdadeiras rupturas para depois - vide a má vontade em protestar contra Michel Temer e Jair Bolsonaro, acreditando que as instituições, em si, iriam tirá-los de cena - , e agora esperam a escala 6x1 desgastar as mentes e os corpos das classes trabalhadoras para depois encerrar com essa triste rotina de trabalho. A procrastinação atinge tanto as esquerdas médias que contagiaram o Lula, ele mesmo pouco agindo no terceiro mandato, a não ser na produção de meros fatos políticos, tão tendenciosos que parecem mais factoides. Lula transforma seu...

NEM SEMPRE OS BACANINHAS TÊM RAZÃO

Nesta suposta recuperação da popularidade de Lula, alimentada pelo pesquisismo e sustentada pelos “pobres de novela” - a parcela “limpinha” de pessoas oriundas de subúrbios, roças e sertões - , o faz-de-conta é o que impera, com o lulismo se demonstrando um absolutismo marcado pela “democracia de um homem só”. Se impondo como candidato único, Lula quer exercer monopólio no jogo político, se recusando a aceitar que a democracia não está dentro dele, mas acima dele. Em um discurso recente, Lula demoniza os concorrentes, dizendo para a população “se preparar” porque “tem um monte de candidato na praça”. Tão “democrático”, o presidente Lula demoniza a concorrência, humilhando e depreciando os rivais. Os lulistas fazem o jogo sujo do valentonismo ( bullying ), agredindo e esnobando os outros, sem respeitar a diversidade democrática. Lula e seus seguidores deixam bem claro que o petista se acha dono da democracia. Não podemos ser reféns do lulismo. Lula decepcionou muito, mas não podemos ape...

RADIALISMO ROCK: FOMOS ENGANADOS DURANTE 35 ANOS!!

LOCUTORES MAURICINHOS, SEM VIVÊNCIA COM ROCK, DOMINAVAM A PROGRAMAÇÃO DAS DITAS "RÁDIOS ROCK" A PARTIR DOS ANOS 1990. Como o público jovem foi enganado durante três décadas e meia. A onda das “rádios rock” lançada no fim dos anos 1980 e fortalecida nos anos 1990 e 2000, não passou de um grande blefe, de uma grande conversa para búfalos e cavalos doidos dormirem. O que se vendeu durante muito tempo como “rádios rock” não passavam de rádios pop comuns e convencionais, que apenas selecionavam o que havia de rock nas paradas de sucesso e jogavam na programação diária. O estilo de locução, a linguagem e a mentalidade eram iguaizinhos a qualquer rádio que tocasse o mais tolo pop adolescente e o mais gosmento pop dançante. Só mudava o som que era tocado. Não adiantava boa parte dos locutores pop que atuavam nas “rádios rock” ficarem presos aos textos, como era inútil eles terem uma boa pronúncia de inglês. O ranço pop era notório e eles continuavam anunciando bandas como Pearl Jam e...

A CORTINA DE FUMAÇA DA "SOBERANIA" DO GOVERNO LULA

LULISTAS ALEGAM QUE O PRESIDENTE LULA "RECUPEROU" A POPULARIDADE, MAS OS FATOS DIZEM QUE NÃO. O triunfalismo cego dos lulistas teve mais um impulso diante dos tarifaços do presidente dos EUA, Donald Trump, que pelo jeito transferiu a sua esfera de reality show  para a polarização política. Lula, supostamente vitorioso no episódio, havia se reunido ontem com o empresariado para responder à medida lançada pelo empresário-presidente na pátria de Titio Samuca. Essa suposta vitória se deu pela campanha que os lulistas - que, na prática, são a maior e principal corrente dos movimentos identitários brasileiros - estão lançando, a partir do próprio Governo Federal, defendendo a "soberania" brasileira, em tese insubmissa aos EUA. Lula também anunciou a criação de dois comitês para reagir ao tarifaço do presidente estadunidense. Dizemos em tese, porque nosso culturalismo brasileiro - que vai além das pautas politicistas do "jornalismo da OTAN" - se vale por uma músi...