Algo está estranho e muita gente está com dificuldades de compreender. Nunca na história do nosso país vivemos um cenário sociopolítico e cultural bastante complicado. Nem sob Jair Bolsonaro a complicação foi tão grande, pois pelo menos, sob um governo aberrante como ele, se podia identificar o que estava errado sem o risco de muito cancelamento.
Agora que o atual governo Lula deslumbra muita gente, esperava-se que seus adeptos fossem ao menos mais tolerantes e pacientes e não adotassem o discurso do ódio. Só que nossa sociedade contraditória mostra que o maniqueísmo entre raiva e não-raiva não faz sentido, porque o não-raivismo também mostra surtos de raiva aqui e ali.
Lula cada vez mais está fazendo concessões para viabilizar-se politicamente. Na campanha presidencial, falava-se em "manter a governabilidade" com a articulação da "frente ampla" que substituía o esquerdismo tradicional pela "democracia". Uma estranha democracia, que eu chamava de "democracia de cabresto", porque na prática um candidato, Lula, se impunha como "o único", puxando o tapete dos concorrentes.
Agora Lula, que não conseguiu melhorar drasticamente a política de preços, a ponto dos mais pobres poderem abastecer substancialmente seus lares de comida farta, pensa até em "parcerias" com outros países para monitorar a Amazônia por satélite estrangeiro - ironicamente, uma herança do governo Michel Temer - e até fazer concessões para a exploração do petróleo amazônico, o que soa uma privatização disfarçada.
Lula também quer mudar o ministério, aumentando a influência do Centrão, e deputados petistas da Câmara dos Deputados aprovaram uma medida que favorece as grandes empresas midiáticas, a serem as mais beneficiadas nas verbas de publicidade digital, conforme prevê o projeto de lei 2.370, o "PL da Globo", o que faz Lula repetir a mesma atitude de passar pano no poder da Rede Globo em vez de criar uma mídia democrática própria e atuante.
O que não acredito que seja compensador a entrada do canal do Partido dos Trabalhadores na TV por assinatura, porque se trata de um canal de um partido político, não um canal que possa contribuir para a democratização dos meios de comunicação.
No Brasil 247, foi o jornalista Breno Altman, do Opera Mundi, convidado do canal, fazer um comentário de indignação com a aceitação de Lula em compactuar com a grande mídia - que, na visão do presidente, seria uma "estratégia" para evitar os ataques - , que foi atacado por um internauta de "esquerda" com linguagem tipicamente bolsonarista, incluindo erros grosseiros de português.
Altman fez duras críticas porque o jornalista do Opera Mundi tem uma visão próxima das esquerdas de raiz. Ele é filiado ao PT e faz parte do grupo ligado às raízes esquerdistas e trabalhistas, diferente de Lula, há muito tempo comandando o que nos bastidores se chama de "direita do PT", que tem em Fernando Haddad um dos principais membros.
Breno comparou a complacência de Lula com a ilusão de que, financiando a grande mídia, o presidente será poupado dos ataques: "Estão construindo uma política de apaziguamento a partir de benesses, como se acreditassem que o jacaré não vai morder por estar sendo alimentado. É uma ilusão".
Eis que um internauta, no espaço de mensagens, resolveu despejar a sua hidrofobia, o que dá o tom da má vontade dos lulistas em aceitar críticas ao governo Lula, pelo trauma do bolsolavajatismo que caluniou o hoje chefe do Executivo federal. Não aceitam que Lula pode e deve ser criticado pelos erros que realmente comete e fazer essas críticas nada tem a ver com bolsonarismo nem com a Lava Jato. Vejamos então o que escreveu o internauta:
"Breno mané vamos falar das jóias cara , nas coisas reais , sai dessa tua bolha idiota se
achando , essas empresas te dá muito espaço para essas sua bobagens , teu mito roubou jóias etc.. e tu vive nesse seu ódio ao Lula babaca ! Fala dá tragédia que o teu bolsonarismo trouxe com seu voto !! tá aí os escândalos e tu falando do lula vai te catar otário Altman".
Trata-se de uma resposta raivosa, reacionária, o que mostra o quanto o lulismo e as esquerdas médias, incluindo as identitárias, também têm seus surtos de hidrofobia crônica. Como existe hidrofobia no "funk", no futebol brasileiro, na religião "espírita" e alguns outros fenômenos que, pegando carona no atual momento, juram não exercer a raiva bolsonarista. Mas vai que cutucam essas hienas com vara curta e a raiva análoga ao ódio bolsonarista entra em ação.
Esse problema todo tem raiz, pois o bolsonarismo e o esquerdismo de butique de hoje em dia são herdeiros de um cenário desolador mas erroneamente visto como "saudável nostalgia". Usar a memória afetiva da infância e adolescência para apoiar o viralatismo cultural de 50 anos atrás é terrível.
Mas isso criou condições para as convulsões sociais que hoje vivemos e que fazem com que a "boa" sociedade odeie senso crítico tanto quanto os bolsomínions. Sim, existem lulomínions nas redes sociais. Triste.
Comentários
Postar um comentário