SÃO JOÃO DE DEUS E SÃO FRANCISCO XAVIER - Nomes "plagiados" por dois obscurantistas da fé neomedieval "espirita".
Sendo na prática uma mera repaginação do velho Catolicismo medieval português que vigorou no Brasil durante boa parte do período colonial, o Espiritismo brasileiro apenas usa alguns clichês da Doutrina Espírita francesa como forma de dar uma fachada e um aparato pretensamente diferentes. Mas, se observar seu conteúdo, se verá que quase nada do pensamento de Allan Kardec foi aproveitado, sendo os verdadeiros postulados fundamentados na Teologia do Sofrimento da Idade Média.
Tendo perdido fiéis a ponto de cair de 2,1% para 1,8% segundo o censo religioso de 2022 em relação ao anterior, de 2012, o "espiritismo à brasileira" tenta agora usar como cartada a dramaturgia, sejam novelas e filmes, numa clara concorrência às novelas e filmes "bíblicos" da Record TV e Igreja Universal.
E aí vemos que nomes simples e aparentemente simpáticos, como "Nosso Lar" e "A Viagem", são utilizados para sugerir falsa simplicidade nos títulos, ao mesmo tempo que também transmitem uma pompa para supostos mundos espirituais, concebidos de maneira fantasiosa e sem qualquer tipo de fundamentação científica ou coisa parecida.
Na verdade, esse hipotético "outro lado da vida" é concebido, na verdade, como desculpa para os "espíritas" defenderem o sofrimento humano. Em outras palavras, os oprimidos têm que suportar, de preferência calados e sem sequer gemer de dor, as piores desgraças, porque na "pátria espiritual" o infortunado receberá as ditas "bênçãos infinitas".
Vi várias páginas e obras "espíritas" que são mais perversas que muitos neopentecostais. Livros mediúnicos, falsamente atribuídos a espíritos de escritores mortos, amaldiçoando pessoas que reclamam da vida por se sentirem "capachos do destino". Relatos hipócritas do tipo "enquanto você reclama da vida, os passarinhos cantam e o rio segue seu curso". Pregadores dizendo que o arrependimento é inútil, pois o oprimido tem que suportar as piores desgraças em troca de sua própria salvação.
Essa hipocrisia tem ainda um dado vergonhoso e altamente deplorável. Houve pregador "espírita" dizendo que "ninguém está aí (na vida terrena) por turismo", o que é um grave ato falho. Afinal, um "médium" falecido há alguns meses e que encerrou a vida apoiando Jair Bolsonaro só fez turismo no exterior, se pavoneando em palestras oportunistas na tentativa de ganhar fama internacional vendendo mentiras obscurantistas.
O que chama atenção nessa Catolicismo medieval de botox é que, não bastasse a evocação de supostos espíritos de padres jesuítas, o que diz muito do medievalismo disfarçado de ecumenismo futurista do Espiritismo brasileiro, vimos dois "médiuns" ("médium" é o nome do sacerdote dessa religião) cujos codinomes foram inspirados em dois santos católicos.
Estes santos são o célebre espanhol São Francisco Xavier (1506-1552), considerado pela tradição católica o padroeiro das missões por converter muitas pessoas ao Catolicismo, e o português São João de Deus (1495-1550), como o santo dos doentes e enfermos.
Os dois nomes inspiraram dois obscurantistas brasileiros, um de Pedro Leopoldo, Minas Gerais, e outro de Abadiânia, Goiás, mas ambos atuantes no Triângulo Mineiro e protegidos do coronelismo desta região, famosa por uma pecuária que explora o gado zebu, espécie bovina considerada uma das mais caras do mundo, a adotar esses codinomes.
A ideia é criar nomes "genéricos" que pudessem criar uma associação indireta aos santos originais, como um suposto diálogo com a religiosidade católica, independente desta ser medieval ou não. Aliás, o Espiritismo brasileiro, apesar do forte e explícito conteúdo medieval, renega ser reconhecido sob esta condição, se travestindo de pretenso intelectualismo marcado por uma "saudável" religiosidade espiritual.
O uso desses nomes "genéricos" seria também uma forma de promover um sensacionalismo místico e iludir fiéis em torno desse falso divinismo. E isso é crucial para o ultraconservadorismo dos dois "médiuns" que utilizam tais codinomes buscar maior popularidade, por soar parecido aos nomes dos santos, forjando uma pretensa aura "celestial" com o objetivo de intimidar as pessoas, iludidas com a alegada superioridade de tais obscurantistas da fé neomedieval.
O AI-5 conseguiu fazer o mais antigo dos dois "médiuns" uma pretensa unanimidade, se baseando na mesma narrativa que o jornalista inglês, conservador e colaborador da CIA, Malcolm Muggeridge, fez para promover Madre Teresa de Calcutá, depois desmascarada pelo também jornalista inglês Christopher Hitchens.
Na época, a Rede Globo de Televisão foi designada para criar do referido "médium" uma imagem gloriosa de pretenso filantropo, com o objetivo de alcançar uma pretensa unanimidade a ponto de exercer, sobre segmentos sociais desaprovados pelo "médium" mineiro, como roqueiros, esquerdistas, ateus e atrizes sensuais, uma "síndrome de Estocolmo" manifesta pela adoração ao referido obscurantista religioso.
Isso ocorreu dentro de um processo em que a ditadura militar, sob o pretexto de promover uma "diversidade religiosa", patrocinou o Espiritismo brasileiro e seitas neopentecostais como Igreja Universal do Reino de Deus e Igreja Internacional da Graça de Deus para combater, pela concorrência, a Teologia da Libertação católica, que atuava em oposição à repressão ditatorial, auxiliando os movimentos populares e denunciando os crimes do DOI-CODI a entidades internacionais de direitos humanos.
Os dois "médiuns" se envolveram em escândalos e crimes gravíssimos, que iam do uso indevido de nomes de mortos para promover mistificação - o caso Humberto de Campos foi o mais grave disso e quase levou o "médium" mineiro para a cadeia em 1944, desfecho evitado por um juiz suplente com atuação similar a de um Sérgio Moro - a defesa extremada da ditadura militar e, no caso do "médium" goiano, exercício ilegal da medicina, enriquecimento ilícito e abuso sexual, entre outros crimes.
Por sorte da religião "espírita", o "médium" mineiro teve mais sorte porque o Brasil viveu sob o signo do AI-5, apesar do esforço solitário da revista Realidade, na edição de novembro de 1971, através do famoso e conceituado repórter José Hamilton Ribeiro (conhecido pela sua atuação no programa Globo Rural, também da Globo), que tentou desmascarar o "médium" e conseguiu, ao pedir uma "psicografia" de um falecido fictício que o obscurantista de Pedro Leopoldo e Uberaba acabou escrevendo.
Não havia Internet - na época, esta se reduziu apenas a uma privativa tecnologia militar dos EUA - nem a atuação de mídias alternativas nem qualquer contraponto da opinião pública. Por isso, foi fácil promover o "médium" que mais defendeu (e, pasmem, colaborou plenamente!) com a ditadura militar, a ponto de ser condecorado pela Escola Superior de Guerra (o "cérebro" do regime), tentando vendê-lo como uma figura "universal", chegando a enganar milhões e milhões de pessoas, incluindo gente de esquerda ou ateia ou pessoas ligadas a manifestações culturais mais arrojadas, desaprovadas pelo "espírita".
Por isso, o "médium" que, sob suas costas, pesam escândalos gravíssimos como o consentimento com a morte suspeita do sobrinho Amauri Pena, por possível envenenamento (crime alertado com antecedência pela revista Manchete de 09.08.1958) e a suspeita de ter planejado as fraudes de materialização da ilusionista Otília Diogo, entre 1963 e 1965, conseguiu passar por cima de tudo isso e ganhar adoração de milhões de incautos mesmo após seu falecimento em 2002, após a fraudulenta vitória da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo daquele ano.
A mesma sorte não teve o "médium" goiano, que por sinal começou sua carreira ajudando justamente o "médium" mineiro acima citado, tendo sido considerado pupilo deste. Afinal, com uma Internet mais atuante e com pessoas podendo realizar denúncias sem serem presas por isso, o "médium" de Abadiânia, que recebeu do "médium" de Uberaba um terreno para construir sua Casa Dom Inácio de Loyola - o que derruba a tese de que o dito "carteiro de Deus" teria feito votos de pobreza, com suspeita de ter recebido títulos de propriedade dos "coronéis" de Uberaba - , pôde ser desmascarado.
Dessa maneira, vemos o quanto o Espiritismo brasileiro tornou-se uma religião sórdida, oportunista, que se vale de falsa modéstia, com "médiuns", pregadores, escritores e tarefeiros usando a humidade de fachada para esconder suas riquezas na Terra, com apartamentos caros em orlas marítimas ou títulos de propriedades de fazendas, além dos prêmios que se acumulam a suas posses materiais, de maneira vergonhosa e constrangedora.
Ver que dois santos católicos tiveram seus nomes "plagiados" por dois obscurantistas exploradores do sofrimento alheio é preocupante, e durante muitos anos esses charlatães conseguiram enganar muita gente, principalmente personalidades internacionais, e usavam a caridade apenas como fachada para seu poder abusivo de pregar ideias medievais como se fossem "atemporais".
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