Pular para o conteúdo principal

ONDA DOS 'FLASH BACKS' VENDE GATO POR LEBRE


A onda nostálgica referente aos anos 1980 - na verdade, um balaio de gatos saudosista que mistura anos 1960, 1970 e até 1990 no confuso rótulo "anos 80", trabalhado pelos Ploc 80 da vida - faz com que o hit-parade se recicle de maneira mentirosa, se vendendo como "vanguarda" ou "música alternativa".

Reciclar o mainstream como se fosse cult é uma grande propaganda enganosa. É vender gato por lebre, que já desnorteia a cultura dos EUA, imagine então no Brasil, onde a cultura está nas mãos de uns empresários ricos do entretenimento popular, juvenil ou popularesco - eles determinam até as gírias que os brasileiros devem falar, como a farialimer-jovempaniana "balada" - , complicando ainda mais a mesmice que assola nosso país.

Aqui o chamado "adulto contemporâneo" ou flash back, por exemplo, é uma repetição incessante de grandes sucessos, um hit-parade martelado ad nauseam nos ouvidos do público brasileiro médio. Independente daqui de julgar os méritos musicais dos intérpretes envolvidos - de fato, há muita música boa nesta empreitada, embora também haja muita porcaria - , o que se nota é o critério único do sucesso comercial, que no nosso país é gourmetizado a níveis bastante surreais.

Num país onde a positividade tóxica já converte o Brasil-Instagram num Brasil-Tik-Tok, com a mais completa infantilização dos adultos e o rebaixamento da cultura a um consumismo de emoções baratas e idiotizadas, mesmo o melhor do hit-parade torna-se questionável na sua retomada ao sucesso. Afinal, o nosso mercado de música estrangeira é dos mais provincianos e não permite que o público brasileiro esteja realmente sintonizado com o que ocorreu ou ocorre lá fora.

O que nós temos é um mercado dominado por representantes de editoras estrangeiras de música. Ou seja, quem tem dinheiro para alugar o copyright dos sucessos musicais estrangeiros. Quanto maior esse sucesso, mais fácil as editoras brasileiras ou as filiais e representantes de editoras estrangeiras comprarem canções estrangeiras para rolar o tempo todo nas rádios.

Pode ser uma banda de soft rock ou um obscuro nome da dance music que mais faz sucesso no Brasil do que no seu país de origem, esse mercado de flash backs controlado por uma meia-dúzia de executivos que integram uma elite que controla o gosto musical dos brasileiros é movido por uma grande hipocrisia, principalmente quando rebaixa muitos nomes bacanas injustamente como one-hit wonders. Isso num mercado em que você sabe previamente qual a música de tal intérprete será tocada nas rádios e nas festas.

Exemplos? Aqui vão alguns:

1) Grupos de tecnopop como Icehouse e Berlin são muito mais bacanas que seus únicos sucessos, as boas mas surradas "No Promises" e "Take My Breath Away", sugerem. Com todo respeito a estas músicas, elas não servem como cartão de visita para esses grupos, já que as demais canções mostram um repertório mais criativo;

2) Um compositor produtivo e artista renomado como Elvis Costello é conhecido no Brasil apenas por uma cover menos inspirada de "She", sucesso de Charles Aznavour. Nem de longe essa gravação é uma amostra do gigante do rock alternativo que o músico representa no Reino Unido e nos EUA;

3) Outra banda com repertório mais bacana do que seu único grande sucesso pode sugerir é o grupo Housemartins, da qual o Norman Cook, antes de se tornar famoso no projeto Fatboy Slim, foi baixista. O grupo é conhecido apenas pela melancólica e bela, porém surrada, "Build", que esconde um grandioso repertório de excelentes canções no curto tempo em que essa banda existiu. Agora, falam muito que "Build" dos Housemartins é a "melô do papel", mas ninguém fala, por exemplo, que "Shape of You", de Ed Sheeran, é a "melô do ula-ula", por conta do "Oh I Oh I" que soa igual ao nosso "ula-ula".

Enquanto isso, temos coisas aberrantes, como atribuir a Johnny Rivers - cantor mediano que, lá fora, é apenas razoavelmente reconhecido como um crooner comercial de sucessos pop - a "autoria" de "Do You Wanna Dance?", que no entanto, nos EUA, é reconhecida composição de seu primeiro e original intérprete, Bobby Freeman, e que se tornou sucesso naquele país em 1964 pela banda Beach Boys (que no mercado hit-parade é "castigada" por ser a banda do sucesso "Barbara Ann", em que pese o público de rock daqui valorizar o Pet Sounds).

Independente do valor duvidoso ou não, nomes como Double You, Haddaway, Century e outros são apreciados sem que eles sejam conhecidos, por um público deslumbrado de ouvintes que agem como focas amestradas, ouvindo um pop estrangeiro que eles acham "genial" porque é apenas pop estrangeiro.

Isso reflete uma atitude subserviente dos brasileiros àquilo que pensam ser o som contemporâneo do pop estrangeiro, embora muita coisa nem fez tanto sucesso assim como se imagina aqui. E o pior é que hoje em dia se vende gato por lebre e o Instagram, o Olimpo da burrice humana no Brasil, tenta dar a impressão de que o pop de sucesso é "vanguarda", e muita gente posa de "alternativa" ouvindo o "feijão com arroz" do hit-parade.

Isso é assustador, dentro do contexto em que o nosso país está tomado de uma cegueira emocional da positividade tóxica, a obsessão doentia pela diversão que desnorteia o mercado de trabalho e trava os olhos e mentes das pessoas. Fora dessa bolha do Brasil-Instagram, agora Brasil-Tik-Tok onde as pessoas comemoram antes de reconstruir o nosso país, há muita miséria e muita gente assalta para comprar comida. 

Há um triste drama fora desse clima de festa, em que uma burguesia emburrecida e metida a "gente como a gente" toma as rédeas do senso comum e se acha "a humanidade por excelência". E imaginar que essa elite do bom atraso quer dominar o mundo sem compreender a música estrangeira, que aqui chega pelos filtros provincianos e seletivos de uma elite empresarial que só pensa em dinheiro e engana a todos vendendo gato por lebre, relançando o mainstream como se fosse uma "vanguarda alternativa".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

DENÚNCIA GRAVE: "MÉDIUM" TIDO COMO "SÍMBOLO DE AMOR E FRATERNIDADE" COLABOROU COM A DITADURA

O famoso "médium" que é conhecido como "símbolo maior de amor e fraternidade", que "viveu apenas pela dedicação ao próximo" e era tido como "lápis de Deus" foi um colaborador perigoso da ditadura militar. Não vou dizer o nome desse sujeito, para não trazer más energias. Mas ele era de Minas Gerais e foi conhecido por usar perucas e ternos cafonas, óculos escuros e por defender ideias ultraconservadoras calcadas no princípio de que "devemos aceitar os infortúnios e agradecer a Deus pela desgraça obtida". O pretexto era que, aceitando o sofrimento "sem queixumes", se obterá as prometidas "bênçãos divinas". Sádico, o "bondoso homem" - que muitos chegaram a enfiar a palavra "Amor" como um suposto sobrenome - dizia que as "bênçãos futuras" eram mais dificuldades, principalmente servidão, disciplina e adversidades cruéis. Fui espírita - isto é, nos padrões em que essa opção religi...

CRISE DA MPB ATINGE NÍVEIS CATASTRÓFICOS

INFELIZMENTE, O MESTRE MILTON NASCIMENTO, ALÉM DE SOFRER DE MAL DE PARKINSON, FOI DIAGNOSTICADO COM DEMÊNCIA. A MPB ainda respira, mas ela já carece de uma renovação real e com visibilidade. Novos artistas continuam surgindo, mas poucos conseguem ser artisticamente relevantes e a grande maioria ainda traduz clichês pós-tropicalistas para o contexto brega-identitário dos últimos tempos. Recentemente, o cantor Milton Nascimento, um dos maiores cantores e compositores da música brasileira e respeitadíssimo no exterior por conta de sua carreira íntegra, com influências que vão da Bossa Nova ao rock progressivo, foi diagnosticado com um tipo de demência, a demência de corpos de Lewy. Eu uma entrevista, o filho Augusto lamentou a rotina que passou a viver nos últimos anos , quando também foi diagnosticado o Mal de Parkinson, outra doença que atinge o cantor. Numa triste e lamentável curiosidade, Milton sofre tanto a doença do ator canadense Michael J. Fox, da franquia De Volta para o Futuro ...

BURGUESIA ILUSTRADA QUER “SUBSTITUIR” O POVO BRASILEIRO

O protagonismo que uma parcela de brasileiros que estão bem de vida vivenciam, desde que um Lula voltou ao poder entrosado com as classes dominantes, revela uma grande pegadinha para a opinião pública, coisa que poucos conseguem perceber com a necessária lucidez e um pouco de objetividade. A narrativa oficial é que as classes populares no Brasil integram uma revolução sem precedentes na História da Humanidade e que estão perto de conquistar o mundo, com o nosso país transformado em quinta maior economia do planeta e já integrando o banquete das nações desenvolvidas. Mas a gente vê, fora dessa bolha nas redes sociais, que a situação não é bem assim. Há muitas pessoas sofrendo, entre favelados, camponeses e sem-teto, e a "boa" sociedade nem está aí. Até porque uma narrativa dos tempos do Segundo Império retoma seu vigor, num novo contexto. Naquele tempo, "povo" brasileiro eram as pessoas bem de vida, de pele branca, geralmente de origem ibérica, ou seja, portuguesa ou...

A HIPOCRISIA DA ELITE DO BOM ATRASO

Quanta falsidade. Se levarmos em conta sobre o que se diz e o que se faz crer, o Brasil é um dos maiores países socialistas do mundo, mas que faz parte do Primeiro Mundo e tem uma das populações mais pobres do planeta, mas que tem dinheiro de sobra para viajar para Bariloche e Cancún como quem vai para a casa da titia e compra um carro para cada membro da família, além de criar, no mínimo, três cachorros. É uma equação maluca essa, daí não ser difícil notar essa falsidade que existe aos montes nas redes sociais. É tanto pobre cheio da grana que a gente desconfia, e tanto “neoliberal de esquerda” que tudo o que acaba acontecendo são as tretas que acontecem envolvendo o “esquerdismo de resultados” e a extrema-direita. A elite do bom atraso, aliás, se compôs com a volta dos pseudo-esquerdistas, discípulos da Era FHC que fingiram serem “de esquerda” nos tempos do Orkut, a se somar aos esquerdistas domesticados e economicamente remediados. Juntamente com a burguesia ilustrada e a pequena bu...

NEGACIONISTA FACTUAL E SUAS RAÍZES SOCIAIS

O NEGACIONISTA FACTUAL REPRESENTA O FILHO DA SOCIALITE DESCOLADA COM O CENSOR AUSTERO, NOS ANOS DE CHUMBO. O negacionista factual é o filho do casamento do desbunde com a censura e o protótipo ilustrativo desse “isentão” dos tempos atuais pode explicar as posturas desse cidadão ao mesmo tempo amante do hedonismo desenfreado e hostil ao pensamento crítico. O sujeito que simboliza o negacionista factual é um homem de cerca de 50 anos, nascido de uma mãe que havia sido, na época, uma ex-modelo e socialite que eventualmente se divertia, durante as viagens profissionais, nas festas descoladas do desbunde. Já o seu pai, uns dez anos mais velho que sua mãe, havia sido, na época da infância do garoto, um funcionário da Censura Federal, um homem sisudo com manias de ser cumpridor de deveres, com personalidade conservadora e moralista. O casal se divorciou com o menino tendo apenas oito anos de idade. Mas isso não impediu a coexistência da formação dúbia do negacionista factual, que assimilou as...

A IMPORTÂNCIA DE SABERMOS A LINHA DO TEMPO DO GOLPE DE 2016

Hoje o golpismo político que escandalizou o Brasil em 2016 anda muito subestimado. O legado do golpe está erroneamente atribuído exclusivamente a Jair Bolsonaro, quando sabemos que este, por mais nefasto e nocivo que seja, foi apenas um operador desse período, hoje ofuscado pelos episódios da reunião do plano de golpe em 2022 e a revolta de Oito de Janeiro em 2023. Mas há quem espalhe na Internet que Jair Bolsonaro, entre nove e trinta anos de idade no período ditatorial, criou o golpe de 1964 (!). De repente os lulistas trocaram a narrativa. Falam do golpe de 2016 como um fato nefasto, já que atingiu uma presidenta do PT. Mas falam de forma secundária e superficial. As negociações da direita moderada com Lula são a senha dessa postura bastante estranha que as esquerdas médias passaram a ter nos últimos quatro anos. A memória curta é um fenômeno muito comum no Brasil, pois ela corresponde ao esquecimento tendencioso dos erros passados, quando parte dos algozes ou pilantras do passado r...