Niterói virou uma cidade cujos cidadãos tapam olhos e ouvidos aos seus próprios problemas.
Quarta cidade oficialmente com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no Brasil, a antiga capital fluminense parece disposta a despencar, se preciso, para além de mil colocações abaixo da atual.
Enquanto a Região dos Lagos pede para a RJ-106 não bancar a "avenida de bairro" de Niterói, por ser ela uma rodovia estadual, Niterói se recusa a admitir a própria necessidade de construir nova avenida ligando Rio do Ouro a Várzea das Moças.
Repete-se o vexame que fez a via Cafubá-Charitas levar sete décadas para sair do papel.
No caso, a nova avenida Rio do Ouro-Várzea das Moças nem papel é, e os terrenos que deveriam ser demolidos para esta nova (e renegada) via continuam sendo vendidos como se permanecessem reservados para novas moradias.
O niteroiense médio leva às últimas consequências a acomodação irritante dos cariocas.
Afinal, bem ou mal, o Rio de Janeiro precisa tirar satisfações com o resto do país, apesar de seu reacionarismo potencial e sua mania de pragmatismo (ou seja, se contentar com pouco e aceitar retrocessos visando "motivos nobres).
O Rio de Janeiro precisa saber que o Brasil também tem São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Salvador, e não pode ficar a vida toda agindo em função do reacionarismo das redes sociais e da militância política.
Niterói, que parece agora gostar de sua posição subalterna diante do ilustre vizinho, 43 anos após perder o título de capital fluminense, é que se isola de maneira ainda mais preocupante.
Como já se começa a dizer nos círculos sociais, Niterói é uma cidade provinciana que nenhuma cidade provinciana gostaria de ser.
O niteroiense aceita naturalmente os problemas, do fim da Fluminense FM à falta de mercadorias nos supermercados.
Torce para times de futebol do município vizinho com a complacência de galinhas torcendo para times das raposas, deixando os times do Canto do Rio e do Tio Sam praticamente às moscas.
Mas o dado mais preocupante é que o niteroiense fuma, e fuma muito.
E fuma com uma certa arrogância. Na primeira folga do trabalho, o niteroiense médio saca um maço de cigarro e seu isqueiro e acende um para fumar.
Faz pose, fica uns tempos segurando o cigarro com a mão, como se os dedos pedissem para fumar também.
Já ouvi senhoras esnobando a tese certeira de que cigarro causa câncer. Mal sabem elas que dificilmente sobreviverão à quimioterapia.
Perdemos a comediante Márcia Cabrita, prematuramente falecida aos 53 anos, por causa do cigarro.
E os niteroienses brincam com cigarro de tal forma que acham que não vão morrer.
Niterói é uma cidade elitista, e como em toda sociedade elitista falar que cigarro faz mal, causa câncer, infarto e parada cardiorrespiratória soa ofensivo.
Começa a circular pela Internet rumores de que um conhecido ex-playboy da alta sociedade envolvido num famoso feminicídio, está com um câncer em estado bastante avançado, doença que o "acompanha" há pelo menos 30 anos.
Ele, que no passado era fumante inveterado (continua fumando até hoje), usou cocaína e se embriagou de álcool, vive há tempos sem um dos rins e estaria sofrendo de mal de Alzheimer. Só que revelar isso soa "ofensivo", em se tratando de um figurão das elites.
Mas virou tabu falar que ele está doente, e consta que a grande mídia, em seus surtos de fake news, teria inventado que ele, aos 80 anos, estava "muito ativo nas redes sociais", quando na verdade sua esposa e um assessor da empresa dele é que o representavam nessas atividades.
É muito comum um assessor atuar em nome de seu patrão nas redes sociais. Isso funciona com homens de negócios e até com celebridades.
E aí, neste episódio, se observa que as elites sempre acham que fumar demais nada tem de mais.
É terrível percorrer o Centro de Niterói ou ruas como a Moreira César, em Icaraí, e ver um monte de gente perdendo tempo com cigarro.
A Rua Coronel Moreira César deveria ser apelidada de Fumaceira César, pela ampla quantidade de fumantes que existe na rua, constantemente irrespirável por causa da irritante nicotina.
E mais uma vez esse é mais um dos tantos problemas em que os niteroienses se recusam cegamente a admitirem.
Como tantos problemas (sobretudo o caso RJ-106) dos quais os niteroienses evitam saber, o cigarro que abrevia a vida de tantos niteroienses - que, sem saber, morrem e veem amigos morrerem prematuramente "sem entenderem por quê" - é também algo que não se pode queixar.
Se divulgamos um linque sobre um problema de Niterói no Twitter, apenas uma ou duas pessoas ou, quando muito, quatro, se dispõem a ler.
É até engraçado isso, diante da comparação de Niterói com, por exemplo, Salvador.
Salvador reina no anedotário popular como uma terra de preguiçosos. Mas o povo baiano trabalha muito e, nos últimos anos, Salvador obteve progressos consideráveis na mobilidade urbana, na economia e ameaça superar a antiga monocultura da axé-music.
Niterói, que oficialmente é a quarta com melhor qualidade de vida no Brasil - título que, no entanto, é bastante discutível, mas deveria-se, ao menos, fazer por onde merecê-lo - , é que mais parece personificar o perfil preguiçoso do baiano idealizado.
O mais irônico é que Salvador é justamente uma das grandes cidades, entre capitais e outros municípios mais destacados, que MENOS tem fumantes no país.
Enquanto isso, a Niterói de "elevada qualidade de vida" não parece preocupada em fazer despencar a expectativa de vida, por causa do elevado número de fumantes.
Que Niterói é considerada cidade-dormitório (cidadãos trabalham e se divertem fora e só vivem na cidade, praticamente, para dormir em casa), é verdade, mas não a ponto de apelar para a preguiça que hoje, sob o silêncio da mídia, contagia o niteroiense médio.
O preguiçoso que não quer saber dos próprios problemas, que não liga para seu próprio prejuízo, que só sabe reclamar de quem lhe cobra providências, porque o resto ele não tem sequer interesse em reclamar.
E, no caso do cigarro, parece que o niteroiense médio está querendo se autodestruir.
Será que falta autoestima nos niteroienses?
Eles torcem para times de futebol do município vizinho, ouvem flash backs estrangeiros mofados e repetitivos e se atrevem a fumar como se houvesse sempre um amanhã para eles.
E fumam até que se deem conta do que fizeram quando voltarem ao mundo do além.
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