Faleceu, aos 96 anos, Hélio Bicudo, jurista e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), deixando sete filhos, netos e bisnetos.
Ele teria sido uma figura brilhante, que no passado combateu a ditadura militar, denunciava o Esquadrão da Morte e foi uma das vozes da redemocratização do país. E até fundou o Partido dos Trabalhadores.
No entanto, mudou de lado. E nem por ser, em si, um ex-membro do PT, mas por levar sua oposição ao partido ao ponto de defender um golpe político, pedindo a saída de uma presidenta acusada de uns meros boatos.
Se juntando ao liberal Miguel Reale Jr. e à reacionária Janaína Paschoal, Hélio Bicudo acabou defendendo uma "redemocratização" às avessas.
A foto acima, que no calor do momento parecia, aos olhos da narrativa oficial predominante, uma demonstração de civismo e cidadania, revelou-se uma grande gafe histórica.
O trio, usando e abusando da bandeira brasileira, reduzida, naquele período entre dezembro de 2015 e o fim de agosto de 2016, quando Dilma foi definitivamente expulsa do poder, teve companhias hoje consideradas inusitadas.
Passado o tempo, ou seja, pouco mais de um ano e meio após o envio do pedido a ninguém menos que o hoje detento ex-deputado Eduardo Cunha, que presidiu a Câmara dos Deputados, o que se vê é uma sucessão de situações incômodas para essa patota.
Dois terços do trio tiveram relações extremecidas: Janaína Paschoal aderiu ao bolsonarismo e Miguel Reale Jr. se entristeceu com isso e preferiu apoiar um dos dois "picolés de chuchu" mais sem graça do que o já sem graça "picolé de chuchu" Geraldo Alckmin.
Alckmin, ao menos, tenta se vender com uma imagem "moderna", pouco convincente, mas publicitariamente esforçada, como se a Avenida Paulista pudesse terminar no Palácio do Planalto.
Janaína foi apoiar, não sem algum desentendimento, o bolsonarismo, criticando o "pensamento único" dos apoiadores de Jair Bolsonaro, o que poderia fazer com que estes a chamassem de "petista enrustida", "comuna" ou até mesmo "lulodilmista".
Antes de comentarmos o fenômeno Bolsonaro após a entrevista no programa Roda Viva, voltemos a um detalhe da foto que ilustra esta postagem.
Nela se observa, ao fundo, a deputada Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson e encrencada em ações trabalhistas movidas por ex-empregados, o que lhe custou a perda do cargo de ministra temerosa do Trabalho.
Além de Cristiane, vemos Kim Kataguiri batendo palmas. Recentemente, seu Movimento Brasil Livre (aka Movimento Me Livre do Brasil) foi abatido quando o Facebook extinguiu várias páginas e perfis falsos comprometidos com a produção e compartilhamento de fake news.
A propósito, as Organizações Globo criaram um serviço chamado Fato ou Fake, que aparentemente irá checar se uma suposta informação é notícia ou fake news.
Parece piada. A Globo foi conhecida por espalhar um boato de que Lula teria sido dono do triplex do Guarujá, quando provas, ignoradas pela corporação, revelam que ele nunca se interessou pelo imóvel, até porque é localizado numa praia barulhenta, que impedia a privacidade.
Mas não é só isso. A Globo também fez outras fake news, até mesmo para proteger o machismo.
Em 2015, inventou que um velho feminicida, cujo crime repercutiu muito no Brasil e cuja impunidade foi feita com a ajuda de um notável jurista, estava "muito ativo nas redes sociais" aos 80 anos, como se ele tivesse fôlego de youtuber de 16 anos.
É #Fake. O sujeito em questão está doente há trinta anos, devido a um passado de cigarro, álcool e cocaína que afligia seus amigos - vide os periódicos da época do crime - e tudo o que esse senhor quer é repousar.
Quem teria fôlego para estar muito ativo nas redes sociais, aos 80 anos, era o grande Luiz Carlos Maciel, mas ele não sobreviveu a tanto.
Quem está "muito ativo nas redes sociais" é seu assessor e algum familiar que o representam nos perfis sociais.
É comum que se representem empresários e famosos nas redes sociais, e seus perfis são monitorados não pelas pessoas físicas em si, mas por terceiros.
Imagina-se que o feminicida, que moveu ações para impedir que se faça um filme baseado no crime que ele cometeu (ele também escreveu um livro dando sua visão sobre o ato, obra que encalhou, apesar de suas últimas aparições na mídia, em 2006), só queira repousar.
Ele não vai querer encarar, no fim de sua vida, notícias amargas direta ou indiretamente ligadas a ele, ainda mais quando o feminicídio hoje é crime hediondo, diferente do que era há 37, 42 anos.
Mas, paciência, machista odeia revelar que está doente, principalmente um machista das antigas.
Só que vivemos num país surreal. Um país em que se permite que Bolsonaro seja um grande favorito, apesar de NADA representar de proveitoso para os brasileiros.
Sua presença no programa Roda Viva, da TV Cultura, é um desastre pior do que o referido programa.
Ele expressou seus preconceitos de sempre, defendeu projetos econômicos prejudiciais aos brasileiros, e disse que o golpe militar de 1964 "não existiu".
Embora tivesse uma postura de firmeza nas declarações, mostrou insegurança de ideias.
Se o Brasil não fosse esse país surreal, de tragicomédia kafka-buñueliana, quem estaria preso era Bolsonaro e não Lula.
Afinal, Bolsonaro, de maneira comprovada, cometeu crimes de injúria racial e apologia ao estupro, é acusado de enriquecimento ilícito, seus apoiadores se comportam como uma sutil alusão a um grupo paramilitar e até os filhos do "mito" fazem apologia à violência nas redes sociais.
É muito crime para deixar o cara solto por aí. No mínimo, Jair Bolsonaro teria tido o registro de candidatura presidencial cancelado.
É verdade que o golpe político de 2016 foi, na verdade, a "erupção" de um "vulcão adormecido" em 1974, ano em que as elites conservadoras consideraram que o Brasil atingiu "um nível ideal de nação".
Dez anos de ditadura militar, extermínio de oposicionistas, relativo sucesso de um projeto econômico para as elites, a classe média e os ricos (segundo avaliação de Jessé Souza).
O período 1974-1977, que também se valeu pela bregalização do país - causa que intelectuais "bacanas" infiltrados nas esquerdas se empenhavam para forçar o apoio destas - , criou todo um imaginário que, reforçado nos pragmáticos anos 90, resultou na mentalidade golpista pós-2013.
E aí a morte de Hélio Bicudo revelou o dado melancólico de um jurista que botou sua grandeza democrática a perder.
Outrora ativista dos direitos humanos da redemocratização do Brasil, Hélio Bicudo mordeu a isca dos manifestoches e se tornou um, e acabou defendendo o inverso do que havia defendido há cerca de 35 anos.
Se achando patriota com seu ato de apoiar o pedido de impeachment, entregue a um inexpressivo político carioca que foi feito deputado federal, Bicudo pôs o Brasil em situação vulnerável.
Estamos perdendo nossas riquezas e o povo está desamparado pelas leis. E há um forte risco de um fascista entrar no segundo turno das eleições presidenciais.
Não seria hora das esquerdas considerarem a "Solução Pindamonhangaba" da competição Ciro-Alckmin para o segundo turno?
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