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O PREÇO QUE PAGAMOS PELA CHORADEIRA DO "FUNK"


Diz o ditado popular: "Quem nunca comeu doce, quando come, se lambuza". Vide a "fábrica de novos ricos" das loterias e promoções de produtos que, premiando quem menos tem necessidade de ter muito dinheiro, faz essas pessoas gastarem o que não se deve, pois o desejo de ter muito dinheiro não condiz com a real necessidade (tipo pagar dívidas), pois é como alguém com apetite maior do que a fome.

É gente que, estreando a grande obtenção de dinheiro, quer só para si. Gastam com supérfluos e artigos nocivos: carrões, viagens turísticas só para "se colocarem" nas paisagens estrangeiras da moda, cigarros e cervejas, enquanto quem não tem dinheiro acumula dívidas, passa fome e, em muitos casos, não tem casa para morar. Desigualdades que a "sociedade do amor", em vez de resolver, só faz agravar.

E aí vemos, no âmbito da música brasileira, os ídolos brega-popularescos partindo para a choradeira. Há uns 20 anos, todos os fenômenos popularescos investiam nessa choradeira. A axé-music já chorava "contra o preconceito" nos anos 1990. Pouco depois, "sertanejos" e funqueiros comandavam a mesma choradeira, numa "frente ampla" de popularescos em busca da gourmetização do comercialismo musical rasteiro, que vai desde o mais antigo ídolo da música brega ao mais novo nome do trap.

Falando em trap, na semana passada um dos ídolos do trap, o carioca MC Poze do Rodo, intermediário entre as gerações recentes do "funk carioca" com os primeiros nomes do trap, a franquia trazida pelo "funk ostentação" paulista, esteve envolvido, mesmo de forma indireta, em um sério escândalo.

A Operação Rifa Limpa, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, está investigando denúncia de que a esposa do funqueiro, Vivi Noronha, estaria organizando sorteios ilegais de rifas. O objetivo da investigação é saber a origem do rico patrimônio do funqueiro e obter documentos que consigam comprovar os indícios de fraudes na realização de sorteios e nos bens sorteados aos supostos ganhadores.

MC Poze tem um patrimônio milionário e uma frota de carros de luxo, como é de praxe em muitos nomes do gênero. Cobrava por cada apresentação um cachê de R$ 20 mil. Na operação contra os jogos de azar, dois quilos de peças de ouro avaliado em um valor de R$ 2,8 milhões foram apreendidos, junto a outros bens do funqueiro.

No vídeo divulgado no Instagram, MC Poze, oriundo da comunidade do Rodo, em Santa Cruz, na Zona Oeste carioca, tentou ensaiar vitimismo: "Meus carros, meus ouros, meu celular, tudo que levaram, porque levaram tudo, e eu não tô nem no bagulho".

Juntamente com o MC, outros acusados tiveram bens apreendidos pela Polícia Civil: Roger Rodrigues dos Santos, o Roginho Dú Ouro; Jonathan Luis Chaves Costa, o Jon Jon; e Leandro Medeiros, o Lacraia. Todos atuam como influenciadores, assim como Vivi Noronha.

Esse é mais um episódio que cobra o preço de como nos deixamos levar pelo discurso choroso e martelado da intelectualidade "bacana" a respeito do "funk", aquela narrativa lacrimosa "contra o preconceito", supostamente "em favor das periferias", porque o "funk" era "o som dos pretos e favelados".

Toda essa falácia, despejada em grande quantidade a partir da mídia empresarial, como O Globo, Folha de São Paulo e até Caras, Estadão e mesmo uma Veja na sua fase hidrófoba, contaminou a mídia de esquerda, que passou a pautar valores da "cultura popular" que parecem ter saído da mente de Otávio Frias Filho e que foram divulgadas pelo seu "menino de ouro" Pedro Alexandre Sanches, nos seus passeios proselitistas nas redações da mídia esquerdista.

E aí vemos que levamos gato por lebre. Acreditamos que o jabaculê da música brega-popularesca do passado remoto (ídolos cafonas), do passado recente (popularescos dos anos 1980-1990-2000) e da atualidade (como o piseiro, o trap e a sofrência), trariam o folclore do futuro, o que tornou-se uma grande mentira.

Hoje, a MPB e o Rock Brasil perderam o espaço e, tendo sufocadas as chances de dialogar com as novas gerações, envelhecem e, aos poucos, perdem seus artistas. Dois letristas de Rock Brasil nos deixaram, Antônio Cícero e Tavinho Paes. A MPB está perdendo seus nomes e as novas gerações ainda estão muito longe de representar, em visibilidade e criatividade, a herança artística dos que partiram.

Enquanto isso, num Brasil onde há até o brega-popularesco para a alta sociedade - vide o crooner breganejo Daniel cantando o Hino Nacional Brasileiro no Grande Prêmio de Interlagos - , o MC Poze do Rodo tornou-se, pasmem, o "Renato Russo" da geração milenial iludida com o engodo identitário dos tempos atuais. 

É sinal de que nosso Brasil está profundamente degradado e que é inútil aumentar as verbas para a Cultura. Nas mãos dos funqueiros, por exemplo, mais de duas décadas de investimentos do Ministério da Cultura só fizeram o "funk" se enriquecer de forma abusiva, e o único investimento que se fez foi comprar a franquia do trap, através das verbas que o PSDB paulista ofereceu para o "funk ostentação".

Daí que, mais uma vez, nos sentimos enganados e t(r)apeados com esse papo-cabeça do "combate ao preconceito" que tivemos que aturar em série durante anos.

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