A retomada reacionária de 2016 demonstrou ser uma época tão complexa que nem mesmo aqueles que a idealizaram, a geração born in the 50s que está na casa dos 70 anos, conseguem entender. Até mesmo o que parecia, tempos atrás, uma piada do seriado Simpsons, Donald Trump presidindo os EUA, não só se tornou uma realidade tempos atrás como ela agora se repete.
Num processo de eleição indireta, quando os estadunidenses votam e os delegados é que decidem pela vitória eleitoral, o republicano Donald Trump venceu, por 295 a 226, tendo 72.560.841 dos votos válidos (50.9%), a democrata Kamala Harris, que teve 67.878.826 (47.6%).
A campanha ocorrida antes da inesperada vitória fez crer que Kamala, aparentemente representando o "novo" na sociedade estadunidense, venceria as eleições com certeza absoluta, num processo em que as esquerdas médias brasileiras poderiam atribuir ao "Efeito Lula".
Devemos lembrar, com muita cautela, que Kamala Harris não é esquerdista. Ela foi adotada pelas esquerdas identitárias, mas a candidata derrotada é da direita moderada, neoliberal convicta na economia mas apenas flexível nas pautas de costumes.
Lembremos, também, que o Partido Democrata é bem mais cruel do que o Partido Republicano no que se refere à política externa. É certo que o Partido Republicano pega pesado, mas, em termos de Oriente Médio, por exemplo, são os democratas os mais violentos.
Foi sob governos do Partido Democrata que ocorreram os golpes políticos contra João Goulart, em 1964, e Dilma Rousseff, em 2016. Enquanto isso, os lulistas acreditaram cegamente que a aliança entre Lula e Joe Biden supostamente em favor dos sindicatos era para beneficiar as classes trabalhadoras. Essa farsa fez Joe Biden virar o "queridinho" dos lulistas até que a retomada da agenda do conflito entre Israel e povo palestino devolvesse as esquerdas médias brasileiras à realidade.
Pelo jeito, infelizmente, as esquerdas médias brasileiras e os movimentos identitários estadunidenses simplesmente não estão dispostos a encarar a realidade, vivendo numa atmosfera de sonho, que no Brasil prevalece quando as pessoas imaginam que Lula irá sair incólume a esse quadro complexo que, na Argentina, fez o extremo-direitista Javier Milei ser eleito.
Certamente Lula vai aumentar a flexibilização política abrindo mão do que restou, se é que restou alguma coisa, do seu projeto progressista. Já se fala em celetizar os servidores públicos, rumores que, juntamente com a exclusão da carne da cesta básica e o aumento dos cortes de gastos, se configuram como ameaças que nivelam o governo Lula aos piores momentos dos governos de Collor e FHC.
Lula deve tentar ampliar a frente ampla demais de tal forma que soa risível atribuir algum esquerdismo sério ao presidente. E, diante dos ventos reacionários que os EUA podem trazer para o Brasil, Lula terá que agir para que, ao menos, consiga passar, em segundo turno, por um placar mais apertado do que o de 2022.
As esquerdas médias "sonharam demais". Acreditavam num mundo festivo e, se aliando à burguesia ilustrada, acharam que poderiam convencer as classes trabalhadoras com um mundo "mais democrático". Mas se tratava de uma "democracia de cima", na qual os mais abastados é que ficavam com os privilégios, transformando o Brasil num parque de diversões, enquanto as classes populares viam seus dramas dos tempos de Michel Temer continuarem intatos no país de Lula 3.0.
A vitória de Donald Trump é ruim para o mundo. Mas é necessária para reeducar as pessoas, pois talvez tenhamos que aguentar a luta entre o pesadelo e o sonho para que a realidade, deixada de lado, pudesse retornar. Nos EUA, o pesadelo de Trump se sobressaiu ao sonho encantado de Kamala Harris rodeada por celebridades, e isso pode ameaçar o sonho dourado de Lula, que ainda não digeriu o recado das eleições reacionárias do Brasil de 27 de outubro, por ironia o dia do aniversário do presidente.
Os EUA são um país bastante complexo, mas o Brasil torna-se ainda mais. Cabe agora encarar os pesadelos de Trump, Milei e similares, rodeado de personalidades que incluem de Pablo Marçal a Elon Musk, para que possamos repensar a realidade, não mais como uma sucursal do sonho, mas como uma semente que, brotando do solo, crie uma árvore com as raízes no chão.
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