No último fim de semana, a professora e filósofa Marilena Chauí comparou o telefone celular a um objeto de servidão, fazendo um contundente comentário a respeito do vício das pessoas verem as redes sociais. Ela comparou a hiperconectividade a um mecanismo de controle, dentro de um processo perigoso de formação da subjetividade na era digital, marcada pela necessidade de "ser visto" pelos outros internautas, o que constantemente leva a frustrações que geram narcisismos, depressão e suicídios.
A dependência do reconhecimento externo faz com que as redes sociais encontrem no Brasil um ambiente propício dessa servidão digital, que já ocorria desde os tempos do Orkut, em 2005, onde havia até mesmo os "tribunais de Internet", processos de humilhação de quem discorda do que "está na moda".
Noto essa obsessão das pessoas em brincarem de serem famosas. Há uma paranoia de publicar coisas no Instagram. Eu tenho um perfil "clandestino" no Instagram, no qual não publico postagens, apenas leio as novidades dos canais que estou seguindo. Até faço comentários, quando sinto necessidade, mas eu me sinto ocupado demais para ficar fazendo postagens no Instagram, assim como fazer plantão no Facebook durante horas.
Marilena Chauí fala da falsa sensação de liberdade e de autonomia, marcada pelo uso frenético das redes sociais, pela ilusão profissional do empreendedorismo do "precariado", como se a pejotização profissional fosse algo que acrescentasse alguma reputação na profissão de alguém.
Posso inferir que essa falsa autonomia profissional provoca a insegurança dos trabalhadores - afinal, eles servem a um "patrão" invisível contra o qual estão impossibilitados de reagir, pois esse "patrão" simplesmente "não existe", o que faz com que esse trabalho precário, "novidade" da Era Temer, disfarçasse a servidão a grandes corporações e dificultando a coesão antes construída pelas relações sociais concretas entre as classes trabalhadoras.
Essa realidade faz com que, segundo Marilena, a digitalização rompesse a relação física do indivíduo com o tempo e o espaço, afetando a percepção e o sentimento do corpo, que perde seu papel de participante no mundo de percepções e sentimentos. A filósofa também afirma que as fake news têm um papel que vai além da desinformação, controlando e manipulando as percepções e sentimentos do público.
E aí eu descrevo o negacionismo factual, filhote das fake news, que é a recusa em ler notícias que, embora desagradáveis e incômodas, são verídicas e servem de aviso para muitos perigos na vida. A aversão ao senso crítico, comum no Brasil, é a manifestação desse negacionismo que se recusa a tomar a vacina da informação verdadeira, o que mostra o quanto a elite do bom atraso é herdeira de um padrão de percepção do mundo gerado pela mídia "produzida" pelo AI-5, cinquenta anos atrás.
Dá pena ver as pessoas viciadas em telefones celulares. Pessoas que convivem juntas no cotidiano se reúnem para, cada uma, ver as redes sociais no celular. E tudo para ver bobagens, sem qualquer relevância para a vida das pessoas.
Mas, pelo menos, uma pequena luz pode surgir no fim do túnel. Deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) fizeram uma votação na qual 41 parlamentares aprovaram um projeto de lei da deputada estadual Marina Helou (REDE) que estabelece proibições de uso dos telefones celulares nas escolas, mesmo durante os intervalos (os chamados "recreios").
As exceções dessa proibição se referem apenas a situações que exigem o uso dos celulares para necessidade pedagógica nas atividades escolares ou quando pessoas portadoras de alguma limitação física ou mental precisem usar os celulares como auxílio para a participação dessas atividades.
Embora a legislação seja incipiente e exija um debate mais aprofundado, pois educadores se preocupam com a atribuição de professores a "meros fiscais" do uso dos celulares pelos alunos, a medida é um início de uma emancipação das crianças do mundo digital.
A mídia digital se torna uma mídia "oculta", que dá a impressão de que o poder midiático "morreu", mas esse poder se configurou e até se agravou. Uma das "bandeiras" da mesma intelectualidade "bacana" que defende a bregalização cultural e musical brasileiras, a hiperconectividade, tida inicialmente como uma causa "libertária" nos anos 2010, se revelou depois um ninho de manifestações reacionárias, num processo que permitiu a ascensão do empresário extremo-direitista Elon Musk.
Abaixo, repriso um vídeo do TV Linhaça de 2016, quando eu, indignado com a obsessão dos frequentadores do Campo de São Bento, em Niterói, com o uso dos telefones celulares, publiquei imagens desse ponto turístico niteroiense, como forma de conscientizar e estimular as pessoas a apreciar o local presencialmente.
Espera-se que, a partir das crianças, os adultos também se libertem dessa servidão digital. Que se utilizem os celulares, os computadores etc, mas que se faça um uso de acordo com o bom senso e de maneira mais proveitosa e saudável.
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