Pular para o conteúdo principal

JORNALISMO SENSACIONALISTA COMEÇA A SER QUESTIONADO

Felizmente, algo está mudando. Depois de muito tempo arranhada pela invasão de intelectuais "provocativos" que só tentaram empastelar o pensamento cultural de esquerda, a falta de uma frente intelectual realmente esquerdista que analisasse de fato a cultura popular começa a ser aos poucos resolvida com abordagens pontuais e lúcidas.

Os estereótipos associados à cultura popular, como a imagem disneyficada da "periferia", algo que antes da novela I Love Paraisópolis da Rede Globo já aparecia "cientificamente" em monografias e reportagens "sérias" da intelectualidade dita "tarimbada", começam a ser derrubados pela própria mídia esquerdista, como a análise sobre o documentário dedicado ao jornal Meia-Hora.

De autoria do cineasta Diego Olivares e publicado na coluna TelaTela da Carta Capital, o texto sobre o documentário Meia Hora e as Manchetes que Viraram Manchete, de Ângelo Defanti, contesta tanto a publicação quanto o próprio filme, daí o título da resenha "No filme sobre o Meia Hora, jornalismo é secundário".

O filme, em si, ainda segue a orientação complacente da intelectualidade "bacana" que vê a cultura popular de forma preconceituosa, ainda que declaradamente "sem preconceitos". Como elite abastada e externa da vivência das classes populares, esses intelectuais da bregalização veem as periferias de forma espetacularizada, confundindo consumismo com cidadania.

Eles ignoram, por exemplo, a dramática realidade das prostitutas, que gostariam de sair dessas situações tristes, enquanto a intelligentzia queria que elas ficassem e inventou um pseudo-ativismo em torno disso. Recentemente, uma chacina que vitimou prostitutas revelou o drama cruel da "profissão", e seria simplório e hipócrita definir o fato como uma reação das elites e do machismo.

A intelectualidade "bacana" não conseguia explicar questões diversas, da supremacia dos barões da mídia à questão do sensacionalismo jornalístico. Falar mal da Globo é fácil, difícil é falar sobre regulação da mídia de forma realista. Além disso, felizmente começa-se a despertar sobre a gravidade do jornalismo sensacionalista e policialesco.

Até pouco tempo atrás, uma publicação como Meia Hora era tolerada porque parecia "divertida" e havia muita desinformação entre os internautas. Alguns se apressaram em comparar o Meia Hora, erroneamente, à Última Hora ou ao Pasquim, mas a Última Hora era um jornal diário de verdade e o Pasquim tinha textos intelectuais bastante refinados.

O Meia Hora é apenas um tabloide popularesco de péssimo gosto. Vamos desfazer esse mito de que o "mau gosto" é causa libertária porque isso é desculpa para promover o consumismo com tantas porcarias. A publicação, dos mesmos donos de O Dia, segue uma linha não muito diferente do extinto News of the World inglês que era sustentado pelo Rupert Murdoch.

Só que o Brasil politicamente correto, que desconhece o comercialismo na música brega e tentou vender os funqueiros como "ativistas modernista-bolivarianos", um Meia Hora não parecia estar associado ao golpismo midiático,

Além disso, a abordagem da mídia sobre o "popular" não era questionada pela intelectualidade. Bastava usar o pretexto do "popular" para ser aceito sem contestação, portanto, de forma pré-concebida (preconceituosa), embora "sem preconceitos".

A desculpa é que aceitava-se o "popular" apenas pela aceitação do grande público, como se o "popular" viesse "naturalmente ao sabor do vento", ainda que esse "vento" venha dos salões refrigerados das empresas de entretenimento "popular" e seus executivos cuidadosamente mal vestidos.

Só que essa visão não conseguia esclarecer pontos obscuros como o machismo latente nas chamadas "popozudas", que vendiam um falso feminismo justificado apenas por um aparente celibato, enquanto exploram imagens de sensualidade abertamente machistas.

Foi preciso uma atriz vinda da franquia Harry Potter para tirar essa máscara do pseudo-feminismo brasileiro que escondia valores e estereótipos machistas. Além disso, como pensar no moderno feminismo #HeForShe no país do #ElaContraEle?

Enquanto a exploração leviana das classes populares era posta debaixo do tapete pelos intelectuais "provocativos", questões como o aberrante contraste entre um povo que fazia passeatas para exigir melhores condições para suas comunidades e um outro povo que vai que nem gado para os galpões consumir os sucessos bregas, funqueiros e coisa e tal eram drasticamente ignoradas.

Mas problemas como esses surgem e a intelectualidade "bacana" passava a ser questionada pelos leitores da mídia esquerdista. Tanto que essa elite pensante (ou que pensa que é pensante), com todo o pretenso esquerdismo que professa, passou a apelar para a mesma estratégia de Rodrigo Constantino de se achar "acima da esquerda e da direita" para professar seu direitismo oculto.

A repercussão negativa dos noticiários policialescos é um exemplo que corresponde ao assunto desta postagem. Não fosse o caso de José Luiz Datena e a projeção negativa sua e do Brasil Urgente (TV Bandeirantes), com suas pregações ao mesmo tempo moralistas e vingativas, o sensacionalismo jornalístico não pudesse ser devidamente questionado.

Um dos raros momentos em que o sensacionalismo impresso era questionado foi a repercussão do meu texto "Jornal Meia Hora 'passa recibo' para Heath Ledger no atentado em cinema", no antigo blogue Mingau de Aço, por causa das críticas que fiz à apropriação indevida da imagem do saudoso e simpático ator Heath Ledger, só porque ele interpretou o personagem Coringa.

O que observamos nessa tendência dos intelectuais questionassem a mídia e o entretenimento "popular" é que surge um divisor de águas. O documentário sobre o Meia Hora se insere ainda num contexto em que intelectuais aceitam tudo que vem sob o rótulo de "popular". Já a resenha de Diego Olivares corresponde a uma nova tendência, de que nem tudo que é "popular" reluz a ouro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

BURGUESIA ILUSTRADA QUER “SUBSTITUIR” O POVO BRASILEIRO

O protagonismo que uma parcela de brasileiros que estão bem de vida vivenciam, desde que um Lula voltou ao poder entrosado com as classes dominantes, revela uma grande pegadinha para a opinião pública, coisa que poucos conseguem perceber com a necessária lucidez e um pouco de objetividade. A narrativa oficial é que as classes populares no Brasil integram uma revolução sem precedentes na História da Humanidade e que estão perto de conquistar o mundo, com o nosso país transformado em quinta maior economia do planeta e já integrando o banquete das nações desenvolvidas. Mas a gente vê, fora dessa bolha nas redes sociais, que a situação não é bem assim. Há muitas pessoas sofrendo, entre favelados, camponeses e sem-teto, e a "boa" sociedade nem está aí. Até porque uma narrativa dos tempos do Segundo Império retoma seu vigor, num novo contexto. Naquele tempo, "povo" brasileiro eram as pessoas bem de vida, de pele branca, geralmente de origem ibérica, ou seja, portuguesa ou...

DOUTORADO SOBRE "FUNK" É CHEIO DE EQUÍVOCOS

Não ia escrever mais um texto consecutivo sobre "funk", ocupado com tantas coisas - estou começando a vida em São Paulo - , mas uma matéria me obrigou a comentar mais o assunto. Uma reportagem do Splash , portal de entretenimento do UOL, narrou a iniciativa de Thiago de Souza, o Thiagson, músico formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) que resolveu estudar o "funk". Thiagson é autor de uma tese de doutorado sobre o gênero para a Universidade de São Paulo (USP) e já começa com um erro: o de dizer que o "funk" é o ritmo menos aceito pelos meios acadêmicos. Relaxe, rapaz: a USP, nos anos 1990, mostrou que se formou uma intelectualidade bem "bacaninha", que é a que mais defende o "funk", vide a campanha "contra o preconceito" que eu escrevi no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... . O meu livro, paciência, foi desenvolvido combinando pesquisa e senso crítico que se tornam raros nas teses de pós-graduação que, em s...

A TRAGÉDIA DOS COMPLEXOS DO ALEMÃO E DA PENHA E DO PRAGMATISMO CARIOCA

MEGAOPERAÇÃO CONTRA O COMANDO VERMELHO PRENDEU 81 SUPOSTOS ENVOLVIDOS, ALÉM DO TIROTEIO TER CAUSADO 64 MORTES. No Rio de Janeiro, nas áreas que envolvem o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha, na Zona Norte - próximas às principais vias de acesso para outros Estados, a Avenida Brasil e a Linha Amarela - , a Operação Contenção, decidida à revelia da Justiça pelo governador estadual Cláudio Castro, tentou repetir a espetacular operação policial de 2010, mas de uma forma cada vez mais trágica. A megaoperação, cujo objetivo era prender as lideranças do Comando Vermelho que exercem poder em outros Estados, prendeu 81 pessoas e apreendeu mais de noventa fuzis, vários radiocomunicadores e duzentos quilos de drogas.  No tiroteio, mais de 100 pessoas morreram, entre elas dois policiais civis e dois policiais militares. Nove pessoas saíram feridas. O episódio da megaoperação já é considerado o mais letal da história do Rio de Janeiro, superando as já chocantes tragédias da Candelária e V...

BURGUESIA ILUSTRADA: UMA CLASSE HETEROGÊNEA?

O contexto da “democracia de um homem só” de Lula e da elite do bom atraso que o apoia leva muitos a perguntar sobre essa “diversidade de miniatura” comandada por uma classe sedenta em dominar o mundo e que tem no petista seu fiador para a realização de sua ambição em se impor como um modelo de humanidade a ser seguido pelo resto do planeta. Afinal, todos adoram brega? Todos seguem ou são simpatizantes da religião “espírita”? Todos são fanáticos por futebol? Todos são fumantes? Todos bebem cerveja? Todos apoiaram o golpe militar de 1964? Todos são fãs de subcelebridades? Todos renegam ou superestimam os medalhões da MPB? É claro que não, mas há um padrão comum nessa elite bronzeada que faz com que ela se defina como uma classe relativamente heterogênea, voltada a desenvolver sua minidemocracia para inglês ver. Precisam parecer culturalmente versáteis e forçadamente originais, dentro do seu viralatismo com pedigree. As afinidades giram em torno de valores que os tataranetos das velhas o...

A PROFUNDA FALTA DE VISÃO DOS EMPREGADORES

A questão do emprego ainda ocorre de maneira viciada, com muita exigência para trabalhos simples e de pouco salário ou, quando função e remuneração valem a pena, a competência é o que menos importa, pois se leva em conta o status social, a aparência e até a visibilidade e contatos influentes. Neste caso, tivemos a onda de influenciadores digitais e comediantes de estandape invadindo mercados referentes a Jornalismo e Análise de Mídias Sociais. E a ilusão da aparência nos cargos de assistente administrativo, onde são contratados pessoas com “cara” de administrador, mas sem “espírito” para a função. Profundamente atrasado, o Brasil ainda tem dificuldade para achar o profissional certo. Talento só serve para patrões incompetentes se promoverem às cistas de alguém talentoso, quando seu interesse é se destacar nos negócios. Mas até isso é um processo raro, pois na maioria dos casos um patrão ruim contrata um empregado pior, mas de boa aparência e comportamento maleável. Muitas empresas cont...

POR QUE LULA NÃO PODE SER CONSIDERADO “COMPETITIVO”

LULA PRECISA SAIR DO PALANQUE, MAS, ANTES DE MAIS NADA, DO PEDESTAL. Na democracia, não pode haver um único candidato, por melhor que ele se ofereça para o eleitorado. A corrida eleitoral, com base na Constituição, deve mostrar uma igualdade de condições dos candidatos, mesmo o mais fraco em perspectiva de conquista de votos. Lula fala tanto em democracia, quer ser o maior símbolo democrático da História do Brasil e do mundo, mas descumpre a obrigação maior da democracia que é o enfrentamento da concorrência. Se há mais de dez candidatos competindo com Lula, ele não pode se achar o vantajoso por antecipação. Ele tem que apresentar vantagens só no momento da disputa, mas reconhecendo a capacidade de outros fazerem o mesmo. Isso é o que determina a democracia. Na disputa eleitoral, o melhor candidato, pelo menos em tese, só consegue ser avaliado no dia da votação, com a avaliação da maioria do eleitorado. Nas normas eleitorais brasileiras, se o candidato favorito a um cargo do Executivo ...