Ninguém percebe, mas a chamada "cultura popular", que é aquela apreciada e consumida pelo povo pobre, foi abertamente privatizada. Há mais de 50 anos não conseguimos ver, salvo honrosas exceções, artistas vindos das classes populares dotados de grande talento e uma força artística própria.
Nos últimos 40 anos o que se vê é o crescimento avassalador de ídolos comerciais que tentam se passar por grandes artistas usando todo tipo de desculpa: o "gosto popular", o "mau gosto", a "vaia" como suposto atestado invertido de genialidade e tudo o mais.
A MPB autêntica, perdida em auto-reverências, em excessivas homenagens, como se fosse se despedir do público, não consegue reagir à avassaladora supremacia de ídolos brega-popularescos, tocados até mesmo em festas universitárias, aniversários em condomínios e até nos jukeboxes de bares e casas noturnas.
O "sertanejo universitário" é o que mais despeja duplas e cantores, em quantidades industriais. Mas o "funk carioca" não fica longe de seu apetite capitalista, e, juntos, os dois tentam liquidar e destruir a cultura brasileira através de seu comercialismo voraz que devora espaços como quem abocanha reservas de mercado.
Sob a desculpa de conquistarem seus espaços, o brega-popularesco invade os espaços dos outros e ainda posa de vítima, achando que nós é que deveríamos compreender o "outro". Eles não querem entender o "outro" que está no nosso lado, já que o "mau gosto" não pode ir por aí entrando em qualquer espaço sem pedir licença.
E não adianta a intelectualidade "bacana" fazer beicinho, dizer que o brega-popularesco é uma "rebelião popular", que temos que "romper os limites do preconceito" e patati-patatá. Isso porque essa "cultura do mau gosto" é que trata as classes populares de uma forma preconceituosa, dentro de uma caricatura de apelo marqueteiro e consumista muito mais cruel e socialmente depreciativa.
O que se nota é o comercialismo voraz que cria uma erosão no patrimônio cultural popular, que promove ídolos "populares", que fazem sucesso comercial imediato mas posam de "vítimas", usando a falsa modéstia para disfarçar o estrelismo. E isso não se dá só no "funk", no "sertanejo" mais recente, mas também nos "pagodeiros" e "sertanejos" que apareceram nos anos 90.
Hoje os veteranos do brega-popularesco tentam parecer "emepebistas", copiando os vícios que a fase pasteurizada da MPB lançou nos anos 80. E o mercado tentando vender esses "grandes artistas" como se fossem uma opção para a mesmice da MPB. Mas isso seria trocar um seis ruim por uma meia-dúzia ainda pior.
A música brasileira corre o risco de afundar, ao lado do jornalismo que se perde no sensacionalismo ou no reacionarismo, ou nas "musas populares" que não sabem fazer outra coisa senão mostrar seus corpos exagerados e de forma exagerada.
E tudo isso porque a cultura popular foi privatizada. Temos empresários do entretenimento que decidem o que o povo pobre e a juventude em geral terão que curtir e gostar, e ficamos pasmos ao ver que há intelectuais "muito prestigiados" que fazem vista grossa a essa realidade cruel e falam na "vontade popular" como se fosse alguma escolha libertária.
Não há opção. Ou são os neo-pós-meta-tropicalistas que vêm com seu ecletismo que, de tão eclético, está disperso na mesmice indefinida, ou são os cantores, duplas e grupos brega-popularescos cada vez mais rasteiros, invadindo espaços da MPB como o Estado Islâmico ocupando redutos no Ocidente.
E isso porque eles têm empresários que muitas vezes se escondem no semi-anonimato ou, quando isso não é possível, em trajes mais "informais" como se eles nem empresários fossem. Eles viraram os donos do "gosto popular", e poucos percebem isso. É bom que se denuncie isso, porque o povo pobre, que tinha sua própria cultura, sobretudo musical, hoje é tratado como se fosse gado.
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