Sou esquerdista, mas desconfio quando certos setores um tanto estranhos das esquerdas - envolvendo intelectuais alienígenas vindos dos porões do Estadão, Folha, Globo etc - tentam espetacularizar demais as coisas, restringindo o ativismo a fenômenos exóticos que anulam seu sentido de reivindicação social.
É o que se faz com o movimento LGBTT, em que a causa homossexual se reduz a figuras estereotipadas de drag queens e lésbicas embrutecidas. Ou o caso Amarildo, o pedreiro carioca misteriosamente desaparecido, visto mais como "ícone pop" do que como um cidadão cujo sumiço deva ser rigorosamente investigado pela Justiça.
Isso mostra a insensibilidade de certos intelectuais que fazem tudo para terem vínculo com o esquerdismo, mesmo dotados dos mais gritantes preconceitos neoliberais. Tentam fazer cobertura de movimentos esquerdistas, se autoproclamam "participantes", querem forçar um vínculo que naturalmente não têm, e sentem até medo de voltar para o direitismo no qual se criaram e cresceram.
E aí eles mais atrapalham do que ajudam, transformando ativismo em espetáculo de entretenimento. Eles veem as coisas como fenômenos mercadológicos, mas disfarçam com discursos pretensamente libertários. Por outro lado, embarcam na carona de conquistas sociais e exageram nos comentários, confundindo discurso publicitário com panfleto revolucionário e embolando as coisas.
O caso das ciclovias de São Paulo, assim como o fechamento, anteontem, da Av. Paulista para o trânsito de veículos, simboliza uma conquista de profundo interesse público, é ilustrativo. É verdade que a medida das ciclovias foi bastante positiva no contexto de uma região brutalmente urbanizada como a capital paulista, mas a forma com que essa conquista foi divulgada é que é o problema.
Com uma retórica mais sensacionalista que libertária, anunciaram a criação das ciclovias pela Prefeitura de São Paulo, na gestão do petista Fernando Haddad, como se fosse a instauração da Revolução Socialista no Brasil. Foi uma conquista da sociedade, foi o atendimento de um interesse público, mas não necessariamente uma revolução bolivariana.
O engraçado é que quem mais difunde esse discurso são intelectuais "bacanas" que usam automóveis, e que pouco importa se os automóveis predominam nas ruas. Sua consciência social é hipócrita, vide o pouco caso com o brega-popularesco que transformava o povo pobre em caricatura de si mesmo. Defendiam essa "cultura" com mãos-de-ferro, sob a desculpa de "combater o preconceito".
Eles não têm ideia de que o transporte de São Paulo, com a supremacia dos automóveis e os ônibus cujas diferentes empresas se escondem sob a pintura padronizada (medida originária da ditadura militar), mudando de nome e trocando linhas à revelia do povo, ainda continua desigual e injusto. Colocar ciclovias é resolver um problema, não criar uma revolução.
Daí a carona de jornalistas "livres" pagos com a mesada de George Soros que embarcam nas pautas esquerdistas para tentar dar "bom exemplo". Acham que estão fazendo o dever de aula do "bom jornalismo" e do "bom socialismo", tentando dizer para os esquerdistas que o esquerdismo desses "bacanas" é "sincero" e "sério".
Eles transformam as coisas em mero espetáculo de consumo. Criam sensacionalismo disfarçado de discurso libertário, Escrevem longos e complicados textos mesclando palavras-chave com sinal de sustenido e alegações pseudo-modernistas, além de comentários forçadamente contrários aos direitistas da moda, como a Rede Globo, Aécio Neves e Eduardo Cunha.
Mas essas pessoas que classificam as ciclovias paulistanas como "revolução bolivariana", como se fizesse a Revolução Socialista com bicicletas, ignoram o aberrante e aterrorizante apartheid social que o subsecretário de Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, o autoritário Alexandre Sansão, quer fazer com o esquartejamento de trajetos tradicionais de linhas de ônibus municipais.
Integrante de uma metodologia autoritária que marca o PMDB do Rio de Janeiro, cujo exemplo nacional é o deputado federal Eduardo Cunha, Sansão, através de seus pomposos terminais de Fundão, Madureira e Alvorada, está dificultando as pessoas de se dirigirem sobretudo aos bairros da Zona Sul carioca, na tentativa de desestimular o povo pobre a ir para esses bairros.
Por isso foram extintas linhas tradicionais como 465 Cascadura / Gávea, 750 Cidade de Deus / Gávea e agora linhas como 455 Méier / Copacabana, 474 Jacaré / Jardim de Alah e até 484 Olaria / Copacabana serão esquartejadas e terão ponto final no Centro, aumentando a já confusa e superpopulosa demanda do terminal de linhas municipais da Central do Brasil.
E como Sansão - com sua pinta de vilão de seriado de TV - afirmou que quer tirar mais ônibus de circulação, os BRTs (que têm capacidade limitada de passageiros) sairão superlotados, como se vê no corredor Fundão-Madureira-Alvorada, afetado com trajetos ceifados como 676 Méier / Penha, 910 Bananal / Madureira e 952 Penha / Praça Seca.
A redução de ônibus em circulação - ônibus vem da palavra latina "omnibus", "para todos" - , tido como bode expiatório dos engarrafamentos, atende ao lobby da indústria automobilística, para a qual Sansão é bom serviçal, assim como ele se submete ao lobby da burguesia da Zona Sul que mal consegue esconder seu higienismo social aplaudindo a retirada das linhas para a Zona Norte.
Será que a intelectualidade festiva, a transformar o esquerdismo num carnaval para ser ridicularizado por direitistas, irá definir Sansão como "progressista" por medidas socialmente excludentes como estas? Não bastasse aceitar que o "filhote da ditadura" Jaime Lerner, feito um lobo em pele de cordeiro, ter se fantasiado de "socialista" para impor seus projetos tecnocráticos e antipopulares.
Dizer que criar ciclovias é socialismo não resolve. Daí que há a reação das elites que querem a supremacia do automóvel, que se hipnotizam diariamente com a sobrecarga de comerciais de carros que são bombardeadas pela televisão, rádio e imprensa, e que farão a sua festa com mais automóveis que Sansão liberará para a Zona Sul a partir de outubro próximo.
Se a fúria dos automóveis em São Paulo quer reagir contra as ciclovias, ela fará a festa em outubro nas ruas da Zona Sul, juntamente com os moradores elitistas que querem voltar à impossível nostalgia de reduzir as praias de Copacabana, Ipanema e Leblon (assim como Leme e Arpoador, nos seus entornos) a meros balneários para as classes abastadas e para a "gente bonita" juvenil.
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