É certo que há muita mesmice no pop juvenil e que enjoa ver no palco tantas multidões de dançarinos e ídolos fazendo pleibeque, mas nota-se que eles estão dando uma boa lição nos acomodados roqueiros, principalmente no Brasil.
Enquanto mesmo os roqueiros autênticos se comportam de forma resignada - ficam felizes lembrando da Fluminense FM como coisa do passado enquanto aceitam se isolarem em webradios com difícil sintonia fora dos recintos domésticos - , o pop, com todo o comercialismo que expressa, de vez em quando se oxigena com coisas mais criativas.
Afinal, enquanto o pop dançante, volta e meia, vem com coisas bem legais como "Happy" do Pharrell Williams e "Am I Wrong?" de Nico & Vinz, o rock começa a se perder tragado pelos seus próprios clichês, parecendo muito mais domesticado e conformista do que os outros domesticados e conformistas que tentou combater.
A coisa é tão grave que um dos raros momentos de rebeldia real no rock foi quando Pete Townshend, um "vovô" de 70 anos que mantém o The Who ao lado de seu parceiro Roger Daltrey, de 71 anos, esnobou o fato de Kanye West se achar "o maior roqueiro do mundo".
Mas Pete e Roger eram de um tempo em que o rock era mais visceral, tinha sangue, coração, cérebro, neurônios tinha vida correndo pelas veias, e por isso as bandas eram mais criativas, queriam se diferenciar entre si. Isso há cerca de 50 anos atrás.
Mesmo no alvorecer da beatlemania, e mesmo quando grupos tentavam imitar o vestuário uniformizado do quarteto de Liverpool, as bandas queriam soar diferentes entre si. Os Rolling Stones não eram os Beatles, e eram diferentes do Who, dos Yardbirds, dos Animals, dos Troggs, dos Zombies, dos Herman's Hermits e por aí vai.
Hoje o que se vê é banda costurando estilo de outra, salvo raras exceções. Mas as exceções não rolam na Billboard, e, por conseguinte, não aparecem nessas "Jovem Pan com guitarras" ou versões psicóticas da Rádio Disney que se autodenominam "rádios rock".
No pop, em que pesem seus vícios, surgem coisas instigantes. E mesmo os comercialíssimos Robin Thicke e o coreano Psy (que, curiosamente, fazia nu metal antes de trocá-lo pelo tecno festivo de "Gangnam Style" usando um visual que, curiosamente, soa como um Bill Haley cibernético) soam bem mais divertidos do que os mofados roqueiros "radicais" dos sucessos radiofônicos.
Claro, os roqueiros passaram os anos 90 falando mal de grupos de garotos, de "pagodeiros", "sertanejos" e funqueiros, tanto que se esqueceram de mostrar propostas novas, mas sempre a mesma trinca grunge-emo-poser que torna a cultura rock subnutrida, sobretudo porque nos últimos 25 anos prevaleceram as rádios "especializadas em rock" que não são realmente especializadas em rock.
Não há como direcionar culturalmente os roqueiros e aí o que se viu foi a mesmice da trinca Guns N'Roses, Alice In Chains e Offspring do passado, apenas "levemente substituída" pela atual trinca Guns N'Roses (sempre eles), System of a Down e Queens of the Stone Age. E com o System of a Down substituindo o Linkin Park que substituiu o Limp Biskit. O que dá no mesmo.
No Brasil, então, a situação está tão feia que o Scalene, que vende uma imagem de "contemporânea" e se autopromove como um "nome de ponta" do que entende ser "rock alternativo", é na verdade uma espécie de CPM 22 "cabeça" cujos membros posam igualzinhos aos do Weezer. E que mostra que o Brasil levou 15 anos para descobrir uma coisa chinfrim como o Queens of the Stone Age.
MÚSICA SOBRE AUTO-ESTIMA
E eis que, de repente, surge uma canção bem simpática a se somar, na música pop, a algumas coisas interessantes, num contexto em que, tendo boa vontade, cantoras como Selena Gomez, Rihanna, Katy Perry e Demi Lovato podem criar boas canções, por mais que estejam em altos e baixos no repertório musical.
O compacto "Love Myself", estreia em disco da também atriz Hailee Steinfeld - conhecida como a menina da versão 2010 do western Bravura Indômita (True Grit) - , surge como um power pop adolescente despretensioso, mas com certeza mais instigante que as pretensões que, no Brasil, se vê em coisas como o Scalene.
Hailee já nos deliciava com aquele contraste delicioso de ter uma beleza de ninfeta e uma voz de mulherão, e há um tempo desejava seguir carreira paralela de cantora. Fez seu ensaio no segundo filme da franquia A Escolha Perfeita (Pitch Perfect) e hoje começa a divulgar a música nas rádios e programas de TV.
A música é um pop eletrônico assumidamente simples e assobiável. A voz de Hailee é deliciosa e ela arrisca um "lalalalá" que dá uma deliciosa coceira nos ouvidos. A letra da música fala sobre auto-estima, mas aí as "forças do mal" da Internet resolveram implicar com a simpática canção.
Esses midiotas da Internet espalharam a tese de que a música fala sobre masturbação e chamaram a coitada da Hailee de "punheteira frustrada". Esses otarionautas só respeitam pessoas que fazem coisas erradas porque, nivelando as coisas por baixo, acham que ser errado é "ser autêntico".
Ninguém fala, por exemplo, que a música "I Use to Love Her", dos "diviníssimos" Guns N'Roses - ah, o São Axl Rose, canonizado em vida depois que "batizou" uma vizinha com uma garrafada... - , fala sobre feminicídio de forma mais explícita possível.
Mas se esses fanáticos "gunzetes" acham a breguíssima "November Rain", que parece ter sido composta por José Augusto, um "clássico absoluto do rock", então faz sentido esses roqueiros carneirinhos aplaudirem qualquer coisa que Axl Rose faça, por pior que seja.
Daí que vemos que o pop dançante dá um exemplo de despretensão. É certo que existem factoides, nomes de gosto duvidoso, regras comerciais escancaradas. Mas, a título de comparação, surgiram mais sucessos interessantes no pop dançante e juvenil do que no chamado "rock alternativo". Cadê um sucesso de rock com a força de "Happy" de Pharrell Williams?
E tudo isso vendo que a cultura rock no Brasil se perde na carneirização que anula completamente a rebeldia e a criatividade. Se até entre os órfãos da Fluminense FM acontece esse conformismo todo, então a coisa está triste. Ver que o mais recente ato de rebeldia do rock vir de um músico inglês de 70 anos - ironicamente, o mesmo que fez versos como "Espero morrer antes de ficar velho" - , é preocupante.
Os roqueiros, no Brasil, parecem muito felizes, mas sem ter a felicidade musical de um Pharrell Williams com apetite para reinventar a soul music. E, contentes com seus clichês e seus sucessinhos, suas rainhas da idade da pedra e seus sistemas em baixa no mundinho de balas de revólver e rosas, eis que a Mattie Ross da Bravura Indômita entra com uma canção sobre auto-estima.
Cá para nós, há mais masturbação nessa adoração doentia aos Guns N'Roses, que nunca foi grande coisa em matéria de rock, do que na letra de "Love Myself". Só mesmo gente com falta de auto-estima para definir essa canção como "hino dos punheteiros".
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