Pular para o conteúdo principal

CASO CHICO BUARQUE EXPÕE REACIONARISMO JUVENIL

REACIONÁRIOS DA INTERNET SE ESCONDIAM NO "ARMÁRIO" DE UMA COMUNIDADE DO ORKUT, HÁ CERCA DE DEZ ANOS ATRÁS.

O caso Chico Buarque foi o estopim para se observar que existe reacionarismo juvenil, que a juventude e a relativa pouca idade - geralmente abaixo dos 40 anos - tornou-se, durante muitos anos, uma máscara para mentes retrógradas, obscurantistas, reacionárias e autoritárias.

2015 foi o ano da trolagem, dos protestos anti-Dilma e outras truculências da "galera tudo de bom", e um elenco de vítimas, não bastasse Dilma e o ex-presidente Lula serem alvo de xingações mais baixas (o que é muito diferente da saudável oposição ao PT, que a própria Constituição permite), mostrou o quanto os "miguxos" que "zoavam dos outros" passaram a se achar "estrelas".

É só ver as vítimas atingidas por ataques verbais ou outras ofensas ao longo deste ano: a jornalista Maria Júlia Coutinho, as atrizes Taís Araújo, Cris Vianna e Sheron Menezzes, a blogueira Lola Aronovich e, agora, o veterano compositor Chico Buarque de Hollanda.

Havia antes uma ilusão de que ser jovem era sinônimo de modernidade e vanguarda. Mesmo quando a História registrava jovens reacionários aqui e ali - no Estado Novo, havia os simpatizantes do nazi-fascismo e, nos anos 60, o Comando de Caça aos Comunistas - , o jovem sempre tinha o estigma de "avançado", "arrojado" e "progressista". O jovem sempre "andava para a frente", nunca "para trás".

Episódios como os que ocorreu neste ano, com vítimas que variam da professora Lola ao mais famoso dos filhos do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, mostram o quanto revestir de visual arrojado, falar palavrões e agir com "irreverência" não são garantia de haver mentes progressistas e de vanguarda. Em muitos casos, há mentes medievais sob corpos e trajes de surfistas e skatistas.

Há oito anos atrás, eu fui vítima de trolagem na comunidade Eu Odeio Acordar Cedo do Orkut. Na verdade, há quase nove, porque foi em janeiro de 2007. Eu questionava um modismo da mídia e minha página de recados virou um pseudo-chat de encrenqueiros que faziam comentários irônicos para me esculhambar e depois faziam ameaças.

Tive que me desfazer do perfil do Orkut que eu tinha desde 2005, quando um rapagão ameaçou invadir minha conta, quando os troleiros já estavam irritados e não faziam apenas ironias. Tudo isso foi oito anos antes de Maju, Taís Araújo e Sheron Menezzes "sofrerem" nas mãos de "miguxos". Em 2012, eu fui vítima de trolagem comandada por um busólogo da Baixada Fluminense, bajulador de Eduardo Paes.

E quem são os troleiros? Em maioria absoluta, são membros das elites que defendem valores dominantes em geral, sejam decisões de ordem política, midiática e mercadológica, até preconceitos de classe (daí o racismo e o machismo). Mas há também os "lambedores de gravatas" das classes médias da Zona Norte carioca e da Baixada Fluminense.

Estas pessoas são tão estúpidas e reacionárias que deixam passar burrices gramaticais quando elas fazem parte de modismos lançados pelo mercado ou pela mídia. Houve a onda do xampu "stop-queda", uma expressão ridícula que lembra a piada do "stop-sol" do bronzeador de um episódio de Cilada, humorístico de Bruno Mazzeo (hoje comandando a "escolinha" que herdou do pai).

Ninguém esculhambou o tal "stop-queda", um verdadeiro linchamento gramatical num portinglês muito grosseiro para uma marca de cosméticos e produtos de higiene pessoal. Se o "stop-queda" prometia parar a queda de cabelos, provocava queda na nossa língua.

Mas o mais grave é que os jovens reaças se acham "inteligentes"  por nada. Há até alguns que investem na besteira "eu não preciso raciocinar, já nasci inteligente". No começo, o reacionarismo era "trancado no armário" e eles chegavam a se definir como "esquerda liberal" no Orkut só para fingir que eram "progressistas".

Era a onda do pseudo-esquerdismo - havia até um Eugênio Raggi que escrevia igual Reinaldo Azevedo e fingia ser "esquerdista convicto" - , num contexto em que as esquerdas tinham o "apoio" de Marco Feliciano, Jair Bolsonaro, Eduardo Cunha etc, e os troleiros de Internet fingiam odiar a Globo e bajulavam até Che Guevara para impressionar outrem e atrair apoio para si.

Não era ainda a época da direita "solidária" sair do armário. Mas depois eles tiraram suas máscaras e se transformaram em "revoltados" da Internet e, achando-se "bem sucedidos" em esculhambar semi-anônimos por pensarem diferente, decidiram atacar atrizes, ativistas e compositores com alguma causa que não é a dessa "galera tudo de bom".

Me lembro até de quando eu, por curiosidade, via a página de recados da suposta "rádio rock" Rádio Cidade, entre 2000 e 2001, e ficava pasmo ao ler que seus internautas defendiam o fechamento do Congresso Nacional sob o pretexto de combater a corrupção, antecipando os "revoltados" anti-PT de hoje, achando que isso era o "supra-sumo" da rebeldia juvenil.

Sim, pessoas achavam um "corajoso ato de rebeldia" defender o fim do Poder Legislativo, uma instituição que, com todos os seus defeitos, é necessária para a vida democrática num país como o Brasil. Eu escrevia que os ouvintes da Rádio Cidade eram reacionários e ninguém levava a sério. A "rádio rock" antecipou, em reacionarismo, ao exemplo hoje conhecido da Jovem Pan paulista.

Diante desse quadro todo, me lembro de Renato Russo, quando fez, há mais de 30 anos, a música "A Dança" (a composição, creio, é de 1983), dirigida a um grupo de jovens reacionários de Brasília, que tinha um primeiro refrão assim:

"Você é tão moderno / Se acha tão moderno / Mas é igual a seus pais / É só questão de idade / Passando dessa fase / Tanto fez e tanto faz" (na demo para a Fluminense, o último verso foi mudado para "Você vai ver o que é capaz").

Daí vemos os jovens que só defendem o que faz sucesso, o que está na moda, o que é decidido pelas autoridades, o que está no topo do status quo, o que dá certo no mercado. Pouco importam valores sociais, pouco importa o questionamento dos erros, a "galera tudo de bom" impõe seus pontos de vista e, lembrando o antigo Comando de Caça aos Comunistas, reagem com humor corrosivo e ofensivo e ofensas gratuitas.

Infelizmente, foi preciso que vítimas famosas virem notícia diante de tantos ataques para que a opinião pública percebesse o quanto existem jovens que, "por uma questão de idade", camuflam seu reacionarismo com o verniz da modernidade de seu visual, gestos, palavras e atitudes "arrojadas". Passando dessa fase, serão apenas outros Eduardo Cunha a atrapalhar o caminho do Brasil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist

TRINTA ANOS DE UMA NOVELA DA PESADA

A PRIMEIRA VERSÃO DE A VIAGEM  "PRESENTEOU" OS FUNCIONÁRIOS DA TV TUPI COM A FALÊNCIA DA EMISSORA. Triste país em que executivos de TV e empresários do entretenimento montam uma falsa nostalgia, forjando valores e fenômenos falsamente cult  para enganar as novas gerações, que levam gato por lebre com esse pseudovintage feito para lacrar nas redes sociais. Vide a gourmetização da mediocridade musical com, por exemplo, Michael Sullivan, Chitãozinho e Xororó e É O Tchan, nomes que deveriam cair no esquecimento público, pelas obras deploráveis que fizeram. Na dramaturgia, a coisa não é diferente num país em onde Caio Ribeiro, Luva de Pedreiro e um tal de Manoel Gomes (do sucesso "Caneta Azul") são considerados cult  e hit-parade  é confundido com vanguarda, qualquer coisa pode ser alvo dessa "nostalgia de resultados " que transforma o Brasil no Olimpo da idiotização cultural. A coisa chega ao ponto de uma novela infeliz, com temática mais medieval do que Game

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul