É sempre assim. Toda vez que o governo Temer "balança", a intelligentzia "mais legal do país" apela para o "mau gosto cultural" para dar um freio nas forças progressistas.
Intelectuais "bacanas" num país marcado pelo anti-intelectualismo fazem proselitismo nas forças progressistas defendendo a falácia de que o "mau gosto" é uma causa "libertária".
Há poucos dias perdemos Belchior que, com todas as esquisitices dele, era sobretudo música.
Você ouve "Apenas um Rapaz Latino-Americano" e vê uma música visceral, orgânica, com suas melodias e suas letras fortes.
Não era uma provocação gratuita. A verdadeira vanguarda não vive da provocação como um fim em si mesmo.
Até quando a Semana de Arte Moderna, na São Paulo de 1922, queria provocar, era apenas um gancho para mostrar experiências artísticas de valor hoje bastante reconhecido.
A provocação é como um tempero. Colocado no prato, muitas vezes melhora seu sabor. Mas, sozinho, não tem graça e causa até mal estar.
As esquerdas não possuem ainda um intelectual cultural à altura, que possa dizer o que é culturalmente progressista ou não.
Aspirantes a Umberto Eco foram barrados da pós-graduação nas universidades e também do ingresso ao circo da visibilidade plena.
Resultado: quem questiona as armadilhas da "sociedade do espetáculo" e seus derivados culturais só escreve para umas 20 pessoas.
Daí que, diante da morte de um Belchior, temos uma enxurrada de cantores "provocativos" que fazem muita polêmica e pouca música. E que não contribuem para trazer qualidade de vida, de arte, de cultura.
Assim como, diante da morte de um Almir Guineto, temos uma enxurrada de canastrões do "pagode romântico" que acham que podem tirar de letra o cancioneiro consagrado da MPB.
Depois de Inês Brasil, Liniker, Karol Conka, Karol Ka e tantos outros "provocativos" e "empoderados", agora temos a MC Linn da Quebrada.
Com aqueles clichês de "provocatividade" e "empoderamento" que a leva dizer coisas como "o seu corpo é uma ocupação", referindo a MC a si em terceira pessoa, no clipe "BlasFêmea".
Lembra aquela coisa do #OcuparQualquerCoisa.
Um mero jogo performático de combinar sustenidos com palavras coladas umas às outras, como se pudéssemos transformar a vida num hashtag.
Isso é renovação da MPB? Não. E é uma música brasileira de esquerda? Muito menos, apesar das bem ensaiadas posturas contra os reaças da hora, seja Aécio Neves, Michel Temer, a PM carioca ou a rede de lojas Marisa.
A intelectualidade progressista ainda não encontrou alguém que pensasse a cultura exatamente como as forças progressistas.
Não há como falar da Maria da Cocada que está há 45 anos na estrada, como se isso resolvesse. Até porque nomes assim já são veteranos, embora fora do perímetro do mainstream musical.
Assim como não dá para "guevarizar" a bregalização e depois fingir surpresa ao ver que "sertanejos" condenam biografias não-oficiais e apoiam Ronaldo Caiado e João Dória Jr..
As esquerdas erram porque são reféns de intelectuais "bacanas" que trouxeram preconceitos da Folha, da Globo, de Caras, do Estadão.
Eles "guevarizam" hoje os "provocativos" que mais tarde estarão nos mesmos veículos das Cantanhedes, Noblats e Mervais que dizem hostilizar. E sem causar abalo algum na sociedade.
Até porque essa "provocação empoderada" não é muito diferente dos personagens cômicos que se vê em programas como A Praça É Nossa, com o agravante de um pretensiosismo bolivar-tropicalista.
Provocam demais, xingam o machismo, elogiam a negritude, querem causar polêmica, incômodo, controvérsia.
Música para ouvir, nada.
Nesse supermercado brega da provocatividade, a verdadeira provocação é a última coisa que existe, diante dessa "provocação" pré-estabelecida.
E MC Linn da Quebrada será mais uma a descansar inofensiva nas páginas culturais do Estadão e da Globo, ao lado das Cantanhedes, Noblats e Mervais da vida.
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