É claro que não se deve ter preconceito contra tatuados, cabendo a todos nós aceitá-los socialmente da maneira mais ampla possível.
Mas o modismo tem prazo de validade, e há muito perdeu aquele sabor de diferença, novidade e vanguarda que havia antes.
Diante de tantos noticiários da mídia popularesca - é o tal "popular demais", o brega-popularesco - vê-se que as pessoas tatuam tanto que, hoje, ser diferente e ousado é não ter tatuagem.
Subcelebridades, cantores bregas e até criminosos usam e abusam de tatuagens. Aqui e lá fora, as "musas" que ficam mais tatuadas se tornam menos atrativas.
Há exceções, que cabem mais a uma tatuagem dentro do contexto ou o uso de tatuagens discretas. Mas aí não é a tatuagem como um fim em si mesmo, transformando o corpo humano em um mural.
O que me chama a atenção é o contexto que, nos EUA e no Brasil, mais se utilizou tatuagens.
Nos EUA, foi a época do macartismo, na primeira metade da década de 1950. O imaginário popular fez com que até desenhos animados mostrassem marinheiros e prostitutas tatuados, em produções dessa época.
Pois o Brasil vive um "macartismo tropical" - que ameaça ser executado tanto pela Escola Sem Partido quanto pelo patrulhamento fascista no serviço público e no emprego privado - e nunca se viu tanta gente tatuada no nosso país.
Isso diz muito à dúvida que se tem do ato de tatuar o corpo como uma pretensa vanguarda. Na verdade, tatuagem só vai vanguardista até 1910, depois disso tornou-se, gradualmente, puro establishment.
Gusttavo Lima, por exemplo, é superhiperdupertatuado e é bolsonarista até debaixo d'água, armamentista com apetite que deixaria Charlton Heston sorrindo largamente.
Ficamos pensando, então: e se as pessoas que não são conservadoras nem establishment tiverem que apagar suas tatuagens, gradualmente, através de cirurgias e processos de pigmentação?
Evidentemente a maioria reage com choradeira e despeja um sermão com aquele papo furado de "liberdade do corpo" e "combate ao preconceito" que, se tivesse funcionado (no que diz ao pretenso apelo progressista), não teria eleito Jair Bolsonaro presidente.
Até a alegação de "o corpo é meu" tem que ter um bom fundamento. Até porque ninguém se tatua só para si mesmo, da mesma forma que ninguém se sensualiza demais achando que o Instagram é como o espelho de sua casa.
Tenho um capítulo, na minha coletânea de contos e ensaios O Balão e Outras Estórias, disponível na Amazon, chamado "A Longa Fila".
Eu imaginei uma longa fila de pessoas querendo operar para remover suas tatuagens. Juro que, quando escrevi este capítulo, me veio na mente a área do INTO, apesar de ser de outro ramo da Medicina, mas é dessas imagens que me vêm à mente de maneira súbita.
Neste capítulo, pessoas que acreditavam que a onda das tatuagens era eterna estava triste e desesperada em querer remover os desenhos o mais rápido possível.
Eram pessoas que também fizeram sermão em nome do "direito do corpo" e do "combate ao preconceito" e que, depois, voltaram atrás, pelo vazio de seus argumentos.
Afinal, o que também se nota é que os "identitaristas" das esquerdas médias se pautam pelas mesmas apreciações "culturais" que os sociopatas das redes sociais.
Aí eu via as apologias ao "popular demais" que, na grande mídia, em ato falho, haviam nas páginas de Carta Capital, Caros Amigos e Fórum, nada muito diferente do que havia na Globo, Folha e até em Veja e Estadão.
Mas, nas redes sociais, quem "vestia a camisa" do "popular demais" era justamente o "idiota digital" que militou pela vitória eleitoral de Jair Bolsonaro.
Então, é um grande momento de reflexão a respeito do chamado "hedonismo cultural" em que se acreditava na ilusão de uma "liberdade aleatória de tudo".
Afinal, muito desses "valores livres" foram trazidos pela mídia venal e as esquerdas médias falharam em achar que vivíamos num paraíso bolivarianista de tatuados LGBTT balançando o popozão nos "bailes funk" da vida.
O "funk" depois se revelou "pobre de direita", e ainda explicarei isso, porque foi o ritmo que mais cresceu no Estado do Rio de Janeiro que, no entanto, também foi o que mais inclinou num conservadorismo doentio.
Por hoje, fico refletindo a respeito de quando as pessoas começarem a pensar em remover tatuagens.
Pode ser doloroso e triste, e creio não ser uma solução totalitária. Mas seríamos ingênuos se acreditássemos que todos os tatuados irão ser tatuados pelo resto da vida.
Quando o modismo passar, e ele passará, as pessoas, como fazem os doentes em câncer, irão remover, em cirurgias de diferentes etapas e considerável prazo de espera entre uma sessão e outra, seus desenhos.
Vivemos tempos em que o "hedonismo" que, numa gororoba de valores, misturava cafonices, permissividades e prazeres pessoais sob o rótulo de "combate ao preconceito", perde o sentido e exige motivos bem rigorosos para que se mantenha como está.
Essa exigência se dá para evitar o risco das esquerdas identitárias, por acidente, se darem as mãos com os bolsonaristas mais histéricos, em algum momento lúdico da vida.
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