Pular para o conteúdo principal

"POPULAR DEMAIS" REUNIU CULTURALISMO CONSERVADOR E ECONOMICISMO

A INTELECTUALIDADE "BACANA" TENTOU "GUEVARIZAR" O CANTOR BREGA-ROMÂNTICO JOSÉ AUGUSTO. MAS ELE DECLAROU VOTO A JAIR BOLSONARO.

É verdade que a poeira da campanha pró-brega da intelectualidade "bacana" anda se dissolvendo, que talvez não precisemos lançar tantos questionamentos como antes.

Mas algumas coisas precisam ser explicadas, diante desse cenário em que o "popular demais", ou o brega-popularesco, aderiu com peso ao bolsonarismo.

Fico imaginando como uma parcela de intelectuais "bacanas", sob o consentimento de blogueiros de esquerda, tentou "guevarizar" nomes diversos da bregalização, mesmo José Augusto e Latino, usando como desculpa o grande público.

Recentemente, os dois declararam explicitamente o voto em Jair Bolsonaro.

E o "sertanejo", em que intelectuais "bacanas" manobravam as palavras para, como quem vê cabelo em ovo, atribuir a ele um inimaginável esquerdismo?

O vexame do caso Zezé di Camargo & Luciano é notório, quando a dupla virou símbolo de um falso esquerdismo cultural, desmascarado quando Zezé declarou-se aecista e, depois bolsonarista, nos últimos anos.

Todo um discurso atraente era disparado, sobretudo na mídia de esquerda, pela intelectualidade oriunda ou patrocinada pela mídia venal, mas que virou "amiga dos movimentos esquerdistas".

Foi um golpe cultural, que o calor do momento não percebeu.

Pregações bem articuladas, embora confusas no aspecto lógico de suas abordagens, eram feitas usando os mais diversos recursos narrativos de sua ambiciosa retórica.

O "funk" tornou-se o carro-chefe, mas tivemos também o tecnobrega, espécie de "cavalo de Troia" que o coronelismo midiático paraense armou para neutralizar as forças progressistas do Pará.

O "popular demais", com seu mito de "pobreza linda", na qual se defendia mais a pobreza, a prostituição, a ignorância, a pirataria, em detrimento dos populares envolvidos, como vítimas do "sistema", nesses processos e situações, enganou as forças progressistas.

A campanha pela bregalização do país, trazida pela "santíssima trindade" dos intelectuais "bacanas" (Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna), pela "pobreza linda", pela "periferia legal" etc, favoreceu, e muito, ainda que indiretamente, a vitória de Jair Bolsonaro.

E isso se deu porque combinou dois fenômenos lançados à luz da opinião pública pelo sociólogo Jessé Souza, cujo livro, A Tolice na Inteligência Brasileira, estou terminando de ler.

Um é o culturalismo conservador, o outro o economicismo.

No primeiro, há o esforço das "forças da ordem" (política, econômica, midiática etc) de manter no povo pobre a resignação de sua inferioridade social, através de mitos diversos como a meritocracia.

No segundo, há a abordagem dos problemas sociais na qual só se aprecia a questão econômica, sem perceber os fatores culturais e sociais que estão em jogo na consolidação das desigualdades sociais.

A ideologia da bregalização, empurrada sob a desculpa do "combate ao preconceito" (mas forçando a aceitação de formas preconceituosas de "expressão popular"), só fez forçar a aceitação e a estabilização da inferioridade e da mediocridade cultural vigentes nas classes pobres.

Ela também aproveitou o economicismo para lançar pretextos de forçada legitimação, como, por exemplo, a falácia de que o "valor cultural" do "funk" está no fato dele "gerar empregos".

Isso é uma alegação "economicamente correta", mas, nos bastidores do "popular demais", há denúncias de precarização do mercado de trabalho e outros problemas que são defendidos como "positivos" pela agenda bolsonarista.

Tem funqueira que não escreve uma única linha de composição de seus sucessos, gravando tudo que seus produtores compuserem, mas ela leva o crédito sozinha nas composições porque ela fatura, em direitos autorais, o que seus produtores e empresários deixam de dar de encargos trabalhistas.

No forró-brega, na axé-music, no "sertanejo", no tecnobrega, há essa precarização do trabalho, o que derruba o suposto esquerdismo que os intelectuais "mais legais do país" bombardeavam manchando as páginas de publicações esquerdistas.

Estas, mordendo a isca, acabam se desgastando. Caros Amigos, por exemplo, se extinguiu em boa parte por causa do "jeito Cabo Anselmo de ser" de MC Leonardo, pupilo do cineasta José Padilha, do mesmo Instituto Millenium do "posto Ipiranga" de Bolsonaro, Paulo Guedes.

A revista Fórum sobrevive na Internet, mas a atuação do "bom esquerdista" Pedro Alexandre Sanches, colaborador free lancer da mídia venal, influiu no desgaste da versão impressa. Vi uma edição de Fórum encalhar porque botou o tecnobrega como capa.

O culturalismo conservador e o economicismo faziam com que o povo pobre, através da bregalização, se tornasse refém da sua própria simbologia de inferioridade social.

As periferias convertidas em "paisagens de consumo", em "safáris humanos", enquanto, em outras abordagens, a objetificação sexual da mulher pobre era vendida como "falso feminismo", recheavam esse discurso "positivo", porém perigoso.

No começo só eu e uns poucos questionavam essa narrativa, e ainda éramos classificados como "preconceituosos" e "higienistas".

Meu Mingau de Aço era uma página de esquerda, mas as críticas ao "popular demais" eram lidas por gente de direita, que na época era a que protestava contra a bregalização cultural.

Só depois quando vários fatores vieram à tona, como a recente bolsonarização de quase todos os brega-popularescos, que as abordagens que eu fazia no blogue, então um "patinho feio" da blogosfera progressista, cresceram, mesmo entre as esquerdas.

Antes foi difícil eu fazer questionamentos, porque ainda havia essa utopia de que a bregalização iria promover uma "revolução popular" no Brasil, transformando subúrbios, roças e, sobretudo favelas, em traduções brasileiras das ruas pobres de Havana, com suas casas velhas e seus carros antigos.

Só quando veio o impeachment e, agora, a vitória de Bolsonaro, é que a coisa mudou. As esquerdas tiveram que lidar com a reação do "pobre de direita" escondido entre funqueiros e "sertanejos".

E aí vemos como se deu esse culturalismo conservador, que jogou nosso rico patrimônio cultural das classes pobres para museus condenados a se consumirem em chamas.

E vemos como se deu esse economicismo que dizia que o "popular demais" gerava empregos, mas antecipando os retrocessos e limitações oficializados pela reforma trabalhista.

Daí que as esquerdas perderam porque, em parte, deram ouvidos ao canto de sereia de intelectuais "bacanas" supostamente solidários aos movimentos progressistas.

Eles abriram caminho para o enfraquecimento dos movimentos populares e com o conservadorismo que estava por trás do mito da "pobreza linda" e da "periferia legal", que defendia a prostituição em detrimento das prostitutas e as favelas em detrimento dos favelados.

Neste coquetel bregalizante, veio a diarreia que colocou um ex-capitão de extrema-direita no poder.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

LULA ESTÁ A SERVIÇO DA ELITE DO ATRASO

A queda de popularidade de Lula está sendo apontada por supostas pesquisas de opinião, o que, na verdade, soam como um reflexo suavizado do que já ocorre desde que Lula decidiu trocar o combate à fome e o desemprego pelas viagens supérfluas ao exterior. Mas os lulistas, assustados com essa realidade, sem saber que ela é pior do que se imagina, tentam criar teorias para amenizar o estrago. Num dia, falam que é a pressão da grande mídia, noutro, a pressão dos evangélicos, agora, as falas polêmicas de Lula. O que virá depois? Que o Lula perdeu popularidade por não ser escalado para o Dancing With the Stars dos EUA para testar o "novo quadril"? A verdade é que Lula perdeu popularidade porque sei governo é fraco. Fraquíssimo. Pouco importam as teorizações que tentam definir como "acertadas" as viagens ao exterior, com a corajosa imprensa alternativa falando em "n" acordos comerciais, em bilhões de dólares atraídos para investimentos no Brasil, isso não convence

RETORNEI DE FÉRIAS

Foram dezoito dias no Grande Rio. Duque de Caxias, sobretudo Xerém, mais Rio de Janeiro, principalmente Tijuca, com passeios pelo Centro, Méier, Del Castilho e Barra da Tijuca. Uma breve passagem em Niterói, focalizando Icaraí e Jardim Icaraí, mas passando pela Rodoviária na Avenida Feliciano Sodré e no Plaza Shopping, no Centro. Dias de férias, entre 19 de dezembro e 06 de janeiro. Ao voltar para São Paulo, é tempo de arrumar a casa e planejar a vida. E o Linhaça Atômica está de volta, depois de alguns dias com reprise de antigas postagens. 2022 foi embora, bastante difícil e um tanto doloroso, e 2023 começa, prometendo ser também um outro ano difícil. Mas vamos seguir em frente, e esperamos que melhorias ocorram. O blogue está de volta.  

LULA NÃO QUER ROMPER COM A VELHA ORDEM

Vamos combinar uma coisa. As redes sociais são dominadas por uma elite bem de vida e de bem com a vida, uma classe brasileira que se acha "a mais legal do planeta", e "a mais equilibrada", sem os fundamentalismos afro-asiáticos nem os pessimismos distópicos do Existencialismo europeu. Essa classe quer parecer tudo de bom e soar, para outras pessoas, diferente dos padrões convencionais da humanidade. Daí a luta de muitos em serem aquilo que não são, parecerem o oposto de si mesmos para lacrar na Internet e obter popularidade e prestígio. Daí ser compreensível que a falsidade é um fenômeno tipicamente brasileiro. O "tomar no cool " que combina pretensiosismos e falsos preciosismos, grandiloquência e espiral do silêncio, a obsessão em parecer diferente sem abandonar as convenções sociais, a luta em parecer novo sem deixar de ser velho, de estar na vanguarda mesmo sendo antiquado, na esperança de que o futuro repita o passado enquanto se vê um museu de grandes

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist