Pesquisando sobre o macartismo, período relativamente trevoso que marcou os EUA na década de 1950, fico informado da figura do jornalista Edward Murrow.
Repórter correspondente da Segunda Guerra Mundial e âncora da rede CBS, Murrow foi um dos notáveis jornalistas estadunidenses da história contemporânea.
Me lembro do apelido jocoso que Paulo Henrique Amorim deu a Sérgio Moro, devido à sua servilidade aos EUA, de "Judge Murrow".
Só que o Murrow que descrevo é outro e atuou em trincheira oposta a políticas reacionárias.
Cito Edward Murrow porque vivemos, no Brasil, um período semelhante, embora mais agressivo e imprevisível, de macartismo.
Com sua vida breve de apenas 57 anos (morreu em 1965; deve ser por causa do cigarro, conforme vi em algumas fotos), Murrow teve seu momento mais destacado durante o macartismo.
Ele realizou várias reportagens e também comentários denunciando a violação dos direitos humanos que o macartismo provocava na sociedade estadunidense.
Por ironia, o senador Joseph McCarthy, ou Joe McCarthy, havia elogiado o talento de Murrow, antes de ser alvo de denúncias do jornalista.
Á frente do programa jornalístico See it Now, marcado por diversas controvérsias, Murrow fez uma série de críticas e veiculou também reportagens e especiais contra o macartismo e o movimento Red Scare (algo como "Pavor Vermelho").
O Red Scare realizava as perseguições a acusados de suposto envolvimento com o comunismo, tidos como "subversivos" ou "traidores da pátria (EUA)".
A atuação de Murrow foi focalizada pelo filme Boa Noite e Boa Sorte (Good Night and Good Luck), de 2005, que George Clooney dirigiu, co-roteirizou e atuou, fazendo o papel de Fred Friendly, principal parceiro de Murrow, interpretado por David Strathairn.
As reportagens contribuíram para a decadência do senador McCarthy, que passou a ser repudiado pela população e, caindo em desgraça, foi para o ostracismo e morreu, doente e triste, aos 49 anos incompletos.
Fico imaginando quem será o Edward Murrow brasileiro. Na mídia alternativa, há vários aspirantes, mas como essa imprensa navega contra a corrente, não terá visibilidade suficiente para derrubar o governo extremo-direitista que se desenha.
Aqui a grande mídia é dependente dos governos, temos uma indústria que só permite documentários chapa-branca, monografias com menor nível de questionamento possível e mal começamos a avançar em jornalismo investigativo.
O que vemos são veículos hesitantes no apoio ao bolsonarismo, como parte das Organizações Globo e a Folha de São Paulo.
O UOL apoiou a campanha de Jair Bolsonaro. A Folha de São Paulo está num clima tímido de perplexidade.
A Globo News sinaliza apoio a Bolsonaro e gostou sobretudo de Paulo Guedes. A Rede Globo mostra maior hesitação, é hostilizada por bolsonaristas e Fantástico planeja desconstruir o "mito" do presidente eleito.
De resto, vemos o Estadão apoiando Jair Bolsonaro a ponto de demitir uma colunista, Ruth Manus, por ter criticado "um certo candidato à presidência", no caso o hoje presidente eleito.
Ruth foi advertida a não escrever mais sobre política por tempo indeterminado. Indignada, ela desafiou os patrões a mantiverem a liberdade dela ou então a rescindir contrato.
Ela segue como colunista do jornal português Observador, para o qual escreve desde 2016.
O Grupo Abril parece apoiar o governo Bolsonaro, com gosto, já prenunciando o "novo" governo desde quando ele ainda disputava o segundo turno da campanha presidencial.
Timidamente, a revista Veja só publicou uma edição criticando a Escola Sem Partido, pela qual chegou a sentir alguma simpatia.
Na capa da edição de 14 de novembro passado, Veja publicou uma ilustração inspirada no antigo livro didático de 1948, Caminho Suave, de Branca Alves de Lima, voltado à alfabetização infantil.
Consta-se que a Escola Sem Partido será uma das propostas mais difíceis do governo Bolsonaro, até porque ela também soa como um macartismo mirim.
Nela, alunos são autorizados a denunciar professores por suposta doutrinação ideológica, eufemismo para apresentação de temas que desagradem a sociedade ultraconservadora.
O professor não pode, por exemplo, comentar por que indígenas podem cursar na faculdade e se formar até em Direito ou dois homens podem ser maridos entre si e criarem um filho adotivo com dignidade e carinho.
Da mesma forma, dizer que a política da Venezuela tem virtudes, como o presidente Nicolas Maduro realizar plebiscitos antes de tomar decisões políticas, também não pode.
Esse neo-macartismo dos trópicos é assustador, mas espera-se que um Edward Murrow surja, seja na mídia hegemônica ou alternativa, com um pingo de visibilidade.
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