Um dos maiores erros cometidos pelas esquerdas foi acolher a pretensa cultura brega-popularesca, ou o "popular demais".
Já se falou muito de toda a retórica de "combate ao preconceito" que deixou as esquerdas médias um tanto desnorteadas diante do apelo emocional demais ao popularesco.
Era um discurso sofisticado trazido por intelectuais "bacanas": jornalistas musicais, antropólogos, cineastas documentaristas etc lutando por um Brasil mais brega.
Isso teve um preço. Enfraqueceu as classes populares, porque elas foram isoladas no entretenimento brega-popularesco.
A intelectualidade "bacana" dizia que o "verdadeiro ativismo" das classes populares era dançar o "funk", o tecnobrega, o "rebolation", o "tchan".
Da mesma forma, os intelectuais considerados "mais legais do Brasil", dentro de um contexto de anti-intelectualismo, diziam que a "verdadeira música de protesto" estava nos ídolos da música cafona dos anos 1970.
Deu no que deu. O povo pobre se afastou das esquerdas, que não se deram conta da armadilha que intelectuais pseudo-solidários tramaram no âmbito cultural.
E aí o povo pobre foi atraído por grupos midiáticos e movimentos religiosos que guiaram a multidão para o bolsonarismo.
Sempre achei estranha essa falácia do "combate ao preconceito", como havia escrito antes.
Mas como eu não tinha muita visibilidade, foi preciso escrever um monte de textos para, ao menos, multiplicar meu questionamento nas buscas de Internet.
O "popular demais" vendia uma falsa imagem de "movimento musical dos sem-mídia".
No entanto, a mídia oligárquica, inicialmente não a Rede Globo, encampou a breguice musical.
Primeiramente, eram rádios controladas por oligarquias regionais, inclusive latifundiárias, que faziam um paradigma estereotipado e caricato das classes populares.
Como dizer que isso era "combate ao preconceito" trabalhando de forma preconceituosa o povo pobre é coisa que demorou-se muito a entender.
No âmbito televisivo, as TVs Tupi, Record e Bandeirantes apostaram na bregalização. Entrando no páreo, a TV Studios de Sílvio Santos, mais tarde SBT, reforçou a campanha, seguida, ainda mais tarde, pela Rede TV!.
Sílvio Santos contribuiu muito para "desenhar" o Brasil brega vigente nos últimos 40 anos.
Difícil ver que essa bregalização ganhou verniz de algo "vanguardista", pretensamente cult e falsamente libertário-esquerdista entre 2002 e 2014.
Sílvio Santos pode ser um talentosíssimo apresentador, de estilo inconfundível, carismático, de programas de puro e indiscutível entretenimento.
Mas é um sujeito bastante conservador. Como, por exemplo, são Pelé e Regina Duarte, e foram os falecidos Monteiro Lobato e aquele "médium espírita de peruca" que defendia que todos temos que "sofrer desgraças em silêncio".
Sílvio Santos, aliás, conseguiu sua TV Studios em São Paulo e no Rio de Janeiro por apoiar muito a ditadura militar.
Ele é tão conservador que, graças a seus programas, as "colegas de trabalho" viraram o paradigma da mulher-coitadinha, a "maria-coitada", estereótipo de mulher submissa e culturalmente subordinada ao que rolava nas rádios e nas TVs, principalmente música brega-romântica.
Boa parte do estereótipo da "solteira popular" seguia esse molde, sobretudo quando eram fãs do chamado "pagode romântico" dos anos 1990 para cá.
E aí Sílvio Santos, que apoiou com muito entusiasmo o governo Michel Temer a ponto de defender as reformas trabalhista e previdenciária, passou a apoiar também Jair Bolsonaro.
O "homem-sorriso", que parece manifestar interesse pela volta do boletim "Semana do Presidente", recorreu ao baú - não o dele, mas o da História do Brasil - para lançar o lema do SBT para os "novos tempos".
Trata-se do velho "Brasil: Ame-o ou Deixe-o" dos tempos do general Emílio Garrastazu Médici e seu "milagre brasileiro".
Uma época em que a bregalização crescia com todo o vapor, fazendo cortina de fumaça para a repressão que ocorria nos bastidores.
E aí vemos o quanto veículos como o SBT estão afinados com esses tempos sombrios que vêm aí.
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