Passado o longo verão do pretenso "combate ao preconceito" da bregalização, criou-se o monstro inesperado que se escondeu por trás do mito da "pobreza linda" e da "periferia legal".
Era o monstro do bolsonarismo, servido inesperadamente pelo "pobre de direita", um subproduto que a "cultura da periferia" ancorada pelo "funk" produziu à revelia de todos.
Ninguém imaginou que o "funk", vindo de um Estado ultraconservador que é o Rio de Janeiro nos últimos 30 anos, faria parte desse contexto.
Dirigentes funqueiros que, mesmo se passando por "esquerdistas convictos", faziam cobranças das esquerdas como se fossem articulistas de Veja, abriram caminho para o "mito".
Funqueiros apadrinhados por José Padilha, blindados pela Rede Globo, inseridos num contexto em que igrejas pentecostais faziam o contraponto moralista da libertinagem erótica dos "bailes funk", enganaram durante anos as forças progressistas.
E aí todo um discurso da bregalização foi desmontado, quando funqueiros, "sertanejos", axézeiros, bregas propriamente ditos etc foram declarar seu voto para Jair Bolsonaro.
A tão sonhada guevarização do brega se desmoronou. Era um discurso que parecia eternamente progressista, apesar de montado pela parceria Globo-Folha.
Desde 1998, quando a Globo tentou "emepebizar" a geração de neo-bregas da Era Collor, o discurso do "combate ao preconceito" fez prevalecer sua hipocrisia.
Achávamos que romperíamos o preconceito aceitando formas preconceituosas, estereotipadas e mercantis, de "expressão popular".
Rádios controladas por oligarquias e empresas de agenciamento de famosos lucravam com esse discurso, sendo eles a face oculta da falácia da "autossuficiência das periferias".
A intelectualidade "bacana" pregou, intensamente, todo um discurso que, pegando emprestado as ideias de Jessé Souza, posso definir como "culturalismo conservador".
E aí, também pegando emprestado as ideias do sociólogo, podemos também definir a MPB autêntica como um "capital cultural" jogado exclusivamente para as elites.
Daí que percebemos que os ídolos "muito populares" de hoje em dia não têm a visceralidade artística de antigos nomes como Cartola, Noite Ilustrada, Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga.
Os "pagodeiros", "sertanejos" e "forrozeiros" neo-bregas de 1989-1992 só poderiam ser "emepebizáveis" por ajuda de terceiros.
Entre 1998 e 2012, mais ou menos, seus discos passaram a ser "embelezados" por arranjadores, com visual trazido pela cosmética geral (maquiadores, artistas gráficos, iluminadores de palcos etc) e equipamentos de ponta.
Os neo-bregas só eram "MPB" para os olhos rasos do produtor médio da TV Globo ou do editor-chefe da revista Caras.
Associados às classes pobres, embora sejam muito ricos e entrosados com as elites, os bregas em geral (bregas dos anos 1970, neo-bregas dos anos 1980-1990 e pós-bregas de 2000 em diante) nunca tiveram a MPB autêntica como seu capital cultural próprio.
Tanto que, quando eles arriscaram "fazer MPB", era às custas de repertório alheio, de um dueto tendencioso com um emepebista (visando motivos comerciais como permitir ao emepebista se apresentar em redutos breganejos, por exemplo) ou da ação de um arranjador profissional.
O discurso de "combate ao preconceito" tinha, portanto, sua hipocrisia.
Ele foi feito, na verdade, para neutralizar o alcance da MPB autêntica ao povo pobre, eliminando o poder mobilizador que os emepebistas tiveram nos anos 1960.
Pedia-se para aceitar formas medíocres de expressão musical, para depois as elites ilustradas, a partir da intelectualidade "bacana", socorrer e "aperfeiçoar" as carreiras dos ídolos "populares demais".
Cria-se toda uma conversa envolvente, que confunde esse socorro como uma "parceria coletiva", sob a desculpa de que a música "é universal" e "permite esse multirão artístico".
Com isso, se disfarçava a mediocridade natural e incurável dos ídolos da música brega-popularesca com uma cosmética visual, publicitária e, sobretudo, sonora.
Eles não ficaram mais talentosos, nem mais criativos, nem mais geniais. E se perderam na obsessão de soarem "mais MPB".
O caso de Zezé di Camargo & Luciano é ilustrativo. Pensava-se que o filme Os Dois Filhos de Francisco iriam colocá-los de graça no primeiro time da MPB.
Isso não aconteceu. Eles passaram a ficar musicalmente mais confusos, e nunca mais lançaram um sucesso novo e seus discos, esporádicos, tornam-se ainda menos populares.
Atualmente, a dupla fatura mais como subcelebridade do que como pretensos artistas musicais.
Eles e seus colegas como Chitãozinho & Xororó, Alexandre Pires, Belo, Leonardo e Daniel se apagaram.
Suas "aventuras" na MPB eram de profundo pedantismo, e não convenceram.
A MPB não estava em suas veias, era apenas um recurso externo para eles se manterem em evidência.
E isso derrubou a utopia sagrada dos intelectuais "bacanas" que choravam pelo suposto "fim dos preconceitos".
Isso porque a MPB continuava "privativa das elites", e a aceitação do brega-popularesco nunca fez da MPB autêntica novamente um patrimônio do povo, como era nos tempos de Jackson e Gonzagão.
Com a bregalização, a MPB continuava sendo uma "utopia" que, em tese, seria palpável depois que os ídolos musicais do "povão" se tornassem ricos, após cinco anos de altas vendagens.
Concluímos, então, que esse "combate ao preconceito" só fez ainda mais agravar o preconceito.
E a máscara caiu quando os bregas foram, quase todos, apoiar Jair Bolsonaro, sobretudo os irmãos Zezé di Camargo & Luciano antes empurrados na goela dos esquerdistas.
Não por acaso, a intelectualidade "bacana" agora só fala de Tropicalismo, depois que a MPB autêntica é que se revelou realmente solidária às forças progressistas. Só que essa intelectualidade agiu tarde, tarde demais.
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