FALECIDO ONTEM, LÔ BORGES APARECE AQUI NUMA FOTO RECENTE NA PRAIA DE PIRATININGA, EM NITERÓI.
A perda repentina de Lô Borges, grande cantor e compositor de MPB, mais uma vez mostra que estamos perdendo os nomes principais da música brasileira de qualidade, sem que possamos ser compensados com uma renovação real que combinasse talento e visibilidade. Ele foi um dos membros do genial movimento do Clube da Esquina, que, apesar de surgido em Belo Horizonte, também experimentou momentos de descontração em Piratininga, bairro praiano de Niterói.
Vivemos um cenário sociocultural devastador, que não é percebido pelos brasileiros por diversos motivos. Primeiro, por causa da alienação reinante nas redes sociais. Segundo, por conta da pouca vivência de nossos formadores de opinião, em grande parte com menos de 65 anos de idade. Terceiro, por conta da interferência empresarial em todas as formas de cultura e entretenimento que contribui para sua deterioração em prol do lucro e sucesso fáceis. E quarto, por conta de “isentões” que passam pano nesse cenário por conta de desculpas que passam pelo desejo de fazer parte da farra culturalista da hora.
Depois da Bossa Nova, o Clube da Esquina foi o movimento de MPB marcado pela admirável qualidade artística. Não tão demonizados quanto os bossanovistas, os músicos do movimento mineiro são subestimados de tal maneira que o público médio de Minas Gerais prefere ouvir o breganejo goiano e similares, na ilusão de que o ritmo brega-popularesco expresse mais romantismo.
Grande engano. O Clube da Esquina tem muito mais romantismo do que até mesmo as investidas pedantes de um Zezé di Camargo & Luciano e um Chitãozinho & Xororó na “MPB de mentirinha”. Descontando as inclinações de Flávio Venturini, fã dos Beatles como todo “sócio do clube”, de procurar o seu Maharishi no “médium” de ideias medievais de Pedro Leopoldo e Uberaba, o movimento mineiro mostra uma integridade artística ímpar e impecável.
A dignidade artística do Clube da Esquina supera, e muito, o saudosismo fabricado de “Evidências”, o constrangedor sucesso de Chitãozinho & Xororó, um dos nomes da onda pseudonostálgica do brega vintage, cujo outro expoente, o cantor baiano Bell Marques, adquiriu um iate de R$ 20 milhões, mais um item do patrimônio nababesco que compensa o vazio artístico-cultural do ídolo da axé-music.
As músicas do Clube da Esquina representam um frescor e uma qualidade melódica ao mesmo tempo espontânea e rica em beleza, e uma qualidade poética do mesmo nível, além de produzir uma brasilidade dialogando com influências de rock progressivo e da música rural mineira, entre outros elementos musicais.
O Clube da Esquina já perdeu o grande poeta Fernando Brant, que nos deixou em 2015. Milton contraiu demência e mal de Parkinson, tendo que encerrar definitivamente a carreira. E, agora, surpreendemos com o falecimento de Lô Borges, justamente quando ele mostrava uma jovialidade artística e uma disposição para seguir em frente com novas e admiráveis canções, das quais a bela “Resposta”, composta com Samuel Rosa e Nando Reis, é uma amostra mais famosa.
Dizem várias fontes da mídia que os jovens de hoje estão redescobrindo a MPB. É certo que os mileniais estão ainda presos a uma perspectiva pós-Tropicalismo e identitária, além de manter uma certa complacência com a música brega-popularesca. Mas o fato de começarem a se enjoar do breganejo, em que pese ainda curtirem a canastrice sonora de Chitãozinho & Xororó (que chegaram a vampirizar o Clube da Esquina com covers oportunistas), já é uma luz, fraca mas emergente, a surgir no fim do túnel.
Lô Borges, ainda jovem em espírito aos 73 anos de idade, nos deixou interrompendo uma carreira que estava se renovando de forma admirável. Resta o consolo de que, a partir de “Resposta”, o legado de Borges seja absorvido pelas gerações recentes e por novas gerações que consigam reconhecer o caráter ultrapassado do som popularesco. A ideia será ter menos “Evidências” e mais “Trem Azul”. Com o Sol na cabeça.
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