A GLAMOURIZAÇÃO DA POBREZA É UM DOS INGREDIENTES DA CAMPANHA DO "COMBATE AO PRECONCEITO" QUE ATUOU DE FORMA INTENSA ENTRE 2002 E 2016. NA FOTO, A FAVELA DA VILA CRUZEIRO, NO COMPLEXO DA PENHA, NO RIO DE JANEIRO.
Uma idade, diferentes níveis. Poucos dias antes do grande Lô Borges falecer aos 73 anos, o ídolo popularesco baiano Bell Marques, ícone da mofada axé-music, comprou um iate avaliado em nada menos do que R$ 20 milhões de reais. É um bem a mais para a fortuna nababesca de um ídolo medíocre superestimado pela mídia por “arrastar multidões” - nada muito diferente do que um vaqueiro conduzindo um gado, vamos combinar - , mas que não sabe cantar um jingle de seu próprio sucesso, como anos atrás para uma rede de supermercados.
Passados mais de cinco anos após a onda do “combate ao preconceito”, iniciativa de um bando de intelectuais, jornalistas e famosos para forçar a aceitação da música brega-popularesca, sufocando os protestos da crítica especializada contra a supremacia do som popularesco durante a década de 1990, a campanha se revelou um desastre.
A grande “frente ampla” da música popularesca - definida pelo cínico rótulo de “MPB com P maiúsculo” - , defendida por muita gente reacionária enrustida que rebateu críticas nas redes sociais, se dissolveu quando boa parte de ídolos musicais passou a defender episódios como o golpe de 2016 e o bolsonarismo.
Ao longo do tempo, os breganejos viraram ícones do conservadorismo musical, eliminando qualquer esperança de associá-lo a uma pretensa “reforma agrária na MPB”. Os vários estilos popularescos mostravam ídolos ricos, aliados de políticos e empresários, associados à mídia patronal, e ao conquistarem o poder, provaram o contrário de toda a choradeira intelectual e midiática pelo “reconhecimento artístico e cultural” do “popular demais”.
O “eterno verão” do “combate ao preconceito” foi uma forma de evitar que eventos como o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE) e o movimento da MPB dos festivais dos anos 1960 ganhasse iniciativas similares na Era Lula.
Através da “santíssima trindade” do historiador Paulo César de Araújo, do jornalista Pedro Alexandre Sanches e do antropólogo Hermano Vianna (irmão do Herbert Vianna, da banda Paralamas do Sucesso) - o termo “santíssima trindade” se deve ao fato deles serem mencionados positivamente em quase todas as páginas da Internet na época - , o “combate ao preconceito” foi um embuste que desmobilizou as classes populares e fez a juventude ficar na zona de conforto de ouvir os sucessos popularescos tocados em rádios que, apesar de “muito populares”, eram controladas por poderosas oligarquias regionais.
A ideia é desmobilizar as classes populares. Apesar de se infiltrar na mídia esquerdista, - os “passeios” de Sanches, o capataz de Otávio Frias Filho, nas redações da mídia alternativa, dizem muito - , a atuação dessa campanha se compara ao que os “institutos” IPES e IBAD fizeram para defender a queda de Jango, em 1964. Eu costumo apelidar a “campanha contra o preconceito” como “o IPES-IBAD com chapéu de tutti-frutti”.
Sim, era um think tank fantasiado de “ativismo libertario”. E os estragos foram maiores, com Sanches quase subindo os degraus do Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé. Sanches, MC Leonardo, Bruno Ramos (Liga do Funk) e até o DJ e empresário Rômulo Costa e, até certo momento, Zezé di Camargo, tiveram seus dias de “Cabo Anselmo” enganando as esquerdas.
O resultado foi o surgimento de uma elite reacionária que pegou carona na idiotização do povo pobre para fingir apoiar a conscientização sociocultural. Com a idiotização da cultura popular e o povo pobre distraído na festa popularesca, os debates públicos se limitaram a ser reuniões de cúpula. O caminho foi aberto para as passeatas da direita pelo golpe de 2016, sem um contraponto à altura. O “baile funk” de Copacabana foi só um “cavalo de Troia” para anestesiar o povo e garantir a votação tranquila do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. Na época, Rômulo Costa era sogro da golpista ferrenha Antônia Fontenelle.
Veio o golpe de 2016, o “pacote de maldades” de Michel Temer e a ascensão de Jair Bolsonaro. Mas o estrago foi feito e Lula e as esquerdas foram domesticados e chegamos ao quadro sociocultural que temos no Brasil. Mas já é tarde demais para o Brasil chegar perto do Primeiro Mundo. A intelligentzia foi mirar no preconceito e quase destruiu nosso país. Vamos levar mais tempo para consertar nossos estragos e, para piorar, ainda há muito entulho cultural da ditadura militar que muitos pensam ser tesouros. Aí a coisa complica.
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