FAVELA "FELIZ" - A imagem etnocêntrica das favelas, segundo a burguesia ilustrada e seus intelectuais "sem preconceito".
1955-1957. Nesse período o cineasta Nelson Pereira dos Santos lançava dois filmes, Rio 40 Graus e Rio Zona Norte (este com uma belíssima atuação de Grande Otelo que, no auge das chanchadas, encarou um triste enredo dramático). Os dois filmes puxaram as discussões em torno da pobreza, com a imprensa manifestando preocupação com a expansão das favelas, vistas como construções precárias e inseguras, e intelectuais renomados refletindo sobre a necessidade do povo pobre em ter moradias mais dignas.
1960. A escritora negra Carolina Maria de Jesus lançava seu primeiro livro, Quarto de Despejo, um relato dramático e realista sobre a vida na pobreza, incluindo o triste cotidiano nas favelas. É uma obra amarga e trágica, baseada na vivência pessoal da própria autora, o que acrescenta, e muito, nos debates em torno da pobreza humana no Brasil.
1967.O então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, decidiu transferir as populações das favelas da Praia do Pinto e de Humaitá, na Zona Sul carioca, para novos conjuntos habitacionais da época, os hoje bairros da Cidade de Deus e Vila Kennedy, ambos na Zona Oeste. Embora haja controvérsias em relação à forma como foram transferidos os moradores, a iniciativa foi pioneira no processo de desfavelização no Brasil.
Essas três ocorrências mencionadas acima são fatos distantes para as novas gerações, que de dorma lamentável passaram a engolir a narrativa das elites intelectuais que, apadrinhadas pelo PSDB, sabotaram os 14 anos de governos progressistas com a falácia do “combate ao preconceito” que glamourizou a pobreza no imaginário da elite do bom atraso.
A intelligentzia considerada “a mais legal do Brasil” fez uma grande pegadinha. Achou que, exaltando as favelas, se estaria exaltando os favelados. Mas exaltar favelas e exaltar favelados não são a mesma coisa. Pelo contrário, trata-se de um recurso perigosa e perversamente preconceituoso vindo de uma elite de supostos esclarecidos que se proclamavam “não terem preconceito algum”.
As narrativas que falavam das favelas como “paraísos de alegria e resiliência popular” contaminaram a imprensa de esquerda, depois de emporcalhar monografias e documentários que deveriam primar por um mínimo de objetividade. Havia até um contraste entre as editorias políticas, que falavam da luta do povo pobre, e das esitorias culturais, que mostravam uma visão carnavalesca das favelas pior do que a que se acusava das chanchadas de terem feito.
Essa narrativa nem surgiu das esquerdas mas dos escritórios da Faria Lima e seus maiores representantes diretos, a Rede Globo e a Folha de São Paulo. Depois ela foi “exportada” para a mídia de esquerda por Pedro Alexandre Sanches e isso acendeu a pólvora do reacionarismo diante dessa troca de bolas: as forças progressistas defendendo a imbecilização cultural e a direita reacionária falando em conscientização.
E aí a retórica da glamourização das favelas e da goumetização da pobreza fez o povo pobre prisioneiro desse cenário precário, enquanto a burguesia ilustrada e seus intelectuais orgânicos exaltavam as favelas, como se os favelasos fossem só um detalhe nessa cenografia imaginária da sociedade “sem preconceitos”, mas terrivelmente preconceituosa.
O Dia da Favela (celebrado no dia 04 de novembro por iniciativa da Central Única das Favelas (Cufa) e aprovado pela Lei Municipal nº 4.383, no Rio de Janeiro), portanto, é tão patético quanto o Dia Mundial do Rock que só é comemorado no Brasil. É uma data que realça a visão dominante da cenografia etnocêntrica das elites abastadas e do "pobre de novela" que glorificam as favelas sob a desculpa de que os favelados seriam mais valorizados com essa data.
Mas o tal Dia da Favela só serve para expressar o paternalismo etnocêntrico da burguesia dita "esclarecida" e descolada. Serve também para promover safáris humanos da elite do bom atraso ávida em fingir que adora o povo pobre. E os favelados são os que menos celebram um dia como esse, sobretudo após a tragédia dos Complexos do Alemão e da Penha, que só reafirmam seu eterno drama de viver com a miséria e a violência.
Quem comemora o Dia da Favela é a elite do bom atraso e sua intelectualidade “bacana”, com seus indivíduos esnobes como o “amigo dedicado” de Oscar Wilde ao posarem de pretensos generosos, se dizendo gostar dos pobres que deixam viver e morrer no sofrimento extremo. E esse pessoal se diz progressista, pasmem vocês!!!!
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