Pular para o conteúdo principal

RELIGIÃO BLINDADA POR VELHAS E RICAS OLIGARQUIAS. E NÃO É NEOPENTECOSTAL

 

A elite do bom atraso produz narrativas que parecem expressão do senso comum. Gírias privativas, juízos de valor, crenças nada realistas, mediocridade cultural, tudo isso é vendido na mídia e nas redes sociais como se fossem valores universais e atemporais, de grande interesse público, e milhares de pessoas acreditam nessas lorotas, cujas narrativas são bem construídas e produzem sentido ao mesmo tempo falso e altamente convincente. Mentiras escancaradas que ganham reputação de “verdades indiscutíveis”.

Na religião, imaginamos que o mal se encerra nos movimentos neopentecostais, com seus pastores e “bispos” de colarinho branco extorquindo fiéis e fazendo eles defenderem valores reacionários que, no âmbito político, estão associados ao bolsonarismo. Imaginamos a fé obscurantista nos limites desses clichês histriônicos de pregadores raivosos que falam aos berros.

Poucos percebem que as piores armadilhas estão associadas à suavidade, à simbologias belas e sublimes, e as pessoas mais traiçoeiras são as que falam macio, sorriem, forjam simpatia e falam coisas lindas. Quase ninguém percebe o “amigo dedicado” do conto de Oscar Wilde, ao mesmo tempo egoísta e explorador, mas pronto a dissimular usando uma pretensa amabilidade com um humilde jardineiro.

O Espiritismo brasileiro é, em muitos aspectos, muitíssimo pior do que as seitas neopentecostais. Posso dizer isso porque segui a religião durante 28 anos. É, praticamente, o tempo de vida de Jimi Hendrix, Jim Morrison e Amy Winehouse. E eu nunca fui ajudado por essa religião que parece uma mancenilheira astral, combinando venenos mortíferos com sabor melífluo.

Tão associada ao assistencialismo com os pobres, com muitos exagerando até na atribuição de uma cumplicidade com os pobres que na verdade nunca existiu, o Espiritismo brasileiro é a religião da elite do bom atraso, dos descendentes das velhas oligarquias e das elites que contribuíram com o golpe militar de 1964 e o fortalecimento da ditadura militar..

E nada como a questão das velhas oligarquias para explicar a influência delas nessas religiões que investem na caridade de fachada, como o Espiritismo brasileiro e a Legião da Boa Vontade, não bastasse elas servirem também de lavagem de dinheiro de grandes empresários. A fachada de “dedicação total aos mais carentes” associada a uma retórica dócil, suave e sorridente, quase infantilizada e ao mesmo tempo paternalista e fortemente piegas, dá o tom desse obscurantismo religioso disfarçado de ecumenismo falsamente futurista.

No caso do Espiritismo brasileiro, há um ponto a destacar: a religião na prática nada tem a ver com a Doutrina Espírita original, a não ser por um mero jogo de aparências, como o uso de clichês dos procedimentos da Codificação. Isso serve apenas de máscara para seu verdadeiro conteúdo, o velho Catolicismo jesuíta da Idade Média, que vigorou no Brasil durante o período colonial. 

O chamado “kardecismo” mais parece uma nova fachada jurídica para a velha Companhia de Jesus, depois que ela teve que encerrar as atividades na então colônia sul-americana por ordem do então primeiro-ministro português Marquês de Pombal, em função do rigoroso corte de despesas para recuperar Portugal do prejuízo gigantesco causado pelo trágico terremoto de 1755.

E o poder oligárquico sempre ajudou no crescimento do Espiritismo à brasileira. Sobretudo quando um famoso “médium” de Minas Gerais tornou-se ajudante dos grandes proprietários de terra do Triângulo Mineiro, cujo caráter conservador é muito subestimado pela mídia. O “médium” tornou-se protegido e teria ganho títulos de terras, depois doadas para a “caridade”.

Em Salvador, também os “coronéis” patrocinam o Espiritismo brasileiro local, surgido em seu interior no século 19. O coronelismo baiano influi no poder falsamente progressista do Nordeste, onde os proprietários de terras sempre se passam por politicamente avançados, tentando parecer diferentes dos “coronéis” das demais regiões.

Vejam como é o processo. O Espiritismo brasileiro tem origem oligárquica e sua doutrina tem muito mais a ver com a repaginação do velho Catolicismo medieval jesuíta do que das descobertas da espiritualidade trazidas por Allan Kardec. E o Espiritismo brasileiro é marcado também por sua profunda, persistente e incurável desonestidade doutrinária, um dado que a fez uma religião pior do que as seitas neopentecostais, que ao menos possuem uma notável honestidade doutrinária.

Por trás da fachada falsamente moderna, progressista e libertadora, o Espiritismo brasileiro, diferente da suposta matriz francesa, é uma religião ultraconservadora que culpabiliza a vítima e faz juízos de valor nas vontades, desejos e necessidades das pessoas. É uma religião a serviço das classes dominantes e que supervaloriza a precária filantropia que só dá uns poucos donativos para os pobres, que nunca saem de sua condição miserável.

A Teologia do Sofrimento é a base do Espiritismo brasileiro e isso é uma herança do movimento jesuíta, que de forma explícita influencia essa religião, vide a evocação de padres jesuítas a partir do célebre Manuel da Nóbrega, que acabou sendo tratado como um dublê de pensador da referida doutrina brasileira.

A influência do Catolicismo medieval do Brasil colonial no Espiritismo brasileiro é tão nítida e forte que soa ingênuo dizer que isso é fruto de uma inocente tradição da religiosidade popular em nosso país. A herança católica segue uma orientação conservadora e voltada aos interesses dos grandes proprietários de terras preocupados com as revoltas dos camponeses e do povo pobre em geral. 

E isso faz com que a chamada “caridade espírita” seja uma ferramenta que os donos do poder econômico utilizam para domesticar e anestesiar os pobres - que em verdade e em maioria nunca se identificam com a religião e muito menos seus sacerdotes chamados “médiuns” - , através tanto da filantropia precária que não quer dar mais para os mais carentes para “não acostumar mal”, quanto pelo próprio apelo para os oprimidos aguentarem suas piores desgraças sem fim sob a promessa de obter, depois da morte, as supostas “bençãos infinitas”.

Os lábios de mel dos pregadores “espíritas” engana, ilude e alicia aqueles que acham que o pior mal das religiões está nos neopentecostais. As suplicas nos “centros espíritas” para os fiéis vierem com mais doações dá um ar de falsa pobreza que oculta a aberrante realidade de seus pregadores e tarefeiros possuírem apartamentos de luxo e os “médiuns”, supostamente vivendo do voto de pobreza, possuírem carrões, fazendas, apartamentos e muito dinheiro para fazer turismo no exterior.

E isso é feito com a ajuda não só do empresariado que, sob o pretexto da ajuda ao próximo, realiza lavagens de dinheiro, como dos “coronéis” do interior da Bahia e do Triângulo Mineiro que oferecem dinheiro e proteção a seus pregadores. Ou seja, os grandes donos das terras conquistadas no período colonial não se esquecem da herança do velho movimento jesuíta, que ressurgiu sob o rótulo farsesco do “kardecismo”, e resolveu investir e sustentar esta que, sem a menor sombra de dúvida, é a religião mais conservadora do Brasil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

INFANTILIZAÇÃO E ADULTIZAÇÃO

A sociedade brasileira vive uma situação estranha, sob todos os aspectos. Temos uma elite infantilizada, com pessoas de 18 a 25 anos mostrando um forte semblante infantil, diferente do que eu via há cerca de 45 anos, quando via pessoas de 22 anos que me pareciam “plenamente adultas”. É um cenário em que a infantilizada sociedade woke brasileira, que chega a definir os inócuos e tolos sucessos “Ilariê” e “Xibom Bom Bom” cono canções de protesto e define como “Bob Dylan da Central” o Odair José, na verdade o “Pat Boone dos Jardins”, apostar num idoso doente de 80 anos para conduzir o futuro do Brasil. A denúncia recente do influenciador e humorista Felca sobre a adultização de menores do ídolo do brega-funk Hytalo Santos, que foi preso enquanto planejava fugir do Brasil, é apenas uma pequena parte de um contexto muito complexo de um colapso etário muito grande. Isso inclui até mesmo uma geração de empresários e profissionais liberais que, cerca de duas décadas atrás, viraram os queridões...

A TRAGÉDIA DOS COMPLEXOS DO ALEMÃO E DA PENHA E DO PRAGMATISMO CARIOCA

MEGAOPERAÇÃO CONTRA O COMANDO VERMELHO PRENDEU 81 SUPOSTOS ENVOLVIDOS, ALÉM DO TIROTEIO TER CAUSADO 64 MORTES. No Rio de Janeiro, nas áreas que envolvem o Complexo do Alemão e o Complexo da Penha, na Zona Norte - próximas às principais vias de acesso para outros Estados, a Avenida Brasil e a Linha Amarela - , a Operação Contenção, decidida à revelia da Justiça pelo governador estadual Cláudio Castro, tentou repetir a espetacular operação policial de 2010, mas de uma forma cada vez mais trágica. A megaoperação, cujo objetivo era prender as lideranças do Comando Vermelho que exercem poder em outros Estados, prendeu 81 pessoas e apreendeu mais de noventa fuzis, vários radiocomunicadores e duzentos quilos de drogas.  No tiroteio, mais de 100 pessoas morreram, entre elas dois policiais civis e dois policiais militares. Nove pessoas saíram feridas. O episódio da megaoperação já é considerado o mais letal da história do Rio de Janeiro, superando as já chocantes tragédias da Candelária e V...

DOUTORADO SOBRE "FUNK" É CHEIO DE EQUÍVOCOS

Não ia escrever mais um texto consecutivo sobre "funk", ocupado com tantas coisas - estou começando a vida em São Paulo - , mas uma matéria me obrigou a comentar mais o assunto. Uma reportagem do Splash , portal de entretenimento do UOL, narrou a iniciativa de Thiago de Souza, o Thiagson, músico formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) que resolveu estudar o "funk". Thiagson é autor de uma tese de doutorado sobre o gênero para a Universidade de São Paulo (USP) e já começa com um erro: o de dizer que o "funk" é o ritmo menos aceito pelos meios acadêmicos. Relaxe, rapaz: a USP, nos anos 1990, mostrou que se formou uma intelectualidade bem "bacaninha", que é a que mais defende o "funk", vide a campanha "contra o preconceito" que eu escrevi no meu livro Esses Intelectuais Pertinentes... . O meu livro, paciência, foi desenvolvido combinando pesquisa e senso crítico que se tornam raros nas teses de pós-graduação que, em s...

BURGUESIA ILUSTRADA: UMA CLASSE HETEROGÊNEA?

O contexto da “democracia de um homem só” de Lula e da elite do bom atraso que o apoia leva muitos a perguntar sobre essa “diversidade de miniatura” comandada por uma classe sedenta em dominar o mundo e que tem no petista seu fiador para a realização de sua ambição em se impor como um modelo de humanidade a ser seguido pelo resto do planeta. Afinal, todos adoram brega? Todos seguem ou são simpatizantes da religião “espírita”? Todos são fanáticos por futebol? Todos são fumantes? Todos bebem cerveja? Todos apoiaram o golpe militar de 1964? Todos são fãs de subcelebridades? Todos renegam ou superestimam os medalhões da MPB? É claro que não, mas há um padrão comum nessa elite bronzeada que faz com que ela se defina como uma classe relativamente heterogênea, voltada a desenvolver sua minidemocracia para inglês ver. Precisam parecer culturalmente versáteis e forçadamente originais, dentro do seu viralatismo com pedigree. As afinidades giram em torno de valores que os tataranetos das velhas o...

A PROFUNDA FALTA DE VISÃO DOS EMPREGADORES

A questão do emprego ainda ocorre de maneira viciada, com muita exigência para trabalhos simples e de pouco salário ou, quando função e remuneração valem a pena, a competência é o que menos importa, pois se leva em conta o status social, a aparência e até a visibilidade e contatos influentes. Neste caso, tivemos a onda de influenciadores digitais e comediantes de estandape invadindo mercados referentes a Jornalismo e Análise de Mídias Sociais. E a ilusão da aparência nos cargos de assistente administrativo, onde são contratados pessoas com “cara” de administrador, mas sem “espírito” para a função. Profundamente atrasado, o Brasil ainda tem dificuldade para achar o profissional certo. Talento só serve para patrões incompetentes se promoverem às cistas de alguém talentoso, quando seu interesse é se destacar nos negócios. Mas até isso é um processo raro, pois na maioria dos casos um patrão ruim contrata um empregado pior, mas de boa aparência e comportamento maleável. Muitas empresas cont...

MASSACRE NOS COMPLEXOS DO ALEMÃO E DA PENHA E A HIPOCRISIA DO “COMBATE AO PRECONCEITO”

A chacina ocorrida nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, mostram o caráter de hipocrisia da burguesia ilustrada e de seus representantes da intelectualidade, que durante anos apelaram para a campanha do “combate ao preconceito” como forma de forçar a permanência da degradação sociocultural do povo pobre. A ideia de fazer apologia à bregalização, glamourizando a pobreza, passando pano na baixa escolaridade e no trabalho precário, incluindo o comércio clandestino e a prostituição, vinda de intelectuais badalados que se elogiavam uns aos outros, fazia com que as favelas virassem cenários definitivos, como se fossem habitats naturais do povo pobre. Tudo era feito para “prender” os pobres na sua inferioridade social e essa ideologia do dito “combate ao preconceito” enganou e sabotou as esquerdas. A ideia da “pobreza linda”, as favelas vistas como “paraísos da gente humilde” fazia antropólogos, cineastas, historiadores, músicos e críticos musicais despejarem seu elitismo cul...

NEGACIONISTA FACTUAL E SUA NOÇÃO DE DEMOCRACIA

O negacionista factual não entendeu o texto que este blogue publicou a respeito do voto de cabresto . Deve achar que são fale news, só que não são. Chocado com a ilustração do capataz de fazenda dando papéis com o nome de Lula , o negacionista factual foi logo pedir boicote, após saltar da cadeira e dizer que “isso é um absurdo”. Só que ele não leu o texto com atenção. As críticas a Lula foram construtivas. Sugerimos que ele, com todo o favoritismo que tenha, deveria enfrentar os outros competidores em vez de tentar passar por cima deles. Pode ser Ciro , Tarcísio , Zema , Cabo Daciolo , seja quem for. Lula não podia passar por cima dos outros candidatos para impor sua candidatura. Não existe essa coisa de “Brasil, acima de tudo, Lula acima de todos”. A democracia tem essas regras. Não é minha opinião, são princípios que Lula destespeitou na campanha de 2022, na qual ele se recusou a enfrentar outros concorrentes diante de sua sanha em se opor apenas a Jair Bolsonaro . Corintiano convic...