AS UNIVERSIDADES FEDERAIS DE MINAS GERAIS E SANTA CATARINA FORAM OS PRINCIPAIS ALVOS DA TRUCULÊNCIA JURÍDICA DA POLÍCIA FEDERAL.
O abuso de poder mediante inquéritos sobre supostos esquemas de corrupção nas universidades públicas é chocante, principalmente nas ações da Polícia Federal voltadas à condução coercitiva de acusados, que, além de não terem necessidade desse aparato agressivo, têm direito de serem convocados pacificamente e de acordo com o direito constitucional de ampla defesa.
A espetacularização e o valentonismo que humilham acusados que, numa situação democrática, apenas seriam convocados a depor, dentro de um limite de horário para comparecimento e sem a violência policial, causam revolta sobretudo por causa dessa catarse moralista e reacionária que domina o país nos últimos dois anos.
Sob a desculpa de "mostrar serviço", "agir com celeridade" e "combater a impunidade", verdadeiros atentado às leis e aos direitos humanos são cometidos, com uma prepotência comparável à das Forças Armadas durante a ditadura militar.
A condução coercitiva, portanto, está sendo feita em pleno desrespeito à comunidade universitária, tendo, pela sua carga desmoralizante bastante pesada, impulsionado o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Chancellier de Olivo, a cometer suicídio.
Esse suicídio, feito num shopping center de Florianópolis, foi o apelo para denunciar o cenário político que temos e os abusos cometidos por setores do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal - para não dizer o empresariado e a mídia associados.
Um manifesto de intelectuais, acadêmicos e outras personalidades ligadas aos movimentos sociais e ao cenário político e jurídico progressista, foi lançado para repudiar a condução coercitiva aos docentes da UFMG e a atos similares.
É, portanto, um manifesto contra a arbitrariedade e a repressão, pedindo que seja respeitada a comunidade universitária e, no caso de haver investigação sobre supostos esquemas de corrupção, que seja feita conforme a lei e respeitando a integridade humana.
Além disso, a condução coercitiva envolveu supostas denúncias relacionadas à construção do Memorial da Anistia, um símbolo a relembrar dos terríveis episódios de repressão da ditadura militar, o que é irônico diante dos atos repressivos da Polícia Federal hoje.
Outro dado a considerar é o repúdio justo dos compositores João Bosco e Aldir Blanc pelo uso da música "O Bêbado e o Equilibrista", um dos símbolos musicais da redemocratização na voz de Elis Regina, como trilha sonora da operação cinicamente chamada de "Esperança Equilibrista".
Sim, é a tal operação de condução coercitiva que tanto humilhou reitores e ex-reitores da UFMG, um deles tendo feito tratamento contra grave doença meses atrás.
Reproduzimos então esse manifesto, e aqui manifestamos ampla solidariedade à democracia e às vítimas desse ato grotesco, além de defendermos também a Educação pública, decisiva para a formação de verdadeiros cidadãos.
******
MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL
07 de dezembro de 2017
Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal, no dia 6 de dezembro de 2017.
O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal tem se tornado rotina no país.
Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.
É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando nãosó coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.
Assinam:
Paulo Sérgio Pinheiro (ex-ministro da secretaria de estado de direitos humanos)
Boaventura de Sousa Santos (professor catedrático da Universidade de Coimbra)
André Singer (professor titular de ciência política da USP e ex-secretário de imprensa da presidência)
Ennio Candotti (ex-presidente e presidente de honra da SBPC)
Newton Bignotto (professor do Departamento de Filosofia da UFMG)
Leonardo Avritzer (ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)
Fabiano Guilherme dos Santos (presidente da Anpocs)
Maria Victória Benevides (professora titular da Faculdade de Educação da USP)
Roberto Schwarz (professor titular de Literatura da Unicamp)
Renato Perissinoto (presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)
Fábio Wanderley Reis (professor emérito da UFMG)
Cícero Araújo (professor do Departamento de Ciência Política da USP)
Sérgio Cardoso (professor do Departamento de Filosofia da USP)
Marilena de Souza Chauí (professora titular do Departamento de Filosofia da USP)
Fábio Konder Comparato (professor emérito da Faculdade de Direito da USP)
Ângela Alonso (professora do Departamento de Sociologia da USP)
Juarez Guimarães (professor do Departamento de Ciência Política da UFMG)
Michel Löwy (pesquisador do CNRS, França)
Adauto Novaes (Arte e Pensamento)
Maria Rita Kehl (psicanalista)
Thomás Bustamante (professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Lilia Moritz Schwarcz (professora do Departamento de Antropologia da USP)
Gabriel Cohn (ex-diretor da Faculdade de Filosofia da USP)
Marcelo Cattoni (professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Amélia Cohn (professora do Departamento de Medicina Preventiva da USP)
Dulce Pandolfi (Historiadores pela Democracia)
Oscar Vilhena Vieira (diretor e professor da Faculdade de Direito da FGV-SP)
Alfredo Attié (presidente da Academia Paulista de Direito Titular da Cadeira San Tiago Dantas)
O abuso de poder mediante inquéritos sobre supostos esquemas de corrupção nas universidades públicas é chocante, principalmente nas ações da Polícia Federal voltadas à condução coercitiva de acusados, que, além de não terem necessidade desse aparato agressivo, têm direito de serem convocados pacificamente e de acordo com o direito constitucional de ampla defesa.
A espetacularização e o valentonismo que humilham acusados que, numa situação democrática, apenas seriam convocados a depor, dentro de um limite de horário para comparecimento e sem a violência policial, causam revolta sobretudo por causa dessa catarse moralista e reacionária que domina o país nos últimos dois anos.
Sob a desculpa de "mostrar serviço", "agir com celeridade" e "combater a impunidade", verdadeiros atentado às leis e aos direitos humanos são cometidos, com uma prepotência comparável à das Forças Armadas durante a ditadura militar.
A condução coercitiva, portanto, está sendo feita em pleno desrespeito à comunidade universitária, tendo, pela sua carga desmoralizante bastante pesada, impulsionado o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Chancellier de Olivo, a cometer suicídio.
Esse suicídio, feito num shopping center de Florianópolis, foi o apelo para denunciar o cenário político que temos e os abusos cometidos por setores do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal - para não dizer o empresariado e a mídia associados.
Um manifesto de intelectuais, acadêmicos e outras personalidades ligadas aos movimentos sociais e ao cenário político e jurídico progressista, foi lançado para repudiar a condução coercitiva aos docentes da UFMG e a atos similares.
É, portanto, um manifesto contra a arbitrariedade e a repressão, pedindo que seja respeitada a comunidade universitária e, no caso de haver investigação sobre supostos esquemas de corrupção, que seja feita conforme a lei e respeitando a integridade humana.
Além disso, a condução coercitiva envolveu supostas denúncias relacionadas à construção do Memorial da Anistia, um símbolo a relembrar dos terríveis episódios de repressão da ditadura militar, o que é irônico diante dos atos repressivos da Polícia Federal hoje.
Outro dado a considerar é o repúdio justo dos compositores João Bosco e Aldir Blanc pelo uso da música "O Bêbado e o Equilibrista", um dos símbolos musicais da redemocratização na voz de Elis Regina, como trilha sonora da operação cinicamente chamada de "Esperança Equilibrista".
Sim, é a tal operação de condução coercitiva que tanto humilhou reitores e ex-reitores da UFMG, um deles tendo feito tratamento contra grave doença meses atrás.
Reproduzimos então esse manifesto, e aqui manifestamos ampla solidariedade à democracia e às vítimas desse ato grotesco, além de defendermos também a Educação pública, decisiva para a formação de verdadeiros cidadãos.
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MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL
07 de dezembro de 2017
Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal, no dia 6 de dezembro de 2017.
O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal tem se tornado rotina no país.
Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.
É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando nãosó coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.
Assinam:
Paulo Sérgio Pinheiro (ex-ministro da secretaria de estado de direitos humanos)
Boaventura de Sousa Santos (professor catedrático da Universidade de Coimbra)
André Singer (professor titular de ciência política da USP e ex-secretário de imprensa da presidência)
Ennio Candotti (ex-presidente e presidente de honra da SBPC)
Newton Bignotto (professor do Departamento de Filosofia da UFMG)
Leonardo Avritzer (ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)
Fabiano Guilherme dos Santos (presidente da Anpocs)
Maria Victória Benevides (professora titular da Faculdade de Educação da USP)
Roberto Schwarz (professor titular de Literatura da Unicamp)
Renato Perissinoto (presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)
Fábio Wanderley Reis (professor emérito da UFMG)
Cícero Araújo (professor do Departamento de Ciência Política da USP)
Sérgio Cardoso (professor do Departamento de Filosofia da USP)
Marilena de Souza Chauí (professora titular do Departamento de Filosofia da USP)
Fábio Konder Comparato (professor emérito da Faculdade de Direito da USP)
Ângela Alonso (professora do Departamento de Sociologia da USP)
Juarez Guimarães (professor do Departamento de Ciência Política da UFMG)
Michel Löwy (pesquisador do CNRS, França)
Adauto Novaes (Arte e Pensamento)
Maria Rita Kehl (psicanalista)
Thomás Bustamante (professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Lilia Moritz Schwarcz (professora do Departamento de Antropologia da USP)
Gabriel Cohn (ex-diretor da Faculdade de Filosofia da USP)
Marcelo Cattoni (professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Amélia Cohn (professora do Departamento de Medicina Preventiva da USP)
Dulce Pandolfi (Historiadores pela Democracia)
Oscar Vilhena Vieira (diretor e professor da Faculdade de Direito da FGV-SP)
Alfredo Attié (presidente da Academia Paulista de Direito Titular da Cadeira San Tiago Dantas)
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