Os cariocas e fluminenses se tornaram muito intolerantes, insensíveis e ensimesmados nos últimos 25 anos.
De 2007 para cá, passaram também a ter voto podre.
Votaram em políticos do PMDB local que padronizaram ônibus, causaram rombo nos cofres públicos, usaram eventos esportivos de ponta para se enriquecerem e deixaram o Estado vulnerável à violência.
Votaram em Eduardo Cunha acreditando que ele iria moralizar o país e ele derrubou a presidenta Dilma Rousseff e deixou o Brasil em sério declínio em diversos sentidos.
Ameaçaram colocar Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, mas como este está se desgastando e carece do apoio da plutocracia, ele tende a naufragar.
Mesmo assim, o apoio a essa infeliz figura revela o quanto cariocas e fluminenses se tornaram conservadores, transformando o Rio de Janeiro numa "Calibama", misto de Califórnia com Alabama, só para citar dois Estados dos EUA.
Os cariocas e fluminenses, que contraíram a doença do provincianismo no qual pareciam nunca serem capazes de contrair, se tornaram os mais matutos de todo o Brasil.
A situação está tão grave que o pessoal do Grande Rio precisa que a imprensa lhe diga que o Estado do Rio de Janeiro está vivendo uma grave crise, não só financeira, político-econômica e policial, mas generalizada.
Se, por exemplo, O Dia não noticiar que o Rio de Janeiro está decadente, o carioca vai achar que sua cidade continua vivendo os dias áureos de sempre.
Isso porque não basta sentir no cotidiano. O pessoal até perdeu o olfato, deixando de se preocupar com o fedor dos velhos caminhões de lixo que servem Rio de Janeiro, Niterói e outras cidades.
Claro que catarinenses e gaúchos e, em certo sentido, os paulistas e mineiros, também concorrem com os cariocas e fluminenses no que os baianos definem como "tabarel".
Mas o pessoal do Estado do Rio de Janeiro é imbatível no processo que combina indigência cultural, intolerância social e um misto de conformismo, resignação e contentamento com pouco.
Fumam demais e ignoram o fato de que, constantemente, muitos atores, jornalistas e músicos que morrem na casa dos 60 anos e até menos, faleceram em função do tabagismo.
O pessoal do Rio fica apegado numa visão ensandecida que se define como "pragmatismo".
É aceitar o básico, se contentar com pouco, aceitar a queda de qualidade de certas coisas porque, pelo menos, "é melhor do que nada".
Tolices como "Não é 100%, mas até que está bom demais" viraram clichê entre cariocas e fluminenses.
Na cultura rock, o Rio de Janeiro sucumbiu a uma situação constrangedora.
Da abrangência da Fluminense FM, a cultura rock sucumbiu à queda vertiginosa e vergonhosa com o superficialismo hit-parade da canastrona Rádio Cidade.
Isso fez com que os roqueirões pagassem mico, a ponto de haver "fãs de uma música só", o maior "mico" da chamada "nação roqueira".
Ver que, com 50 anos de carreira, o Deep Purple ser conhecido somente por "Smoke on the Water" é constrangedor.
Outras coisas fazem os cariocas e fluminenses se isolarem do resto do Brasil, não bastasse o apetite desmesurado pelo feudalismo eletrônico das redes sociais.
O fanatismo pelo futebol é um exemplo, quando virou até anedota o carioca perguntar a alguém o time antes de perguntar o nome.
Com tanta coisa para falar e curtir, só curtir futebol é totalmente ridículo.
Por sorte, Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco não são invencíveis, e, portanto, não devem ser vistos como religiões de um fundamentalismo futebolista.
Esse fundamentalismo chega ao ponto do grotesco ato de poluição sonora, com torcedores gritando feito trogloditas em altas horas da noite, a cada gol de um time preferido.
A gritaria ofende aqueles que querem dormir para acordar no dia seguinte para serviço, estudos ou outras atividades e gostaria de ter sossego.
E a cerveja? Por mais que a maioria curta cerveja, forçar alguém a gostar da bebida é humilhante e não permitir que um amigo troque a "loura gelada" por um refrigerante, chá ou refresco é sinal de intolerância social.
Da mesma forma, o cyberbullying ou valentonismo digital é um sinal de intolerância social, fortalecida pela "síndrome de Estocolmo" na qual muitos internautas que parecem muito simpáticos pegam carona no valentão acreditando no papo da "brincadeira" e do "bom humor".
Com isso, a pretexto de "diversão", reputações são assassinadas com danos morais gravíssimos.
Os valentões se fortalecem porque as pessoas de bem, seja por constrangimento, complacência ou credulidade, aderem a seu discurso "humorístico" que promete "muita diversão".
E, no Rio de Janeiro, o pessoal adere, achando que está no lado dos fortes. Ah, mas quantos cyberbullies poderiam decair se fizessem suas ofensas sozinhos, sem apoio algum!
Mas a mesmice e os retrocessos dos cariocas e fluminenses não para por aí.
Agora se tem a tatuagem.
Gente que nem imagina que pode ser tatuada, de repente, aparece com uma tatuagem enorme numa das pernas ou numa parte destacada do corpo.
Nem há necessidade disso e tatuagem, assim como piercing, não tem mais diferencial nem simboliza mais qualquer rebeldia ou inovação.
Fala-se até dos princípios dos reacionários do Grande Rio: TFP, Tatuagem, Fúria e Piercing.
No brega-popularesco, há tantos ídolos e subcelebridades cheios de tatuagens, tantas siliconadas tatuando o corpo, que a gente até pergunta se a tatuagem não seria uma atitude cafona demais.
Falando nisso, enquanto a Bahia começa a se livrar do monopólio da axé-music, aqui se começa a desenvolver a monocultura do "funk".
O "funk" é sintoma do Rio de Janeiro dos anos 90 para cá: aboliu a figura do músico e apostou num rigor estético ferrenho, embora nivelado por baixo, um rigor que quase ninguém percebe.
E comparam o "funk" com o samba, pasmem. Mas vá, em 1990, alguém pedir para um DJ inserir um violão e uma gaita, aceitar MC tocando guitarra etc. O DJ não deixava, "atrapalhava" seu trabalho.
A ideia era só o MC se contentar com o microfone e o acompanhamento de algum dançarino ou dançarina. "Funk" é Michel Temer, é reforma trabalhista, é terceirização, pejotização.
No samba, se inseriram violões de origem na guitarra lusitana, violas, cavaquinhos, clarinetes, pianos, e muitos ritmos derivados vieram, do maracatu ao chorinho.
O "funk" é um sintoma dos preconceitos elitistas, dos paternalismos, das omissões, dos tendenciosismos, dos pragmatismos, de tantos problemas e vícios dos cariocas e fluminenses.
Virou uma aberração que todos querem que seja "cultura", mesmo recusando o processo cultural de evolução sonora, porque toda mudança ocorrida no "funk" foi feita a pedido do "deus mercado".
Poucos conseguem admitir que o "funk" é tão mercantilista quanto, por exemplo, o mercado financeiro.
Bom, esses são alguns dos aspectos de um Estado do Rio de Janeiro que se isola do país, se torna desumano e fechado nas suas convicções e nos hábitos contraídos há 25 anos.
E que faz o Rio de Janeiro, o município, antes um projeto de "cidade-modelo" para o país, se tornar capital de uma bolha de plástico que fecha um Estado do Sudeste para as mudanças no restante do país.
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