JORNALISTA JOTABÊ MEDEIROS LANÇOU TESE DE QUE RAUL SEIXAS TERIA DEDURADO PAULO COELHO À DITADURA MILITAR.
Eu escrevi, anteontem, mas publicando o texto ontem, sobre o caso do novo livro de Jotabê Medeiros, Não Diga Que a Canção Está Perdida, a respeito de duas interpretações sobre fatos estranhos envolvendo Raul Seixas.
Jotabê cometeu duas iconoclastias em suas interpretações, dadas por entrevistas, pois o livro ainda está para ser lançado.
Uma foi a que Raul Seixas teria "revitalizado" a música brega produzindo discos de Odair José, Diana, Márcio Greyck e um tal de José Roberto.
Mas a que mais impactuou foram os controversos episódios da suposta denúncia de Raul contra seu amigo e letrista Paulo Coelho ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
Foi em 1974, e os depoimentos tiveram como foco o álbum Krig Ha Bandolo!, de 1973, e a música "Sociedade Alternativa". Os manifestos de um livreto e o significado oculto da SocAlt intrigaram os militares.
Primeiro Raul foi intimado a depor e foi liberado. Depois ele levou Paulo Coelho para depor. Raul depôs primeiro e voltou. Esperou Paulo por fora do DOPS, por meia hora, e aí ele também voltou.
Foram pegar um táxi mas dois carros cercaram o veículo e ocupantes armados renderam e levaram Paulo Coelho de volta ao DOPS, onde foi torturado com choques elétricos e espancamentos.
Na versão dada para o Clarin, jornal argentino, edição de 14 de setembro (Internet) e 15 de setembro (impresso), Paulo Coelho narrou episódio parecido, mas sem mencionar Raul.
Coelho disse, em princípio, que o episódio seria um "segredo que ele levaria para o túmulo".
Mas depois ele recuou, dizendo que não fica explorando "feridas que se cicatrizaram".
Em seguida, Coelho desconfiou das intenções de Jotabê Medeiros, dizendo que ele inventou essa denúncia para vender mais seu livro.
Correto foi o método de pesquisa, em parte, que Jotabê realizou: pesquisou documentação, e obteve do Arquivo Público do Rio de Janeiro os documentos que sugerem que Raul e Paulo depuseram para o DOPS.
O erro de Jotabê foi o de plantar uma hipótese só pelo fato de Raul ter aparecido duas vezes em um prazo pequeno e não ter sido capturado.
Mas Raul falou uma mensagem subliminar, provavelmente na tentativa de combinar uma solução para o amigo, mas o letrista não entendeu.
Creio que Raul não queria entregar Paulo Coelho à ditadura. Pelo contrário, ele teve que levá-lo a contragosto para o DOPS, porque o ambiente político exigia mesmo.
Reações adversas a Jotabê Medeiros vieram de Cynara Menezes, do blogue Socialista Morena, e do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de um dos mortos da ditadura, o deputado Rubens Paiva.
Em mensagens diverentes, Cynara e Marcelo lamentaram tamanha exploração da memória de Raul. E eu creio que Raul era incapaz de entregar Paulo. Como também eu duvido que Wilson Simonal também fosse um dedo-duro.
Creio que há uma tradição iconoclástica na imprensa cultural paulistana.
Jornalistas que se acham provocadores que causam polêmicas profundas e depois se aliviam.
É claro que, perto do que André Forastieri fez nos anos 1990, empurrando rock mainstream medíocre para o gosto dos leitores da Bizz, e as campanhas de Pedro Alexandre Sanches pela bregalização do país, a iconoclastia de Jotabê Medeiros parece coisa de lorde inglês.
O que Pedro Alexandre Sanches fez contra Chico Buarque, por exemplo, é muito pior do que Jotabê fez com Raulzito, sem, é claro, ignorar a gravidade do erro deste.
Até que Jotabê deu uma consertada no Farofafá, a princípio como colaborador externo, vindo do blogue El Pajaro Que Come Piedra, porque Sanches e Eduardo Nunomura faziam uma linha panfletária, do tipo Duplo Expresso da música brasileira.
Como um Roberto Pompeu de Toledo na Veja dos anos 1990, Jotabê era mais jornalístico nas abordagens, e por ironia domou o editor-chefe Sanches. Ainda que bregalizasse em algumas abordagens, Jotabê não deixava de trazer questões interessantes sobre nossa cultura.
Mas iconoclastia é iconoclastia, e Jotabê mexendo com a memória de Raul Seixas dessa maneira é um tanto arriscada.
Naquela época, as pessoas estavam num beco sem saída. Sem apelar para factoides como acusar Wilson Simonal de dedo-duro, há momentos em que pessoas eram obrigadas a dedurar amigos para sobreviverem.
Não podemos confundir isso com a "desilusão" de Cabo Anselmo que o fez denunciar seus amigos, porque ele sempre foi um colaborador dos EUA, tardiamente desmascarado.
As coisas estão sendo muito nebulosas e, ao que parece, muita coisa ainda está a ser revelada sobre esse caso. Paulo Coelho já manifestou dúvidas sobre o documento. Novos capítulos virão.
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