Pular para o conteúdo principal

TRAGÉDIA NO CARREFOUR É ALERTA CONTRA A VALORIZAÇÃO CEGA DOS TEMAS IDENTITÁRIOS

PROTESTO EM SALVADOR, CIDADE FAMOSA POR SUA NEGRITUDE, CONTRA A MORTE DE JOÃO BETO NO CARREFOUR EM PORTO ALEGRE. A FILIAL DO ATACADÃO NA CAPITAL BAIANA, PALCO DO PROTESTO, É ASSOCIADA À REDE FRANCESA DE SUPERMERCADOS.

A violência racista, machista e elitista é fruto do golpismo político que empoderou pessoas dotadas de profundo horror a quem é diferente de seus padrões sociais eurocêntricos.

A situação envolve problemas identitários, sim, mas também não exclui problemas de ordem econômica.

A valorização cega dos temas identitários não previne o reacionarismo vigente em parte de nossa sociedade.

Ela não consegue ver a complexidade do caso João Beto, o freguês do Carrefour assassinado brutalmente por dois truculentos seguranças.

Afinal, o rapaz foi morto por dois motivos: ser negro e ser pobre.

O amigável João ia apenas comprar ingredientes para fazer um pudim. No entanto, antes dele ser morto, ele era seguido por funcionários do Carrefour como se fosse uma pessoa suspeita. Isso é gravíssimo.

A negritude é um tema identitário que, no entanto, está entrelaçado com a questão econômica.

Pensar a negritude sem pensar em resolver a pobreza é desprezar o povo negro, porque ele é o que mais sofre na questão das desigualdades sociais.

São necessários e fundamentais os protestos populares, mas é preciso ver que a questão da desigualdade social envolve valores de caráter econômico e social, como a escravidão e o racismo.

Infelizmente, as esquerdas têm o vício de isolar os temas identitários da questão econômica e dos problemas trabalhistas. Isso não tem cabimento.

Pensam que os temas identitários sobrevivem por si só, enquanto se imagina, até pela influência da intelectualidade "bacana", que as periferias vivem um clima de "prosperidade".

Afinal, como o gay pobre que mora na rua vai sobreviver? Ele será morto por um atirador, seja miliciano, pistoleiro comum, policial abusivo etc, sem ter o que fazer e, armado, se acha no direito de exterminar quem não lhe agrada.

Se a comunidade LGBTQ mais pobre não tiver casa nem emprego nem proteção garantida pela Justiça, ela será exterminada, por ser a mais vulnerável.

Infelizmente, temos o empoderamento de gente truculenta, violenta, sociopata ou psicopata, que acha que pode xingar, agredir e matar negros, mulheres, LGBTQ, e isso envolve motivos de caráter social e econômico, como ver os grupos identitários realizarem conquistas sociais diversas.

Ver que até travestis podem circular normalmente pelas ruas e participar de concurso público com uma dignidade admirável irrita esses reaças.

Eu critico o sensualismo obsessivo de gente como a dançarina Thaís Carla não por gordofobia, mas por achar que a sensualidade não pode ser a medida para fortalecer a autoestima feminina.

Com esse papo de "corpo livre", mulheres do perfil boby positive, ou seja, a positividade do corpo fora de padrão, acabam, com o sensualismo obsessivo, sucumbindo não ao empoderamento, mas à objetificação do corpo feminino.

De que adianta uma obesa se sensualizar o tempo todo se ela, no seu ambiente de trabalho, continua sendo humilhada e vista com estranheza?

Os decotes forçados de Jojo Toddynho não fortalecem a autoestima, sendo mais uma provocação barata e gratuita. Nem todo mau gosto é libertário. Aliás, o mau gosto quase sempre nunca foi.

Enquanto isso, a sociedade reaça é que se sente com direito de reagir. E foi justamente isso que o discurso "contra o preconceito" da bregalização, com sua provocatividade tendenciosa, acabou, de fato, provocando.

O livro Esses Intelectuais Pertinentes..., de leitura recomendável, chama a atenção para a bregalização cultural do Brasil, que, misturando trash com politicamente correto e politicamente incorreto, afastou o povo pobre dos movimentos sociais e despertou a ira dos que acabaram fazendo o golpe de 2016.

Além do assassinato de João Beto, um motorista de aplicativo foi morto em Pendotiba, bairro de Niterói, o mesmo onde pistoleiros mataram o marido da pastora Flordeliz, a mando dela própria.

O motorista, Diego Soares Sampaio, estava reclamando da demora de um PM que estava discutindo com um frentista enquanto o carro do policial, que estava de folga, recebia combustível.

O policial, Giovani Peçanha de Athaíde, atirou em Diego, que morreu imediatamente. O crime ocorreu no último dia 17 e o policial apenas prestou depoimento e foi liberado.

Na cidade com o nome irônico de Bonito, uma mulher de 44 foi presa por suposto desacato ao protestar contra a humilhação dada a uma filha autista de três anos. Pior, proibida de registrar boletim de ocorrência, a mulher ainda foi agredida a chutes por um policial militar.

Infelizmente, temos que ter cautela. Chega de atitudes românticas como apostar no maniqueísmo "ódio x amor" que faz as esquerdas caírem nas armadilhas tramadas por uma direita menos hidrófoba, mas, mesmo assim, ainda direitista.

Graças a esse descuido emotivo, as esquerdas acabam adotando como "heróis" gente que inclui apoiadores da ditadura militar, reacionários religiosos, o culturalismo popularesco patrocinado pela Globo e pela Folha e políticos que apoiaram o golpe de 2016 (como Eduardo Paes).

As esquerdas acabam escolhendo seus próprios traidores, iludidas com um discurso não-raivoso que prometesse da paz mundial à mobilidade urbana, da interatividade ao empoderamento identitário, do desenvolvimentismo à tecnologia.

Não há como desvincular o tema identitário isolado do contexto econômico. É deixando as causas identitárias vazia de problematização econômica é que faz com que a direita midiática, culturalista, religiosa, política e tecnocrática consiga manobrar as esquerdas.

E aí as esquerdas se tornam aliadas de gente que discrimina os pobres, que elogia os opressores, que defende a precarização do trabalho, que se alia a fazendeiros que matam agricultores.

Por isso, devemos pensar casos como o assassinato de João Beto no Carrefour de Porto Alegre como uma questão de desigualdade econômica e de racismo estrutural, um racismo social que, embora atinja mais os negros, envolve questões acima da cor da pele.

São questões que envolvem uma complexidade de problemas, numa sociedade de tradição escravocrata e desigual que é a brasileira.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

BRASIL TERRIVELMENTE DOENTE

EMÍLIO SURITA FAZENDO COMENTÁRIOS HOMOFÓBICOS E JOVENS GRITANDO E SE EMBRIAGANDO DE MADRUGADA, PERTURBANDO A VIZINHANÇA. A turma do boicote, que não suporta ver textos questionadores e, mesmo em relação a textos jornalísticos, espera que se conte, em vez de fatos verídicos, estórias da Cinderela - é sério, tem muita gente assim - , não aceita que nosso Brasil esteja em crise e ainda vem com esse papo de "primeiro a gente vira Primeiro Mundo, depois a gente conversa". Vemos que o nosso Brasil está muito doente. Depois da pandemia da Covid-19, temos agora a pandemia do egoísmo, com pessoas cheias de grana consumindo que em animais afoitos, e que, nos dois planos ideológicos, a direita reacionária e a esquerda festiva, há exemplos de pura sociopatia, péssimos exemplos que ofendem e constrangem quem pensa num país com um mínimo de dignidade humana possível. Dias atrás, o radialista e apresentador do programa Pânico da Jovem Pan, Emílio Surita, fez uma atrocidade, ao investir numa

BRASIL TÓXICO

O Brasil vive um momento tóxico, em que uma elite relativamente flexível, a elite do bom atraso - na verdade, a mesma elite do atraso ressignificada para o contexto "democrático" atual - , se acha dona de tudo, seja do mundo, da verdade, do povo pobre, do bom senso, do futuro, da espécie humana e até do dinheiro público para financiar seus trabalhos e liberar suas granas pessoais para a diversão. Controlando as narrativas que têm que ser aceitas como a "verdade indiscutível", pouco importando os fatos e a realidade, essa elite brasileira que se acha "a espécie humana por excelência", a "classe social mais legal do planeta", se diz "defensora da liberdade e do humanismo" mas age como se fosse radicalmente contra isso. Embora essa elite, hoje, se acha "tão democrática" que pretende reeleger Lula, de preferência, por dez vezes seguidas, pouco importando as restrições previstas pela Constituição Federal, sob o pretexto de que some

WOKE OU "ESQUERDISNEY": A ESQUERDA FESTIVA DO DESBUNDE E DO IDENTITARISMO

PARADA DA DIVERSIDADE EM RECIFE, 2018 - Exemplo do identitarismo cultural que converte o ativismo em mera festividade e entretenimento. Uma "Contracultura de resultados" ou a carnavalização do ativismo político. Uma diversidade caricatural, enfatizada no identitarismo cultural, já ganhou um termo nos EUA, chamado woke : espécie de ativismo estereotipado, feito mais por diversão do que pela conquista de espaços dignos da sociedade, o que se encaixa nos paradigmas das esquerdas festivas do mundo e, em especial, do Brasil. Principal força social que se ascendeu no atual mandato de Lula, o identitarismo cultural deturpa o conceito da diversidade social, que esvazia o sentido original do ativismo, antes observado nos grupos socialmente oprimidos na Contracultura (1964-1969), convertendo em mero espetáculo. Daí que a liberdade sexual se converte em libertinagem, os direitos sociais dos LGBTQIA+ se distorcem num travestismo caricato e infantilizado, a negritude se volta para estereó

AXÉ-MUSIC ESTÁ VELHA E DECADENTE, SIM

Recentemente, a cantora baiana Daniela Mercury declarou que a axé-music está "viva e apontando para o futuro", discordando das afirmações de que o cenário musical do Carnaval de Salvador esteja decadente. A cantora, em entrevista recente, deu a seguinte declaração: "O axé virou tudo que a gente produz na Bahia para dançar. A gente é especialista nisso no mundo, vamos sempre ser um polo de produção de cultura, arte, dança. Os artistas de outras linguagens estão indo pras nossas festas. Estamos vivos, produzindo e apontando para o futuro". Apesar da aparente boa intenção da declaração, Daniela na verdade só se refere a uma parcela da música baiana que justamente está desapegada ao contexto carnavalesco e se aproxima da herança tropicalista e das raízes culturais baianas, mas que está incluída nesse balaio de gatos que se tornou o termo axé-music, atualmente priorizado na alegria tóxica de nomes bastante comerciais. O que está relacionado, na verdade, com o "polo

PABLO MARÇAL É REFLEXO DA ALIENAÇÃO PRAGMÁTICA DO BRASIL DE HOJE

O triste fenômeno do empresário, palestrante e influenciador digital Pablo Marçal, símbolo emergente da extrema-direita pós-bolsonarista, parece sinalizar um desgaste, embora o sujeito, candidato à Prefeitura de São Paulo e virtual aspirante à Presidência da República para 2026, se torne um sério perigo para a saúde política brasileira, que não está das melhores. Num momento em que Lula se torna mascote da burguesia e esta acaba travando os debates públicos, restringindo a "democracia" brasileira a um mero parque de diversões consumista, nota-se que hoje o cenário sociopolítico é de uma grande polarização política entre lulistas e bolsolavajatistas. Com o desgaste de Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, o bolsolavajatismo tenta ver em Pablo Marçal a esperança de um país reacionário retomar o protagonismo do inverno político de 2016-2022. Mas não é só a herança do golpismo recente que faz de Marçal uma séria ameaça para os brasileiros. Há outros motivos, também. O próprio protagonism

"ANIMAIS CONSUMISTAS" E BOLSONARISTAS QUEREM DESTRUIR SÃO PAULO

A velha ordem social que obteve o protagonismo pleno no Brasil atual, a burguesia que derrubou João Goulart e que agora, repaginada, defende até a reeleição de Lula - hoje convertido num serviçal das elites "esclarecidas" - está destruindo o país, juntamente com os bolsonaristas que não se sentem intimidados com o cenário atual. Enquanto bolsonaristas ensaiam tretas contra o colega extremo-direitista Pablo Marçal, xingado de "traidor" na manifestação do Sete de Setembro na Avenida Paulista - , e realizam incêndios no interior de São Paulo, no Centro-Oeste e no Triângulo Mineiro, os "animais consumistas" consomem dinheiro feito bestas-feras ensandecidas, realizando happy hours  até em vésperas de dias úteis e promovendo "festas de aniversário" todo fim de semana. E como a "boa" sociedade tem um apetite para fumar cigarros bastante descomunal, se solidarizando, sem querer, com as "lições" do "fisólofo" Olavo de Carvalh

GOURMETIZAÇÃO DO BREGA REVELA ESTUPIDEZ DOS INTELECTUAIS "BACANAS"

Coisas de uma visão solipsista. Para quem não sabe, solipsismo é quando a pessoa concebe sua visão de mundo baseada nas suas impressões pessoais, nos seus juízos de valor e no seu nível de compreensão que, não obstante, é bastante precário.  Dito isso, dá para perceber como muita gente boa caiu nas narrativas bastante equivocadas das elites intelectuais que, compondo a parcela mais "bacana" do seu meio, defenderam a bregalização cultural sob o pretexto choroso-festivo (?!) do "combate ao preconceito" (ver meu livro Essa Elite Sem Preconceito (Mas Muito Preconceituosa)... ). Essas narrativas não correspondem à realidade. Elas se baseiam na falácia de que a bregalização cultural seria "cultura de vanguarda" apenas por uma única, vaga e nada objetiva justificativa: a suposta provocatividade e a hipotética rejeição da chamada "alta cultura", como as críticas dadas a uma imaginária elite burguesa ortodoxa que não existia sequer no colunismo social tra

SÓ A BURGUESIA "ON THE ROCKS" ESTÁ COM SAUDADES DA 89 FM

THE CLEVEL BAND - Bandinha de rock de bar chique, feita por empresários e dedicada à burguesia que de vez em quando brinca de ser rebelde. Nada menos rebelde do que submeter o rock ao domínio e deleite do empresariado, esvaziando de vez a essência do gênero. E digo isso num dia posterior ao que, há 54 anos, perdemos Jimi Hendrix, um músico que praticamente reinventou o rock com seu talento peculiar de guitarrista, cantor e compositor. É vergonhoso ver que nossa cultura está sob o controle do empresariado, seja ele do entretenimento, seja da mídia e seja das empresas patrocinadoras. Estamos num cenário de deterioração cultural pior do que o que se via justamente no começo dos anos 1970 ou, mais ainda, em relação a 1964, quando a burguesia que hoje se empodera se passando por "democrática" se empenhou em derrubar João Goulart. Percebemos o quanto a Faria Lima define costumes, hábitos, crenças, gírias etc para o público jovem, que aceita tudo de bandeja como se esse culturalismo

SÉRGIO MENDES ENGRANDECEU O BRASIL E, EM PARTICULAR, NITERÓI

Morto por problemas respiratórios a cinco dias de completar 83 anos, o músico Sérgio Mendes faz a MPB se tornar cada vez mais vazia de grandes mestres. O músico era um símbolo da jovialidade da Bossa Nova e, curiosamente, apesar de ser de uma geração tardia de bossanovistas, foi um dos maiores e melhores divulgadores do gênero assim que foi viver nos EUA. A perda de Sérgio choca um pouco pelo fato dele ter mantido um semblante jovial, mesmo quando ele estava bem idoso. E sua música tinha um vigor e uma fluência de poucos, tendo sido ele um dos mais significativos instrumentistas, compositores e arranjadores brasileiros do século XX. Musicalmente, Sérgio Mendes era muito versátil, como ele mesmo havia dito em uma entrevista de 2015 ao portal espanhol ABC Cultural, em abril de 2015: "Não gosto dos rótulos. Sou pianista, compositor, produtor... Gosto de trabalhar com outras pessoas e fazer arranjos. Eu canto um pouco também, mas gosto de todo tipo de música: gosto de jazz, flamenco,

A "SOCIEDADE DO AMOR" SENTE ÓDIO DOS FATOS

O QUE A "BOA" SOCIEDADE QUER É VIVER NO MUNDO DA FANTASIA. A elite do atraso, que foi repaginada na classe "democrática" de hoje, briga com os fatos. Não quer ler textos questionadores do estabelecido e ficam submissas a quase tudo que lhes oferece de surreal. Se autoproclamando a "sociedade do amor", o que essa elite mais sente é um ódio profundo e incurável com a realidade dos fatos. Sem sair de casa, a elite do bom atraso, essa burguesia à paisana metida a "gente simples", se acha no direito de julgar a realidade sem conhecê-la. Afinal, os textos e livros que apresentam a realidade essa elite se recusa a ler, por achá-los desagradáveis. A estupidez dessa elite é tal que nostalgia é sempre associada à mediocridade cultural vivida na infância e adolescência dessa elite nos últimos 50 anos. Questionar isso aumenta o risco de cancelamento nas redes sociais e boicote a textos que não aceitam o que está estabelecido de bandeja. Seu solipsismo lhes d