A vitória do Toninho Horta no Grammy Latino não é a melhor maneira de divulgar o seu trabalho, mas é o único impulso possível para vencer, pelo menos em parte, o desprezo generalizado.
A premiação do disco Belo Horizonte, que Toninho fez com sua banda Orquestra Fantasma, na categoria Melhor Álbum de Música Popular Brasileira, é um puxão de orelha no Brasil.
Não ouvi o disco, mas ouvi algumas músicas antigas de Toninho e sei o quanto sua música tem valor.
Além disso, ele é um daqueles nomes recomendáveis sobretudo para pessoas solteiras ouvirem e buscarem consolação para a solidão.
Digo isso não porque pessoas casadas ou comprometidas não devam ouvir Toninho Horta, mas é porque existe a fama no Brasil de que gente solteira tem ouvido sujo.
Os solteiros médios brasileiros procuram nos intérpretes "sertanejos" a consolação musical que encontram facilmente em Toninho Horta.
A questão é tirar os ouvidos da zona de conforto dos sucessos popularescos que, inicialmente, eram ouvidos por pura provocação e desabafo autodepreciativo e, depois, se acostumou mal e já mede sua felicidade pela morbidez sonora de "sertanejos" e "pagodeiros românticos".
Com todo o respeito que se deve ter (e deve mesmo) à perda do Francisco Camargo, os filhos dele, Zezé di Camargo & Luciano, nunca serão reabilitados musicalmente e não é a perda do pai que trará o valor artístico que o pensamento desejoso da intelectualidade pró-brega desejou da dupla.
O mesmo se fala de nomes como os canastrões Chitãozinho & Xororó, que se comportam como se tivessem forjado uma carteira pirata de sócios do Clube da Esquina.
A vitória de Toninho Horta venceu quatro concorrentes com trânsito no mainstream emepebista no Brasil, Elza Soares, Caetano Veloso, Ney Matogrosso e Zeca Baleiro. Todos nomes talentosos e de valor, mas já circulando no gosto médio do brasileiro descolado.
Toninho Horta é mais "difícil" e a vitória no Grammy Latino lhe trará um pouco mais de visibilidade.
Só não penetrará nos ouvidos das solteiras médias das redes sociais, que fazem o tipo "solteira trash", que precisariam de alguns ganchos.
Na melhor das hipóteses, Toninho Horta teria que entrar na trilha de novela da Rede Globo para ter, pelo menos, um suado acesso nas FMs de MPB.
Ou então teria que fazer dueto com Marília Mendonça, Simone & Simaria etc, tocando para elas, se quiser tocar no circuito comum da sua Minas Gerais, onde goianos como Jorge & Matheus mais parecem expressar a dita "cultura local" mineira.
O mesmo ocorreria no caso Toninho Horta quer emplacar na Bahia, ter que tocar em disco de Ivete Sangalo e torcer para que a música gravada se tornasse um hit.
Aqui o mercado popularesco é terrível e voraz e dá pena nossos "tão queridos" intelectuais pró-brega falarem que os "sertanejos" é que são os discriminados, os coitadinhos.
O que esses "intelectuais maravilhosos", que "tudo sabem e tudo pesquisaram", não percebem é que, no interior, quem manda são os "injustiçados sertanejos", as supostas vítimas de preconceito e da "abominável rejeição elitista".
Alguém até hoje acredita que Tiê aceitou gravar com Luan Santana (que parece perigosamente tentar parecer o Tiago Iorc) por livre e espontânea vontade?
Não, não existe almoço grátis. Se Tiê gravou com Luan Santana e Gal Costa com Marília Mendonça, é porque os emepebistas fizeram um acordo para gravar tais duetos para entrar no inflexível mercado dominado pelo "sertanejo".
O discriminado é o emepebista, discriminados são Fátima Guedes, Turíbio Santos, Diana Pequeno, Toninho Horta. Eles é que são vítimas do preconceito, não o "funk" que tem cadeira cativa no Caldeirão do Huck.
Outro aspecto sobre Toninho Horta é que a vitória no Grammy também é a vitória do instrumentista, esta espécie que o jovem médio brasileiro nunca ouviu falar.
Se aqui temos o silêncio da classe dos músicos quando a imprensa cultural mais burra chama grupos vocais de "bandas", tratando as marionetes musicais como "músicos", lá fora (onde, em inglês, o termo "band" nem sempre quer dizer "banda", mas "bando") a coisa é diferente.
A classe dos músicos precisa ver que não vive em Oslo e aqui o trabalho suado dos músicos, tocando instrumento, ensaiando e compondo, não pode ser equiparado a jovens bonitinhos que dançam e mal conseguem "cantar" com a ajuda da computação.
É vergonhoso ver grupos de marionetes musicais, do Menudo ao k-pop, serem criminosamente chamados de "bandas", como se seus membros fossem instrumentistas, e não são.
Enquanto isso, Toninho Horta e a Orquestra Fantasma mostram que tocar instrumentos é um trabalho que não pode ser comparado com dançar e soltar a voz.
A mesma raiva que se dirige aos arbítrios da Ordem dos Músicos do Brasil deveria ser dirigida, também, ao jornalista desinformado que chama grupo vocal de "banda", antes que se passe a fazer o mesmo até com grupos de ginástica fitness.
Portanto, Toninho Horta representa um Brasil que os brasileiros não conhecem, um Brasil de cabeça erguida e ciente de valores realmente positivos.
E, o que é pior, Toninho fala de um Brasil que os brasileiros têm muito medo de conhecerem, presos em suas zonas de conforto de ouvidos sujos que lhes garantem a catarse e o autoflagelo cultural.
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