Existe uma espécie de projeção de culpa que impede de vermos quem realmente são os grupos ou instituições mais errantes ou perigosos.
No Brasil isso é bem caraterístico. Culpam-se cachorros mortos pelos ataques que se faz a outros animais domésticos.
Em muitos casos, o "inimigo interno" é creditado como algo tão externo que parece distante, quando na verdade ele está no lado, na frente da bancada e dando abraços e sorrindo para suas vítimas.
É como na religião. No Brasil, o Espiritismo foi criminosamente deturpado e virou a doutrina dos mentirosos, traindo Allan Kardec e jurando falsa lealdade a ele.
Mas muita gente pensa que os "inimigos internos" do Espiritismo original estão escondidos em algum palco da Igreja Universal do Reino de Deus.
E a "classe média de Oslo", termo citado pelo sociólogo Jessé Souza para as esquerdas que se esquecem das prioridades da agenda trabalhista, também é outro exemplo.
Essa "classe média de Oslo" as esquerdas médias atribuem como "tão distantes" que, supostamente, essas elites só são encontráveis nas fileiras dos partidos Novo, Rede Sustentabilidade e Cidadania.
Errado. A "classe média de Oslo" está, sim, na direita moderada, mas por outro lado uma considerável parte também está filiada ao PSOL e ao PT.
As esquerdas médias não conseguem entender o culturalismo conservador analisado por Jessé Souza.
É claro que ele, sendo um sociólogo, tem seus critérios e níveis próprios de abordagem, dos quais cabem inferências externas ao seu horizonte de pensamento.
Mas daí para as esquerdas médias acreditarem que culturalismo conservador se limita à escola e às relações familiares e relações entre empregada doméstica e patroa, ou seja, em relações instrumentais ligadas à Educação e ao Trabalho.
Jessé Souza critica a visão economicista que vicia as esquerdas no Brasil, mas essas esquerdas interpretam a nova abordagem trazida pelo sociólogo de forma igualmente economicista.
Esquecem que o "baile funk", por exemplo, não é o paraíso de socialismo libertário que as esquerdas médias tanto atribuem em sua narrativa dominante, mas vitimista.
Esquecem que o culturalismo conservador está representado nos "brinquedos culturais" da centro-direita que foram adotados por setores das esquerdas.
O fato de que esses "brinquedos" pareçam associados às supostas alegria e solidariedade ao povo pobre não significa que eles sejam realmente adequados para o imaginário progressista, mesmo que sejam considerados critérios anti-polarização.
A ideia da "pobreza linda", do "médium de peruca" que carrega criança negra e pobre ao jogador de futebol fanfarrão com carro de luxo e mulheres sensuais, passando por todo o espetáculo coitadista de toda uma linhagem de ídolos popularescos, é coisa digna da "classe média de Oslo".
Ver uma personalidade de televisão, querida pela gente culta e descolada, levando consigo o ídolo brega do passado, como quem leva consigo um cão vira-lata adotado, e achando que isso é "combater o preconceito", é um ato elitista. Um "bom elitismo", mas elitista do mesmo jeito.
A "classe média de Oslo" é aquela que não percebe os problemas crônicos que fazem do Brasil um país ainda miserável em sua grande maioria de moradores.
Achar a pobreza "linda", como naquela campanha maciça "contra o preconceito" - descrita no meu instigante livro Esses Intelectuais Pertinentes... - não resolve os verdadeiros preconceitos contra a pobreza e a exclusão social.
Afinal, a bregalização já aborda o povo pobre de maneira preconceituosa. Acusam as chanchadas de reduzirem o povo pobre a uma caricatura, mas essa visão era até poética, se comparado com o que se fez e faz com o brega-popularesco.
Vergonhoso ver as esquerdas nesse papel de propagandistas da degradação da cultura popular, caindo no canto de sereia da intelectualidade "bacana".
Daí que eu costumava definir o pessoal que apoiava a bregalização de sociedade "sem preconceitos, mas muito preconceituosa".
É um pessoal que reflete mais seu caráter de "sociedade do espetáculo" - problema que não existe só na França ou na Bélgica, mas está escancarado nos círculos de exaltação da breguice cultural - e, por isso, não consegue perceber que o povo pobre não quer pão e circo, mas qualidade de vida.
Foi defendendo a bregalização cultural que abriu-se o caminho para o golpe de 2016. Esses Intelectuais Pertinentes... detalha muito bem como foi isso. Vão lá ler, na página da Amazon em inglês e usando a palavra-chave "Esses Intelectuais Pertinentes".
Indo para a página em inglês e optando pelo eBook, o interessado ganha um bom desconto. Com certeza fica mais em conta do que comprar "livros para colorir" e 'romances de estudantes vampiros" que se produzem em série e lhe obrigam a comprar a coleção completa.
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