A POBRETOLOGIA ESCONDE AS QUESTÕES MAIS DELICADAS DA POBREZA.
O que têm em comum pessoas como Luciano Huck, o assistencialismo barato de oportunistas como "médiuns espíritas" e o espetáculo lúdico da "cultura popular demais"?
As esquerdas não sabem, mas o que os três têm em comum é a ação da pobretologia, um plano estratégico de suposto apoio ao povo pobre feito para abafar a revolta popular.
Um conhecidíssimo "médium espírita", já falecido e muito adorado, no entanto foi um desses praticantes, usando donativos fajutos e "cartas mediúnicas" para anestesiar o povo pobre, sobretudo na crise da ditadura militar.
O "médium" antecipou Luciano Huck na prática de caridade fajuta que, se realmente tivesse ocorrido, teria transformado, pelo menos, o Triângulo Mineiro na Escandinávia brasileira.
É uma caridade chinfrim que só serve para promoção pessoal do suposto auxiliador, que, mesmo insistindo não desejar coisa alguma em troca, deseja mesmo é obter prestígio, do qual sorve com muita soberba nos bastidores, quando não precisa fingir "modéstia e humildade plenas".
A suposta cultura do popularesco musical e comportamental é outro exemplo. Vide a chorosa campanha do "combate ao preconceito" que é analisada pelo meu livro Esses Intelectuais Pertinentes....
São medidas que pretensamente ajudam o povo pobre, mas de maneira propositalmente precária, com muito "pão e circo", muita "consolação espiritualista", donativos de baixa qualidade e quantidade que são festejados com muito estardalhaço, promovendo o "filantropo" de ocasião.
Eu vi um vídeo com a historiadora Virgínia Fontes sobre a Pobretologia, definida também como a falsificação da ira popular.
A autora citou uma política do secretário de defesa dos EUA, Robert McNamara, em 1969, para intervir no "assalto à pobreza" através de medidas institucionais de amenização aparente da pobreza nos limites da prevenção das revoltas populares.
Ou seja, a partir daí surge uma preocupação maior com o soft power, o poder suave, principalmente quando o Estado é usado para suavizar a vida dos pobres, evitando a miséria extrema, mas dentro dos princípios de evitar que os pobres se revoltem e a luta de classes se torne acirrada.
Virgínia Fontes também criticou o Bolsa Família, alegando que esse também é um exemplo de Pobretologia.
Diferente da autora, vejo o Bolsa Família como um paliativo, um ponto de partida, uma ação que poderia ser prolongada, mas deveria ser provisória, apenas atuando para impulsionar o crescimento do povo pobre até que deixasse de ser necessário tal subsídio.
Evidentemente o termo ultrapassou um pouco o horizonte estatal-assistencialista definido pela historiadora e por Francisco de Oliveira, que mencionavam projetos "solidários" promovidos a partir do governo de Fernando Collor.
Isso porque eu vejo a Pobretologia um horizonte ainda mais amplo, envolvendo processos que deem aos pobres a falsa impressão de que eles estão bem, ou então dar a falsa impressão de empoderamento das classes populares.
A "falsificação da ira" seria, na verdade, a falsa emancipação, o falso engajamento popular comandado por pretensos filantropos ou mesmo pelo respaldo da iniciativa privada.
Daí o assistencialismo religioso, suposto diferencial do Espiritismo brasileiro para os "evangélicos neopenteques", que mais parece um mecanismo de controle e dominação, através de "ajudas solidárias" que, em resultados, vão de medíocres para baixo.
São projetos que mais parecem promover o "caridoso" do momento do que trazer grandes e verdadeiros resultados.
São processos de domesticação e, também, de propaganda do oportunista "filantropo", que, por um punhado de donativos fajutos (incluindo roupa rasgada e alimentos ruins), espera, mesmo sem assumir na palavra, que a sociedade lhes dirija aplausos sob lágrimas.
Eu posso definir tudo isso, sejam essas "filantropias", seja o entretenimento popularesco - os "bailes funk", por exemplo - como a "pobretologia de espetáculo".
As classes médias tidas como "de esquerda", entre esquerdistas iludidos e pseudo-esquerdistas, ficavam fascinados por esse aparato de suposto apoio à pobreza, trazido por instituições e empresas.
Não percebem o que isso implica na domesticação do povo pobre.
A pobretologia de espetáculo, uma série de projetos de assistencialismo ou de expressão cultural que servem mais para promover protagonismo e lucro (financeiro ou simbólico) de seus patrocinadores diversos, investe no discurso da "pobreza linda".
A pobreza é apenas "suavizada" por um discurso que, na religião, remete à Teologia do Sofrimento, esse "holocausto do bem" que promete o "céu" para quem aceitar viver as piores desgraças sem fazer um pio de revolta nem reclamação.
Na "cultura" popularesca, ela se manifesta pela "alegria" dos fenômenos musicais e comportamentais, ou pela ira falsificada das supostas revoltas do "funk" e da objetificação do corpo feminino moldada como se fosse um "feminismo popular".
Em suma, a pobretologia de espetáculo, ou seja, a Pobretologia indo além de medidas político-empresário-institucionais, tenta enganar os pobres fazendo-lhes crer que eles "até que estão bem", bastando apenas uma ajudinha paliativa das elites.
Há um discurso que lembra muito o conto do "amigo dedicado" de Oscar Wilde, na qual o moleiro finge exaltar a vida miserável de um jardineiro.
"É lindo ser pobre" é o discurso que as elites hipócritas lançam para levar gato por lebre, ou melhor, levar domesticação por dignidade, tentando confundir as ideias de "transformar vidas" e "minimização do sofrimento", coisas que não são sinônimas, por razões óbvias.
É a ideia de evitar a revolta popular, as lutas trabalhistas, os movimentos operários, camponeses e de sem-teto e desempregados.
Os religiosos falam para os miseráveis aceitarem o sofrimento, porque um dia receberão as "bênçãos divinas", como os pais que falam para as crianças serem obedientes porque, no futuro, vão ganhar um presente.
O culturalismo popularesco já canaliza a suposta revolta em ritmos como o "funk" e um suposto empoderamento que, nos EUA, serve de manobra diversionista para os ídolos pop de origem africana ou hispano-americana se sentirem "emancipados".
A ideia é o pobre ter a ilusão de que está sendo "libertado" pelo patético entretenimento popularesco, que trata o povo pobre de maneira preconceituosa, daí não fazer sentido o tal "combate ao preconceito" que tanto se pregou por aí, mesmo dentro das esquerdas.
Daí todo o discurso de faz-de-conta de antropólogos, jornalistas culturais, cineastas documentaristas etc, que tanto apelou para o "fim dos preconceitos", mas na prática promovia o contrário disto.
Em ambos os casos, religião e entretenimento, a ideia é deixar o povo pobre acreditar que sua situação pode ser confortável, bastando apenas alguns paliativos. De donativos ao saneamento básico nas favelas.
Coisas que até criem uma ilusão de prosperidade, mas que na prática mantém os pobres na condição de "subgente", nas palavras do sociólogo Jessé Souza.
Daí que nunca engoli esse negócio de rejeitar o "popular demais" é manifesto de elitismo.
Eu contesto os ritmos popularescos porque eu entendo que o povo pobre é abordado de maneira caricata.
As pessoas que acusam os críticos de preconceituosos é que são as mais preconceituosas. Para elas, é bonito o povo pobre fazer papel de palhaço através do entretenimento "popular demais" ou brega-popularesco.
Desde que o povo pobre pareça uma multidão de animais domesticados, as elites paternalistas, mesmo as de esquerda, e supostamente generosas, prestam pretenso apoio, que no entanto vai trazer protagonismo e promoção pessoal para todos os envolvidos.
Assim, de "médiuns espíritas" a antropólogos pró-funqueiros, as elites da pobretologia do espetáculo procuram domesticar o povo pobre antes que este ameace os privilégios abusivos que as próprias elites acumulam, não somente os financeiros, mas também os simbólicos.
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