Falecido há poucos dias, aos 74 anos, o jornalista britânico Robert Fisk tem muito a ver com o nosso lazer cotidiano, aqui no Brasil.
Aí vocês perguntam: "Como assim, se ninguém conhece ele e ele é estrangeiro?".
E novas estranhezas vêm à tona, pois ele foi um correspondente do Oriente Médio e um jornalista político dos mais importantes nos últimos anos.
Afinal, que relação deveria ter ele com a diversão do grande público que consome redes sociais e assiste às emissoras de rádio e TV?
Simples. É porque Robert Fisk havia analisado os jargões usados na mídia para influenciar a opinião pública a sempre apoiar os pontos de vista favoráveis aos EUA e ao seu Departamento de Estado, que direcionam a chamada "linguagem de poder" através da grande imprensa escrita e audiovisual.
Isso não é um processo inédito, é antigo e inspirou a ficção de George Orwell que, no livro 1984, de 1948, havia mencionado a "novilíngua" como um meio de tornar o vocabulário menos diversificado, empobrecendo a linguagem e confundindo as pessoas.
Fisk, sobrenome que, por coincidência, é o mesmo de uma empresa de cursos de inglês, havia então sistematizado, no contexto recente, a "linguagem de poder" ou "palavras de poder", e posso também denominar "vocabulário de poder", para reforçar o sentido do processo.
Mas aí você pergunta que relação tem a linguagem de poder com o "inocente" entretenimento das pessoas que veem o WhatsApp, vê TV aberta, canais convencionais por assinatura, rádios FM pop, popularescas ou pretensamente roqueiras e canais populares do YouTube.
A relação é que tem muita coisa a ver com o vocabulário de poder de Robert Fisk.
A gíria "balada", patenteada pela Jovem Pan, é um exemplo disso.
Como "novilíngua", a palavra "balada", além de eliminar o sentido original de música lenta ou história dramática, caminhava para o empobrecimento linguístico, além de ser um colóquio usado pela mídia hegemônica (em parceria com a Rede Globo) para testar o domínio sobre o público jovem.
Esse empobrecimento vinha do significado.
"Balada" seria, ao mesmo tempo, uma espécie de rave à brasileira, ou uma apresentação de DJ, ou um jantar entre amigos, ou uma festa noturna qualquer, ou um festival para o público jovem.
A gíria "balada" virou uma aberração, tendo sido uma gíria com modus operandi bolsonarista bem antes do bolsonarismo virar moda.
Afinal, era uma gíria que se recusava a ficar nos limites de espaço (público específico) e do tempo (período em que a gíria está na moda). Queria ser uma gíria "acima de tudo e de todos", como se fosse uma espécie de "Jair Bolsonaro" das gírias.
Eu apelidava a gíria "balada" de "gíria do Terceiro Reich". Tinha seu esquema de marketing próprio e invadia até mesmo os telejornais considerados "sérios". Coisa que não ocorreria numa gíria.
A gíria era, originalmente, restrita a um público de riquinhos da Zona Sul de São Paulo e remetia a um eufemismo para "rodada de ecstasy", comprimidos alucinógenos apelidados de "balas".
A gíria foi "popularizada" pela Jovem Pan em 1999 e, pouco depois, ganhava cartaz na Rede Globo via Luciano Huck, que tinha programa na rádio de Tutinha.
Depois, a gíria "balada" tentou entrar no universo roqueiro e até os pais e mães passaram a falar a gíria relacionando ao lazer dos filhos.
Cometendo um grave erro, o médico Malcolm Montgomery, espécie de Roberto Justus da Medicina, citou a gíria "balada" num livro sobre os Beatles.
Não se usa gíria "balada" num livro sobre Beatles, deixa-se usar o termo em livros de Menudo, Backstreet Boys ou k-pop.
E aí a gíria tentou prolongar sua vida, deixando vestígios até hoje, quando deveria ser um jargão privado dos faria limers (ou "farialimeiros") da badalação ("baladação"?) delimitado entre 1990 e 1998.
Tentou prolongar até além de 2004 e hoje, mesmo um tanto desgastada - "balada" virou gíria de fofoqueiro ou de mídia de celebridades - , ainda tenta resistir no imaginário juvenil e até jovem-adulto.
Esse é um aspecto lúdico, voltado ao lazer, aparentemente "sem ideologias", mas se encaixa no processo de vocabulário de poder que a mídia analisada por Robert Fisk desenvolve.
Lembremos que o Brasil é culturalmente colonizado e, além da aberrante gíria "balada" (©Jovem Pan), temos também a mania do "portinglês".
"Novos" dialetos em inglês aparecem, juntamente com palavras estrangeiras como bullying que infelizmente não contam com palavra oficial em português (eu proponho "valentonismo", mas como eu não sou Luciano Huck...).
Muita gente, por causa do termo bullying ser despejado na nossa língua do original em inglês, deve pensar que o ato de humilhar os mais fracos é uma invenção do Estado do Colorado, EUA.
Não, não é. Até eu fui vítima desse processo e o que eu proponho ser "valentonismo" já era mencionado até em obras brasileiras do fim do século XIX, como O Ateneu.
Mas aí vieram, no pacote, palavras que pretendem condenar ao desuso termos em português como "jogos", "rapazes", "maiô" (que já é palavra de origem estrangeira), "vibração", "bichinhos" etc.
Agora temos games, boys, body, vibes, pets.
Confesso que fiquei encucado quando, pela primeira vez, vi as famosas vestindo um tal de body. Mas body já não é "corpo" em inglês?
São coisas muito, muito estranhas, mas que têm a adesão bovina de muita gente, mesmo nas esquerdas, que supostamente se opõem totalmente aos ditames da grande mídia.
E ninguém se dá conta que os avisos do professor Fisk (não o do curso de inglês, mas o finado jornalista britânico) podem, sim, ser analisados diante do culturalismo coloquial que os brasileiros sucumbem facilmente através do poder midiático que aqui temos.
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