A MÚSICA DE RENATO RUSSO (MORTO HÁ EXATOS 25 ANOS) TEM MAIS FRESCOR DO QUE A MOFADA E REPETITIVA MÚSICA DO ÍDOLO DA AXÉ-MUSIC BELL MARQUES. MAS FALA ISSO PARA O JORNALISTA CULTURAL "ISENTÃO" QUE ELE NÃO VAI GOSTAR.
Ídolos da axé-music, do "sertanejo", do "pagode romântico", do brega em geral, do "forró eletrônico" e outras tendências popularescas dos anos 1990 e, às vezes, de vários anos antes, agora são alvos da gourmetização de uma tendência chamada "brega vintage".
Nomes como Gretchen, Art Popular, Alexandre Pires, Ivete Sangalo, Grupo Molejo, É O Tchan, Chitãozinho & Xororó, Mastruz Com Leite, Magnificoss, Bell Marques, Odair José, Michael Sullivan e Daniel passaram a gozar de uma estranha respeitabilidade que se intensifica nos últimos anos.
Nomes que, no passado, simbolizaram a "baixaria" ou a simples decadência da música brasileira são tidos hoje, por uma elite formada por acadêmicos, jornalistas culturais ou mesmo por celebridades e artistas musicais considerados sérios.
Não se trata da antiga blindagem de provocativos intelectuais pró-brega - os intelectuais "bacanas" (ver Esses Intelectuais Pertinentes...) - , mas de uma apreciação supostamente "imparcial" e "preciosista" do elenco popularesco que atravessou mais de 30 anos de sucesso quase ininterrupto.
Cria-se uma ilusão, sustentada por argumentação verossímil e supostamente "técnica", de que, só porque os ídolos popularescos permaneceram ativos nesta época, sem um grande fracasso, eles se tornaram "gênios visionários da MPB contemporânea".
Um comentário ingenuamente entusiasmado de Ivan Lins, noticiado por nosso blogue, ilustra muito bem isso.
O jornalista cultural Mauro Ferreira, muitíssimo bom quando fala da MPB autêntica, é outro exemplo ilustrativo de quem hoje passa pano nos popularescos mais antigos.
Mudaram nossos ouvidos ou mudaram o som dessa rapaziada brega-popularesca? Nem um nem outro motivo.
O que há é que passou a haver uma rede de relações de conveniência, que envolve interesses econômicos e empresariais estratégicos.
O que mudou foi o dinheiro dos ídolos popularescos, que cresceu tanto que eles hoje dominam mercados regionais que se tornam inflexíveis, seja em Goiânia, Salvador, Vitória, Blumenau, Campinas e Nova Iguaçu.
Isso faz com que os meios culturalmente sérios sejam reféns dos ídolos popularescos, de forma a haver duetos e covers envolvendo MPB e popularescos que soam como acordo de negócios travestido em parcerias musicais. Vamos detalhas isso a seguir.
O som dos ídolos popularescos continua sendo tão medíocre e ruim quanto antes, suas músicas mais parecem jingles publicitários.
Não me esqueço, quando nas ruas se toca "Mineirinho", do Só Pra Contrariar de Alexandre Pires, da minha sensação de que a música soa como se fosse jingle de banco, tipo Itaú ou Bradesco.
O mais irônico disso tudo é que, no passado, tivemos compositores de jingles mais criativos e que invertiam a lógica, numa linhagem cujo exemplo mais recente envolveu a marca de café Evolutto (que eu adoro bastante e uso no meu cotidiano).
Afinal, um dos compositores foi o saudoso e grandioso Zé Rodrix, ícone da MPB roqueira, e que foi marido da admirável Lizzie Bravo, recém-falecida, que ganhou fama fazendo vocais numa das versões de "Across the Universe" dos Beatles (presente na coletânea Past Masters).
Tem um comercial do achocolatado Toddy de 1958, estrelado por Norma Bengell, que era uma rumba dessas que faziam sucesso no rádio, musicalmente mais visceral do que muita música de sucesso hoje que soa tão ou mais postiça quanto um jingle.
Ainda mais em tempos de pisadinha, um derivado do "forró eletrônico" que soa como trilha sonora de jogos eletrônicos (games, traduzido para o portinglês).
O "brega vintage" é um subproduto da deturpação feita no Brasil das ondas saudosistas do nosso país.
Ninguém ficou mais genial e nossos ouvidos não se tornaram mais receptivos para a suposta beleza dos antigos sucessos popularescos, que, repetindo, continuam tão ruins quanto antes.
O que há é um jogo de conveniências que faz os jornalistas culturais "isentões", sob o pretexto da imparcialidade, passar pano nos ídolos popularescos mais veteranos.
É evidente, por exemplo, que a canção de Renato Russo (falecido há exatos 25 anos), principalmente na Legião Urbana, é mais consistente e com um frescor inimaginável, em detrimento de nomes que ainda estão entre nós, como Bell Marques, cuja música envelhece mal e se torna repetitiva de tão ruim.
Mas o crítico musical "isentão" precisa elogiar Bell Marques, afinal daqui a uns meses haverá aquele festival musical da moda, e o crítico precisa obter viagens de avião e hospedagens de graça.
É a alma do negócio.
Daí os acordos de negócios travestidos de "parcerias musicais".
Alguém acreditou mesmo que Tiê foi fazer dueto com Luan Santana porque achava o cantor breganejo "um gato" ou "por ser um artista visionário, anunciado com a próxima salvação da humanidade planetária"?
Claro que não. Tiê gravou o dueto porque, sem isso, ela não pode sequer cantar nos calçadões de Cuiabá, Montes Claros ou Vitória da Conquista.
Se Gal Costa gravou com Marília Mendonça, se membros da Legião Urbana e Paralamas do Sucesso tocaram com Chimbinha e Titãs com o finado Mr. Catra, e se Ivan Lins, de forma exagerada, disse que "faria 15 músicas" para Ivete Sangalo e Alexandre Pires cantar, é tudo por dinheiro e mídia.
A MPB e o Rock Brasil é que mendigam espaço nos locais onde domina a cultura popularesca, de uma forma quase totalitária e inflexível. Não são os popularescos que pedem um "lugar nobre no primeiro time da MPB", quem acreditar nessa lorota está boiando.
Neste caso, tanto a apologia provocativa pró-brega dos intelectuais "bacanas" como a passagem de pano elegante e categorizada dos intelectuais "isentões" garante o prestígio do "brega vintage".
Mas se a mediocridade musical reinante é gourmetizada sob a desculpa do saudosismo, é porque o viralatismo cultural brasileiro atingiu níveis extremos. De tão ruim, a nossa cultura brasileira precisa exaltar os "menos ruins", o que trará efeitos danosos para o futuro.
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